• Nenhum resultado encontrado

Nas últimas décadas, diferentes reformas educacionais vêm varrendo os sistemas de ensino, sem apresentar uma resposta pertinente aos problemas que atingem de forma recorrente e intensa os sistemas escolares.

Quando buscamos alternativas para o futuro, nada melhor do que refletirmos a respeito do passado. Embora nossas interpretações possam ser diversas, existe uma materialidade no

41

que já passou, no que foi vivido. No dizer de Imbernón (2000, p. 17), “o futuro vai sendo construído com peças do passado e do presente. A análise do passado permite-nos conhecer melhor nossa própria idiossincrasia e a do presente, prever uma situação do futuro provável (desejável ou não)”.

Vivemos hoje um momento paradoxal. As reflexões a respeito de Educação nos levam à conclusão da existência de uma crise na escola (CANÁRIO, 2006; CARBONELL, 2002; RIGAL, 2000); em contrapartida, o século XX ficou marcado pelo triunfo da escolarização. Para Rigal (2000, p. 192), “o desafio atual é produzir modos de representar a escola que a associem a algum horizonte possível”.

Para Sacristán (2000, p. 45), um aspecto essencial na Educação é ser projeto, e o projeto moderno de Educação prioriza a acumulação do saber que nos dá a imagem de mundo; “[...] o passado cultural é a fonte do presente e o material substancial do futuro ao ser refeito no presente”. Não há futuro sem raízes previamente assentadas sobre as quais se erguer. Nesse sentido, o pensamento moderno para a Educação busca o difícil equilíbrio entre o valor do conteúdo que precisa ser denso e relevante e a busca de sua apropriação significativa como saber.

Canário (2006, p. 12) coloca que uma Educação para o futuro precisa ser “[...] entendida em um sentido amplo como um processo de conhecer e intervir no mundo, uma contribuição decisiva para que possamos encontrar uma saída para as questões de civilização que nos atingem”. Em sua reflexão, o autor aborda o problema de uma perspectiva que indica a necessidade de “[...] concepções e práticas educativas que valorizem uma função crítica e emancipatória, que permitam compreender o passado, problematizar o futuro e intervir de modo transformador e lúcido no presente” (CANÁRIO, 2006, p. 12). A proposta de Canário (2006) para essa escola do futuro seria uma reinvenção da escola e do ofício de professor, priorizando o questionamento crítico a respeito dos processos de ensinar e aprender da escola atual.

Acredita-se que, por meio do pensamento crítico, podem ser obtidas contribuições para reinventar essa nova escola, em um exercício de autonomia intelectual que ultrapassa os limites do discurso hegemônico, em sua lógica da racionalidade instrumental que vigora nas atuais políticas educativas. O início do século XXI nos leva à celebração e à avaliação de como se encontra a Educação neste momento de transitoriedade e mudanças. A crise, segundo Rigal (2000, p. 171), no sentido que Antonio Gramsci lhe atribuía: “[...] momento no qual o velho está agonizando ou morto, e o novo ainda não acabou de nascer”, instala-se, trazendo a incerteza com a morte das velhas certezas. O marco histórico revela um momento de crise,

42

crise essa entendida como um território de fronteiras, onde o velho está em pedaços e o novo ainda está para ser esboçado. Portanto, a ideia principal é reinventar a escola, tendo na teoria crítica o fio condutor para a análise do que realmente se quer para essa nova escola.

Nesse quadro, três preocupações centrais são apontadas para a orientação na reflexão da Educação e da escola para o século XXI: as preocupações ética, política e epistemológica. Pela preocupação ética, o pensamento transita pelo tipo de sociedade em que se quer viver e pela pessoa que se deve formar para essa sociedade; na preocupação política, o ponto central consiste em relacionar a Educação com as questões de construção, apropriação, legitimação e distribuição de poder na sociedade. Já na preocupação epistemológica, aponta-se a construção de um pensamento de ruptura e superação do dado, daquilo que é tido como verdadeiro. Na preocupação epistemológica, temos a proposição do uso de um dispositivo teórico totalizador que não venha a gerar categorias ontológicas ou olhares reducionistas homogeneizadores, mas, “[...] um recurso heurístico que permite tornar visível aquelas mediações, inter-relações e interdependências que formam as estruturas políticas e sociais” (ARONOWITZ; GIROUZ, 1991 apud RIGAL, 2000, p. 173).

