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5.2 Análise e discussão dos resultados

5.2.4 Terceiro princípio: As competências como referência

A este terceiro princípio explicitado na nova Proposta Curricular, já discutido anteriormente, encontram-se vinculadas as seguintes categorias: inovação e mudança, e resistência à mudança. Tais categorias serão analisadas nos moldes expostos no Quadro 8 (matriz de análise).

No texto da Proposta Curricular, temos que: “um currículo referido a competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios da cada disciplina articuladamente às competências e habilidades do aluno” (SÃO PAULO, 2008d, p. 8). Nesse sentido, acredita-se que são essas as competências e habilidades com as quais o aluno contará para fazer uma leitura crítica do mundo em que vive, para tomar decisões e mudar sua história.

Pensar o currículo nessa perspectiva é viver uma transição, uma mudança. Sabemos que, em toda mudança, traços do novo e do velho se entrelaçam nas práticas cotidianas. Murrie (2008, p. 8) afirma que “a Proposta Curricular é, antes de tudo, uma Proposta política que apóia movimentos inovadores escolares e que aposta na possibilidade de desenvolvimento da autonomia escolar”. A afirmação acima, somada à leitura do Caderno do Gestor, volume 1, de 2008, que coloca, em seu prefácio, escrito pela então Secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, o referido ano “como um divisor de águas” para a Educação paulista (MURRIE, 2008, p. 4), mais as falas dos professores explicitadas abaixo, nos levam a refletir a respeito dos conceitos abordados.

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5.2.4.1 Fatores dificultadores

Quanto aos fatores dificultadores (eixo 1) em relação a este terceiro princípio, começando pelo núcleo 1 (núcleo docente), seguem algumas falas das professoras da EE dos Crisântemos:

Mudanças, só no conteúdo. Eles fizeram algumas videoconferências e jogaram na mão do diretor e do professor coordenador. Quando fazíamos alguns questionamentos, eles também não sabiam responder. Mas de novo, de diferente, não vi nada. Já passei por outras reformas e é sempre desse jeito: façam e pronto (MARGARIDA – APÊNDICE A).

Realmente, a implantação ficou para o diretor e o professor coordenador. Eles que distribuíam os materiais e fizeram os HTPCs com o pessoal da Oficina. Foi quando você veio, não é? Mas inovador não, só o material é que foi diferente (AZALEIA – APÊNDICE A).

Divisor de águas, não, nós continuamos com os mesmos problemas, só mudou a forma de dar os conteúdos, porque agora temos que ir pelo caderninho (HORTÊNSIA – APÊNDICE A).

E das professoras da EE dos Girassóis:

Falou-se que a Proposta seria inovadora, revolucionária, você viu alguma coisa tão diferente? Eu não, já vi professores elaborarem projetos que dariam, com certeza, muito mais certo do que esse que nos temos agora (ÍRIS – APÊNDICE A).

O jornal os alunos aproveitaram, mas a Proposta que eles prometiam ser inovadora ficou maçante com esses cadernos que os alunos pegam os resultados na internet (GARDÊNIA – APÊNDICE A).

Quanto ao núcleo dos gestores (núcleo 2), foram apontados os seguintes fatores dificultadores pelos professores coordenadores da EE dos Crisântemos:

Até agora não vimos nada inovação, de divisor de águas como fala o pessoal da Secretaria. Porque se você quer alguma coisa, um resultado imediato no ensino, não consegue, mas a gente sabe que o ensino é um processo que não é resolvido do dia pra noite, tem todo um percurso a ser percorrido pelo aluno e tem que criar condições do aluno se recuperar de algumas situações, e o processo de implantação que nós temos hoje não favorece a isso, ou o aluno pega alguma coisa, ou ele acaba se excluindo, acaba desistindo mesmo, por não acompanhar. Não percebi nenhum divisor de águas, e não vejo como inovador, pelo menos até agora (LÍRIO – APÊNDICE A).

Eu acho que eles querem sempre fazer algo que seja diferente. Acredito que até seja mesmo para melhorar a qualidade da Educação, ou mesmo só para dizer que neste governo foi melhor que o outro, mas não acho que seja uma grande novidade. Veja, nossa matriz curricular continua a mesma, o que mudou foram os conteúdos. Não acho que teve grande resultados, pelo menos até agora (PETÚNIA – APÊNDICE A).

