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3. AS INTERAÇÕES ENTRE EPT, EJA E ENSINO DA LEITURA

5.3 TERCEIRO ENCONTRO: MOTIVAÇÃO DAS PRÁTICAS DE LEITURA EM

Nesse encontro, as participantes mais acostumadas com dinâmica da oficina pedagógica e com o pesquisador, tornou um clima do encontro mais propenso a produção de dados, pela espontaneidade dos participantes.

O objetivo desse encontro foi discutir estratégias de leitura que poderiam ser utilizadas antes da leitura, baseadas no livro “Estratégias de Leitura” de autoria de Isabel Solé. Conforme a autora, é importante preparar os alunos para leitura, definir os objetivos da leitura, verificar o conhecimento prévio que cada aluno tem sobre o tema tratado no texto, elevar as expectativas para leitura do texto, com levantamento de hipóteses e previsões sobre o assunto tratado no texto.

Não foi possível tratar de todas as estratégias de leitura, assim optamos pela estratégia de definição de objetivos para leitura. Foram distribuídos alguns textos (texto literário, bula de remédio, receita de bolo entre outros). Damos pistas sobre o objetivo de cada tipo de texto. Deixamos a leitura fluir.

Gerson: Isso. Nunca fiz um bolo, tá? Aqui está uma receita aqui. Beleza?

Qual o objetivo meu em relação a esse texto aqui?

Eva: Ensinar como se faz um bolo.

Gerson: Ou seja, fazer um bolo. Beleza, ótimo, o objetivo então é...

Eva: Ensinar a fazer o bolo.

Gerson: Fazer o bolo desse texto, entendeu? Meu objetivo o é que o aluno quer aprender. Beleza?

Eva: Sim.

Gerson: Agora eu pergunto para vocês, eu vou ter que ler esse texto todinho para isso?

Gerson: Entendeu, Eva, foi isso que eu falei.

Estagiária: Se você nunca fez um bolo, eu acho que você tem que ler.

Gerson: Ou seja, eu vou ter que ler inteiro, minha estratégia de ler...

Eva: Depois é que você vai para as partes.

Observamos, nesse trecho, a maneira como a professora Eva e a Estagiária se colocam como leitoras. Eva e Estagiária têm opiniões distintas sobre a forma de leitura de receita de bolo. Uma pergunta ficou no ar: seria preciso ler o texto inteiro ou apenas uma parte? Embora fossem dadas pistas sobre o objetivo, pois elas

partiram de pressupostos diferentes quanto ao leitor e sobre objetivo da leitura.

Nesse momento, a intenção era que elas observam o quanto é importante o definir previamente um objetivo de leitura para o aluno, a fim de que a leitura possa fluir em conformidade com objetivo que se pretende alcançar. Naturalmente, nós definimos objetivo(s) quando iniciamos a leitura de determinado texto.

Gerson: Chegou ao seu objetivo? Não, então vamos ver porque que não chegou. É uma forma de você monitorar também o quê? O processo, beleza? Agora vamos passar para a bula, a estratégia que nós usamos aqui, tenho que ler tudo, a bula, a bula...

Eva: Eu vou ao que interessa.

Gerson: Qual a sua preocupação em relação à bula, Eva? Com relação a tomar um remédio, qual é a sua preocupação?

Eva: Quais são os efeitos.

Gerson: Efeitos o que?

Eva Colaterais.

Gerson: E a sua, Estagiária?

Estagiária: A minha é saber para que que aquele remédio serve.

Gerson: Para que que serve, Estagiária. Para que que serve o remédio. Se você quer saber os efeitos colaterais dele, né Eva? E ela quer saber para que que serve, vocês vão fazer a mesma leitura?

Eva: Não.

Gerson: Você vai precisar ler o texto todo?

Eva: Não.

Cumpre-nos frisar os ensinamentos de Solé (2007, p. 93) sobre as variações de objetivos de leitura. De acordo com autora os objetivos dos leitores com relação a um texto podem ser muito variados, e ainda que os enumerássemos nunca poderíamos pretender que nossa lista fosse exaustiva. Haverá tantos objetivos como leitores em diferentes situações e momentos. Isso explica as divergências da professora Eva e a Estagiária na definição dos objetivos de leitura que repercutiram na forma de ler o texto.

Embora não fosse colocado de forma explicita na oficina para a professora, nessa atividade utilizamos de gêneros textuais que circulam na sociedade e não são gêneros específicos do ambiente escolar. Com isso, trazemos para o contexto do processo de pesquisa o conceito de letramento pautado na leitura como prática social. Ou seja, a importância de abordar outros gêneros textuais que permitam formar um aluno-leitor capaz de ler e se posicionar diante de outros textos e não

somente que aparecerem recorrentemente no contexto escolar.