Para pensar uma escola para a nova época, na perspectiva das preocupações elencadas anteriormente, a ética, a política e a epistemológica, será necessário analisar algumas concepções teóricas do pensamento moderno em suas vertentes: acrítica e crítica. Na vertente acrítica, temos, segundo Rigal (2000), duas dimensões: a conservadora e a lúdica. Na dimensão conservadora, a sociedade pós-industrial vê a história cumprida, terminada, na qual só é possível o hoje, e o presente não pode ser modificado. Na dimensão lúdica, tudo é aparente, espetáculo, cenário – o que se tem de real, e ao mesmo tempo efêmero, unicamente, é o texto e também a imagem.

A vertente crítica prioriza a análise da produção social e histórica, pensa a pós- Modernidade como uma etapa da Modernidade, como um projeto inacabado. Recupera a preocupação humanista, a ética da liberdade e da solidariedade; em síntese, preocupa-se com a emancipação, a autonomia e a igualdade do homem e da sociedade. Rigal (2000) coloca que a pedagogia que emerge da concepção crítica é fundada na convicção de que, para a escola, é uma prioridade ética dar poder ao sujeito social, facilitando-lhe a atribuição de sentido crítico ao domínio de habilidades cognitivas e técnicas.

Essa escola surge de uma forma antagônica ao modelo dominante. Sua concepção é totalmente distinta do papel do Estado, da natureza da sociedade, da democracia e do papel dos sujeitos subalternos. Para Rigal (2000, p. 188):

43

[...] podemos pensar que a finalidade da escola do século XXI, pensada como “outra escola”, é construir uma cultura orientada para o pensamento crítico que pretenda dotar o sujeito individual de um sentimento mais profundo de seu lugar no sistema global e de seu potencial papel protagônico na construção da história.

As mudanças que a nova escola democrática pretende são ligadas a objetivos que tenham papel relevante na formação de cidadãos enquanto sujeitos políticos para uma verdadeira democracia, ou seja, uma escola em que governados possam ser formados para serem governantes.

Essa nova escola deve reivindicar o seu papel principal de educativa, negando os aspectos de visão empresarial, de gestão gerencial e de educandos como clientes. A relação ensino-aprendizagem deve manter a produção dialógica coletiva e de negociação cultural (FREIRE, 1985 apud RIGAL, 2000). O currículo, como produto de confrontos e negociações, deve ser oposto àquilo que é visto como um instrumento técnico desprovido de intencionalidade social e cultural. A constituição dos sujeitos sociais precisa ser baseada em uma pedagogia da diferença e pela igualdade. O professor deve ser requalificado, deixando o seu papel de mero transmissor para assumir o perfil de mediador, aproximando-se do intelectual transformador, crítico e emancipador (GIROUX, 1997).

Vale notar que essa tarefa de construção da escola para o novo milênio não é isolada, ela requer atores coletivos, não só capazes de elaborar um novo discurso, mas também de consolidá-lo hegemonicamente e de globalizá-lo.

Para Carbonell (2002, p. 16), se ocorrer investimento na concepção de ensino como serviço público e na renovação no seio da escola, e não apenas em vias secundárias, os alunos “[...] receberão uma aprendizagem sólida que lhes permite enfrentar criticamente as mudanças aceleradas da atual sociedade da informação e do conhecimento”. Tais mudanças permitirão que os educandos transitem com autonomia por essa nova realidade.

Nessa perspectiva, um projeto inovador começa a ser delineado para a escola do novo século, que se encontra entre a Modernidade e a pós-Modernidade. No discurso da Modernidade, a escola situa-se no centro das ideias de justiça, liberdade e autonomia na construção do sujeito histórico, autônomo e livre. No entanto, a Modernidade não conseguiu desenvolver a ideia de uma sociedade livre e autônoma, e esse fracasso aponta no sentido de se pensar um novo projeto para a escola do futuro.

Para Arroyo (2011b, p. 161), a inovação educativa “[...] busca suas virtualidades nesse campo de práticas, diálogos e rituais de que são agentes os sujeitos do ato educativo”, e no qual professores, alunos e família se redescobrem e redescobrem a escola.

44

Acreditamos na urgência em mudanças na escola, principalmente no reconhecimento social da importância do trabalho docente, acompanhado de melhoria nas condições materiais dessas instituições. Pensamos que a escola, sendo uma instituição que está inserida em uma comunidade social globalizada e em mudança, sofre influências constantes em suas prioridades e projetos para o futuro. Sabemos também que alunos, professores e os demais sujeitos pertencentes à comunidade escolar não são os mesmos de um passado recente. Para tanto, precisamos prepará-la para que, nos próximos anos, possa ser chamada não apenas para ocupar o espaço de apropriação do saber, de ser um lugar de aprender, mas sim para ser um espaço de busca de construção, de diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista, enfim, para ser uma organização cidadã.