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A diretora da escola coloca-se com a seguinte posição:

Já passamos por diversos momentos de mudanças, e mudar é sempre difícil, mas esta Proposta agora veio com muita violência, foi uma enxurrada de videoconferências e materiais. Para o diretor e o vice, para os coordenadores, mas muito pouco para os professores. Ficou para nós da escola, principalmente para o coordenador, se responsabilizar pela implantação. [...]

Diferente, inovador, divisor de águas, isto ainda não vi. Você lembra quando houve uma grande reforma curricular e nós professores tivemos que mandar para a Secretaria o que achávamos importante como conteúdo? Nós chamávamos os livros de verdão, vermelhão, lembra? Então, essa reforma, que não me lembro do ano, foi mais democrática que esta, pois os professores foram consultados, demorou tanto para chegar que nós já tínhamos esquecido, mas, quando chegou, nós percebemos que realmente ela era compatível com o que estávamos trabalhando. Acho que foi no governo do Montoro (VERBENA – APÊNDICE A).

Para Masetto (2011, p. 18), “os protagonistas de um currículo inovador por excelência são os professores e alunos”. Ainda o mesmo autor sustenta que: “[...] um projeto para ser inovador precisa estar centrado na prática docente [...]” (MASETTO, 2011, p. 18), o que vem a corroborar a fala dos professores, que se sentiram excluídos do processo de construção da Proposta, chegando mesmo a afirmar que já tiveram oportunidade de presenciar projetos melhores nascidos dentro do grupo de professores da escola, e que não percebiam inovação alguma na nova Proposta Curricular em implantação no estado.

No decorrer da investigação, analisamos as Propostas Curriculares das disciplinas e observamos que elas apresentam metas de aprendizagem por séries/bimestres, tanto no Ensino Fundamental ciclo II como no Ensino Médio. Alega Murrie (2008, p. 12), uma das mentoras, que “os alunos devem aprender determinados conteúdos e habilidades, no bimestre, para que possam acompanhar os conteúdos e habilidades dos bimestres subsequentes”. Pela afirmação da autora, notamos que as Propostas apresentam um processo de subordinação entre conteúdos, habilidades e o tempo em que são distribuídos. Nessa lógica, observa-se a existência de uma estrutura curricular interna que considera o bimestre como tempo mínimo de aprendizagem.

Essa postura fere um ponto central apresentado por teóricos da área (CANÁRIO, 2006; CARBONELL, 2002; MASETTO, 2011). Em suas argumentações, eles colocam que, no desenvolvimento de um projeto inovador, a construção de um processo de aprendizagem necessita que se oriente pelos princípios da autoaprendizagem e da interaprendizagem, da aprendizagem colaborativa, da aprendizagem por descoberta com pesquisa, da aprendizagem significativa, da aprendizagem que efetivamente integra a prática profissional com as teorias e princípios que a fundamentam em todo o tempo de formação. Se tivermos um tempo tão

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fechado, como um bimestre, para a aquisição de habilidades e competências pelos alunos, certamente não estaremos trabalhando em um projeto inovador. Acreditamos que a Proposta Curricular do estado de São Paulo, tendo em vista o exposto acima, não pode ser tomada, em sua totalidade, como uma inovação educacional.

Observamos que, na fala dos entrevistados, o conceito de inovação encontra-se mesclado pelos conceitos de mudança e de reforma, o que nos coloca frente ao pensamento de Werle (2010), quando aponta que os conceitos de reforma, inovação e mudança são noções pouco analisadas em seus fundamentos e em suas concepções práticas, correndo o risco de serem usados como sinônimos. Tal entrecruzamento na fala dos entrevistados nos levou a atribuir como categorias similares os conceitos de inovação e mudança, ao pesquisar a implantação da Proposta Curricular.

A resistência à mudança também foi percebida pela fala dos professores. Na EE dos Crisântemos:

Na última reunião que teve, disseram: “você tem que usar a apostila”. Eu reluto com isso. Eu não tenho que usar a apostila se meus alunos não acompanham. Eu não posso. Como que eu vou usar uma coisa que eu sei que eles não acompanham?

[...]

O coordenador puxou muito a minha orelha, por eu não trabalhar a apostila do jeito que era proposto. Não adiantava eu fazer uma coisa que ia contra os meus princípios. Se quiserem preencher as apostilas, vamos preencher. Mas só preencher resolve? Não resolve! (AZALEIA – APÊNDICE A).