Além disso, reforçamos a necessidade de verificação de conhecimento prévio dos alunos, do levantamento de hipóteses e previsões como atividades motivados e necessárias como estratégias de ensino da leitura. Não houve tempo para uma demonstração, tivemos que expor as ideias.

Fechando análise desse encontro, podemos acrescentar mais 02 (dois) apontamentos. O primeiro vislumbra aspectos do processo formativo, observamos os professores de acordo com pensamento de Gatti (2009, p. 232) querem ouvidos no processo, querem poder expressar dúvidas e expectativas profissionais em um ambiente de trabalho em que seja possível estabelecer laços sociocognitivos, afetivos e motivacionais com seus formadores, seus tutores e seus pares, laços que lhe abram as portas de novas ideias, concepções e caminhos alternativos.

Outro ponto disse respeito às práticas de leitura de sala de aula, observando o que o professor deve se ater antes da leitura de texto: motivar o aluno para a leitura. Segundo Solé (2007, p.43), uma atividade de leitura será motivadora para alguém se o conteúdo estiver ligado aos interesses da pessoa que tem que ler, naturalmente, se a tarefa em sei corresponde a um objetivo.

Consideramos que seja muito difícil para o professor de EPT de área técnica contemplar por meio de um texto técnico ligado ao conteúdo de disciplina de curso da educação profissional os interesses ou expectativas de todos alunos presentes em sala sejam alcançados.

Ainda sobre último aspecto, Freire (1989, p. 18) salienta que desde o começo, na prática democrática e crítica, leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e os temas significativos à experiência comum dos alfabetizados e não de palavras e de temas apenas ligados à experiência do educador.

Entre a afirmação de Freire (1989) e a orientação de Solé (2007) há um ponto em comum que é considerar o leitor no ensino da leitura, considerar seus interesses e sua experiência de vida.

Essa ideia é importante no contexto da EJA como forma de valorizar as experiências dos alunos que são também trabalhadores, pessoas imersas no mundo do trabalho com experiências muitos ricas e relevantes para construção de sentido do texto. Mas, segundo Paiva (2006, p. 520):

Concepções de alfabetização são ainda, desafio a enfrentar, pela forma como educadores se formaram, crendo que porque ensinam, os sujeitos aprendem. Quando estes não aprendem a “culpa”, atribuída aos próprios sujeitos, exime professores da responsabilidade. Saberes e conhecimentos produzidos fora da escola têm pouca chance de serem considerados, pois são sistematicamente negados em situação de aprendizado da leitura e de escrita.

Embora que não seja uma tarefa fácil para o professor de EPT de área técnica sem uma formação específica para lidar com público da EJA, devem ser pensadas estratégias de ensino de leitura que considerem os interesses dos educados, suas experiências e suas expectativas.

5.4. QUARTO ENCONTRO: SOBRE O ACOMPANHAMENTO DAS PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE AULA

Conforme os encontros se sucediam, verificamos que as participantes compreendiam mais o objetivo da oficina de pedagógica e, assim, o interesse, a participação e a adesão das ideias em debate cresciam, bem como o clima dos encontros ficou mais descontraído e favorável a troca de experiências vivenciadas pelas entrevistadas no CESAS.

O foco desse encontro foram as estratégias de ensino que o professor de EPT de área técnica podem utilizar durante da leitura dos alunos. Utilizando ainda os estudos de Isabel Solé (1998), demonstramos aspectos ligados ao acompanhamento da leitura pelo professor: verificar junto ao aluno a confirmação ou não de hipóteses e/ou previsões feitas antes da leitura, observação de problemas de vocabulários entre outros empecilhos ao desenvolvimento da leitura.

No desenvolvimento das práticas da oficina, voltamos nossa atenção ao processo de inferencial ligado à construção de sentido. O objeto de trabalho foi um texto técnico intitulado “Relações Interpessoais” Trata-se de um texto comum em curso FIC de assistente administrativo.

Gerson: De, é, o que você vê aí que você pode inferir desse texto?

Maria: Vou ter que ler pela quinta vez esse texto. Para você ver, né? A cada hora tem uma... parágrafo aqui, no primeiro parágrafo, a base para a melhoria das relações interpessoais é a compreensão de que, cada pessoa tem uma personalidade própria, uma individualidade, né?

Gerson: Sim. Exatamente.