No núcleo gestor, nessa mesma escola, foi apontado o seguinte pelo professor coordenador e pela diretora:

De cara tinha uma resistência das pessoas em relação à Proposta, porque é uma coisa desconhecida e não estava muito bem orientada. E não sabiam como lidar, porque não teve orientação específica a respeito... É isso, a partir de agora tem que usar isso e tem que cumprir isso... Logicamente, a resistência veio por esse motivo.

[...]

Tinha alguns que até falavam que usavam, mas quando você ia ver, acompanhar mesmo a sala, eles não estavam usando mesmo. Porque eles não conseguiam dominar os conteúdos dos cadernos. Faltou muito a condição do professor para a utilização do material (LÍRIO – APÊNDICE A).

De início, houve muita revolta. Eles ficaram muito bravos, pois não aceitavam que exigissem deles qual o conteúdo que deveriam dar em sala de aula. Aqui tem muitos professores bons e antigos, que não queriam mudar e muitos não mudaram sua forma de trabalhar, mas fomos trabalhando nos HTPCs, tentando explicar os motivos da Secretaria. Lemos juntos os Cadernos do Gestor, e eles foram se acalmando.

[...]

Com o jornalzinho, a briga foi maior. Você lembra, pois esteve aqui com a Oficina diversas vezes. Teve professor que até gostou, mas a maioria não

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achou bom, ou, sei lá, acho que tiveram alguma dificuldade no conteúdo que veio para ser aplicado (VERBENA – APÊNDICE A).

Na EE dos Girassóis, no núcleo dos professores, temos as seguintes falas:

Sempre participei muito de capacitação, sempre se falava muito do renovar, e você percebe que os professores que estão há muito tempo na escola, você me desculpe, mas, a maioria das vezes, os colegas efetivos são muito resistentes, e quando você chega com o novo...

[...]

Quando chegou a Proposta, disseram: “é a continuidade do jornalzinho, vai ser assim e pronto”. Foi imposta. É normal que tenha resistência (AMARÍLIS – APÊNDICE A).

Essa Proposta, que não é mais Proposta. Eu estou frisando essa questão da Proposta, porque agora é currículo, eu vejo assim: olha, o currículo é esse e você tem que cumprir com isso... E, às vezes, a gente não consegue, de uma série para outra, de um ano para outro, a gente observa que eles vêm, cada vez mais, com brechas (ÍRIS – APÊNDICE A).

No núcleo gestor, inicialmente com os professores coordenadores, os fatores dificultadores são:

Tudo que é novo já é difícil, então o professor, para sair do tradicional, encontra muitas barreiras, no presente momento nem tanto, mas no começo sim. Muitos ainda relutam... Não usam o caderninho, porque os professores acham que o mais fácil são os livros, que não estão adaptados ainda dentro do currículo... Vamos dizer assim, 40% de resistência...

[...]

Muito professor tradicional, ele usava aquele livro e aquele livro ele usava há quatro cinco anos, então ele sabia o livro, de cor e salteado, e sempre daquele mesmo estilo, do mesmo jeito de ensinar, e então aí mudou, então o professor teve que aprender, o aluno teve que aprender... (TULIPA – APÊNDICE A).

Tento passar para eles a facilidade de trabalhar com o currículo, de trabalhar com os livrinhos na nova Proposta. Eu sou realmente fã do currículo, agora a resistência que existe em certos professores ainda é grande. Eu tenho professores na escola que têm resistência grande, alguns ainda trabalham, mas muitos deles não trabalham mesmo (PALMA – APÊNDICE A).

Nas falas da diretora e da vice-diretora, temos:

Bom, foi um impacto, porque é o novo. As pessoas têm medo deste novo. A atuação com esse novo. A aceitação não foi boa, foi muito trabalhoso, todo o trabalho foi assim, paulatinamente, para que eles pudessem entender a quem estava sendo direcionada.

[...]

Hoje, a gente vê o trabalho assim: Não digo que todos estão, na sua maioria, 100% favorável a nova Proposta. Ainda tem resistência e essas resistências ainda vão existir por um bom tempo. Por quê? Porque o que vem já pronto, é difícil de aceitar. Eu preciso estar compartilhando. É difícil para o professor, vai ser um trabalho difícil. Eu tenho resistência dentro da unidade, mas não são resistências que não sejam contornadas. Tem que ser trabalhadas. Não pode ser imposto, porque imposto há rejeição (GÉRBERA – APÊNDICE A).

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Capacitação resolve? Resolve sim! Porque você volta renovada, você volta com uma ânsia muito grande de mudar a tua escola, pelo menos a tua escola. Só que para mudar a tua escola é complicado, porque você não muda uma só pessoa, você tem uma equipe enorme, e nessa equipe sempre vai ter pessoas resistentes, sempre vai ter, vai ser difícil, mas nunca impossível. Você vê que, de lá pra cá, já houve uma mudança muito grande aqui, mudança muito grande na escola (CRAVINA – APÊNDICE A).

É importante observar que, quando ocorre um processo de participação, duas forças operam de uma forma concomitante. Se a necessidade da participação é movida pelo desejo da pessoa envolvida no processo, o sentido de sua participação no projeto coletivo pode ser altamente positivo. Ao contrário, se a participação é delegada por normas, e o desejo não é o motor fundante da ação, dificilmente a participação dos atores no projeto se apresentará de forma que ocorram mudanças reais.

5.2.4.2 Fatores facilitadores

Fatores facilitadores em inovação e mudança, e em resistência à mudança, são timidamente citados por professoras da EE dos Crisântemos e pela vice-diretora da EE dos Girassóis:

Olha, para mim, foi diferente. Achei um modo bem diferente de trabalhar com os alunos, que, talvez, no futuro, possa mesmo mudar a Educação (ROSA – APÊNDICE A).

Sempre tem propostas muito boas. Embora tenham anunciado como inovadora, foi como todas as outras. Tivemos muitas capacitações boas pelo estado (CRAVINA – APÊNDICE A).

Na EE dos Crisântemos, a vice-diretora da escola aponta:

Agora os alunos, eles receberam bem a Proposta. Apesar desse medo, dessa rejeição no início, todos trabalharam com a Proposta. Acho que isso entra um pouquinho nos pontos positivos. Todo mundo fez, apesar de reclamarem, porque no ser humano isso é comum, os professores trabalharam com a Proposta sim. E houve resultado (DÁLIA – APÊNDICE A).

A diretora coloca:

Eu acho que o único ponto que diferencia essa Proposta das tantas outras que tivemos é o fato de ter vindo material para todos os alunos, o que foi muito bom, e o caso do conteúdo como já lhe falei, foi um despertar para os professores (VERBENA – APÊNDICE A).

Os mentores da Proposta Curricular explicitam que: “a transição da cultura do ensino para a da aprendizagem não é individual. A escola deve fazê-la coletivamente, tendo à frente seus gestores para capacitar os professores em seu dia-a-dia, a fim de que todos se apropriem dessa mudança de foco” (SÃO PAULO, 2008d, p. 10). E ainda atribuem, às instâncias

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condutoras da política educacional nos estados e municípios, a função de “[...] elaborar, a partir das Diretrizes e dos Parâmetros Nacionais, propostas curriculares próprias e específicas, provendo os recursos humanos, técnicos e didáticos que para as escolas, em seu projeto pedagógico, estabeleçam os planos de trabalho [...]” (SÃO PAULO, 2008d, p. 10).

Segundo Brooke (2012), os resultados de reformas que são elaboradas por órgãos externos e passadas para as escolas costumam ser desastrosos. O autor aponta que seus resultados chamaram a atenção para a complexidade da cultura escolar e a dificuldade de efetuar mudanças em uma instituição tão complexa como é a escola.

Nas falas elencadas acima, em relação à resistência à mudança, podemos perceber que professores e gestores não concordam que fique somente com as instâncias condutoras da política educacional nos estados e municípios a elaboração de novas Propostas Curriculares. Os sujeitos pesquisados aceitam e concordam que necessitamos de Diretrizes e Parâmetros Curriculares comuns dentro da federação, dos estados e dos municípios, garantindo uma política educacional que leve em conta a promoção de um ensino público gratuito e de qualidade. Na esteira desse pensamento, a elaboração da Proposta Curricular de cada estado e de cada município necessita, para ser adequada, de consulta prévia à comunidade escolar, garantindo sua participação na elaboração desses documentos.