Eva: ...que precisa ser respeitada e cada um traz consigo necessidades sociais, materiais, psicológicas, que precisam ser satisfeitas e que influenciam no seu comportamento. A primeira inferência que eu fiz, que não está escrito em personalidade própria, está escrito no texto, fala das individualidades, mas não de uma maneira direta e aí quando você está falando de uma personalidade própria, você está falando de uma individualidade, de cada um, cada um tem a sua.

Gerson: Exatamente.

Eva: E aí assim, podemos conceituar relações interpessoais como uma disposição interior, essa disposição interior é exatamente a personalidade que cada um tem, que é sua, que é própria sua. E a outra inferência que eu

fiz, foi mais lá no final, podemos afirmar que boa parte da população deveria ser esclarecida sobre o conceito de relacionamentos interpessoais, então, boa parte é a maioria, né? Foram essas inferências.

Gerson: Muito boas, muito legal.

Estagiária: Vou pegar o gancho no último parágrafo, na verdade a última...

Gerson: Linha? Frase? Período?

Estagiária: Período, o último período do texto, né? Que foi o que a Dari comentou por último. Eu acho que nele traz também um pouco, não sei se foi de uma inferência para uma extrapolação já.

Gerson: Sim.

Estagiária: Mas nele eu tive aquela sensação que muitas vezes, um pouco por falta de conhecimento, de respeitar os limites, saber respeitar o meu limite, saber respeitar o limite do outro, a gente extrapola isso, exatamente, acaba machucando, ferindo, falando o que não deveria, às vezes, ou pensando o que não deveria de uma outra pessoa, sem conhecer toda a realidade em volta aqui, né?

Estagiária: Não se prejudica com esse negócio.

Estagiária: Exatamente, prejudica se você levar isso para o contexto de sala de aula, por exemplo, é muito prejudicial, a gente quanto, na postura de professor, a gente não pode ignorar o aluno ali, pensar: ah, chegou atrasado porque quis, a gente tem que conseguir abrir a mente e pensar, existem outros fatores ali, que podem estar causando alguma coisa, beleza, esse menino está saindo muito de sala, está sempre chegando atrasado, por que que isso está acontecendo? Então eu acho que assim, quando a gente acaba não tendo essa preocupação com o outro, com essa relação interpessoal, a gente acaba extrapolando nesse ponto, que eu acho que é a hora que ele fala que se as pessoas tivessem mais conhecimento, elas

Eva: Você começa a fazer uma reflexão da sua atitude em relação ao meio, em relação às pessoas que você convive ali diariamente, a gente tem que fazer a nossa parte, tem que fazer a sua parte e de se relacionar bem com as pessoas, porque isso só vai trazer, na verdade, benefícios, quando você procura se relacionar da melhor maneira possível com o outro, você não fica ali na sua individualidade, você sai um pouco da sua caixinha, para...

Gerson: Para se permitir, né?

O uso de texto da área de conhecimento das professoras e da estagiária criou uma identificação. Não foi difícil verificar que elas se sentiram mais à vontade para falar. O texto, pelo tema abordado, acabou servindo para outras discussões que não estavam bem previstas, tais como, por exemplo: o contexto escolar, o olhar que temos sobre os alunos, a relação com colegas de trabalho.

Um outro aspecto que podemos destacar se trata do apontamento realizado pela Estagiária quando esta expressou que não sabia ao certo de seria uma inferência ou extrapolação. De certo modo, ela expôs uma situação muito pertinente

ao problema do ensino da leitura, o limite da leitura, até onde a leitura e autorizada pelo texto.

Para Marcuschi (2008, p. 250), a extrapolação não é totalmente não um erro, mas um horizonte problemático em que se deve tomar cuidado, pois encontra-se no limite interpretabilidade. Nesse cenário, Dell´Isola (2001, p. 44) alega que:

Inferência é, pois, uma operação mental em que o leitor constrói novas proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza rede conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor busca, extratexto, informações e conhecimentos adquiridos pelas experiências de vida, com os quais preenche os “vazios”

textuais”

Como frisado anteriormente por Freire (1998) e Solé (2007), a autora também salienta a importância da experiência do leitor para o mesmo alcance níveis mais profundo de leitura.

Mais uma vez a questão da formação vem à tona, observamos que professor de EPT de área técnica deve obter um conhecimento teórico mínimo para lidar com o ensino da leitura, a fim de entende até onde deve ir com leitura e não tolher a leitura dos alunos, nem aceitar todo tipo leitura como válida, tendo em vista que alguns textos trazem desafios até para os leitores mais experientes, como são os professores.

5.5 QUINTO ENCONTRO: SOBRE AS PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE