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o Termalismo nos Finais do séCulo XiX

PARTE I: TURISMO(S) DE SAÚDE E BEM-ESTAR

3. o Termalismo nos Finais do séCulo XiX

dispomos para esta época de uma imagem detalhada dos banhos de Caldas, no livro de ramalho ortigão intitulado justamente Banhos de Caldas e Águas Minerais. o autor lembra-nos: então pela europa, os lugares de águas (…) afirma- vam-se como lugares de vida mundana para a realeza, nobres, artistas, literatos, políticos, altos funcionários, que se encontravam nos casinos, elemento principal da vida destes locais durante a estação balneária, como lugares de prazer e jogo, moda, amor fácil, ostentação de toilletes. ao lado dos aquistas muitas pessoas ricas e ociosas, que as frequentam como frequentam o mónaco ou o Cairo. na sua opinião, a viagem para os ociosos, tristes, entediados, contrariava a apatia, signifi- cava distracção e actividade, conhecimento de aspectos da natureza, da sociedade, informação, ocupação do espírito nos longos dias de Verão, estímulo da vida. movimento, sociabilidade, prazeres frívolos; mas também possibilidades de recolhi- mento, tranquilidade, leitura, estudo, solidão. e deste modo, desenvolvimento do turismo termal, pelo desenvolvimento das actividades turísticas, e promoção das termas como estâncias de turismo, num processo a que portugal não ficava alheio.

na introdução deste livro, Júlio César machado precisa: «dantes o costume em portugal, nos meses de Verão, era tomar ares. quem fosse gente tinha casa no campo e em chegando o mês de maio emigrava para a quinta» (…) mas às vezes, por não ser a casa longe bastante, ia para lá gente de amizade dos que não tinham quinta sua senão a quinta-feira, e enchiam a vivenda alheia, com grave seca dos possuidores. Foi preciso criar nova moda e, há poucos anos, principiou toda a gente a ir para um canto qualquer, alugado, e meter ali a família toda. primeiro tratou-se só de banhos de mar, a pouco e pouco a população sentiu-se cada vez mais agoniada, e veio no conhecimento de que os remédios são grãos de trigo que os médicos semeiam no corpo dos doentes, e em lhes caindo alguma água mineral no tempo próprio, dão colheita certa e magnífica. a vida moderna faz doenças novas, que encontram alívio no descanso e na distracção: distrair-se alguém em lisboa de abril a outubro é difícil. as caldas conciliam tudo: mudança de ares, exercício ameno, banhos, copinho, peregrinação, entretenimento, vita nuova.

e acrescenta: era indispensável adoptar este regime, e o entusiasmo por ele está sendo sincero: os portugueses fecham a porta da sua casa, metem a chave no bolso e vão por aí fora com a sua família em caminho-de-ferro e em diligências, beber água daqui a cem léguas. a existência nessas paragens é para nós um viver

excepcional; os lugares, provavelmente, não hão-de ser em extremo recreativos. as pessoas que para ali vão ou estão doentes, ou fazem como se o estivessem; uns tomam banho; outros de manhã bebem água, e à noite chá, ondas de água quente por diversos modos e sabor diferente. os passeios e os piqueniques são o divertimento.

então, o melhor conhecimento das propriedades das águas fundamentava os seus usos terapêuticos, sem necessidade de evocação de milagres: a «época de ouro da crenoterapia», no tratamento de reumatismos, perturbações digestivas, doenças da pele e respiratórias. na continuidade, o termalismo beneficiava de novo enquadramento legislativo, sobretudo na segunda metade do século XiX e mais ainda com a legislação de 1892, que regulamenta a exploração das águas minerais naturais, logo das nascentes termais e dos usos da área envolvente destas e dos balneários, no sentido de preservar a qualidade das águas. promovem-se a cons- trução de novos balneários, novas ambiências e novos equipamentos de recepção e entretenimento, mesmo de hotéis de bom nível e até luxuosos, «casinos, parques românticos, decorações arte nova, arquitecturas de sonho» (Clara azevedo, 1995, p. 19), em relação com uma procura de nível económico e social elevado.

ramalho ortigão, no livro que vimos seguindo, proporciona-nos um inven- tário das estâncias de Caldas e Banhos do país, das mais desenvolvidas e animadas e das mais humildes e tristes. umas são de exploração recente:

• em lijó e Galegos, no concelho de Barcelos, o uso das águas tivera início havia cerca de 20 anos, por conselho de um médico do porto; interessava 500 a 600 pessoas por ano, dos fins de Junho aos fins de outubro, que dispunham de duas pequenas casas em mau estado, com tinas de madeira para os banhos, sendo a água aquecida em caldeiras de cobre; nestas circunstâncias, a maior parte dos doentes tomava os banhos em casas particulares;

• em Felgueiras, Canas de senhorim, existia apenas um estabelecimento de banhos simples, mesmo muito modesto, com pequenos quartos;

• na Cúria, lugar tradicional de águas santas, milagrosas em banhos anuais, na noite de s. João, aonde acorriam centenas de doentes das povoações mais próximas, dispunha-se de uma simples poça e uma modesta barraca de pinho como vestiário;

• nos Cucos os banhos, pouco concorridos, eram ministrados debaixo de barracas de madeira em tinas também de madeira cravadas no local em que nascem as águas;

• na estrada de runa as águas da fonte de Torres Vedras alimentavam alguns banhos no Verão;

• no estoril, o desenvolvimento termal permanecia incipiente: na Fonte da poça, à beira-mar, existia um pequeno estabelecimento, mandado cons- truir pela Câmara de Cascais; a água da Fonte do estoril era simplesmente encanada para uma casa de banhos, muito embora se lhe reconhecessem possibilidades de suportar o desenvolvimento de um estabelecimento termal importante.

inversamente,

• nas pedras salgadas, servidas pela estrada real porto-Chaves, a exploração era recente (1871) mas contava com balneário, hotel confortável, parque, fontes e outras infra-estruturas de apoio, e em Vila pouca de aguiar muitas casas recebiam hóspedes por preços razoáveis, de maio a fins de outubro; • algumas estâncias fronteiriças, como melgaço, monção, Castelo de Vide e

monfortinho, atraíam muitos espanhóis;

• em Vizela funcionavam dois bons hotéis e muitas casas mobiladas que se alugavam por preços dependentes dos cómodos que ofereciam, atraindo uma clientela do entre douro e minho, rural e urbana;

• nas Taipas havia um hotel com preços módicos, e muitas casas mobiladas para aluguer sazonal;

• nas Caldas da Felgueira (João semana, citado por Clara azevedo, 1995, p. 16) havia o Grande Hotel Clube, com capacidade para 130 utentes, e serviço simples, mas faltava um parque a envolvê-lo e faltava animação que preenchesse os quotidianos dos hóspedes (apenas bilhar, mesa de jogo, pequeno gabinete de leitura, salão de baile com um piano velho e de uso raro), num marasmo apenas verdadeiramente quebrado com a chegada do correio; apreciação também desfavorável no que respeita ao estabele- cimento termal, pequeno, mal situado, com compartimentos minúsculos para os duches, tinas esmaltadas já velhas, como todo o maquinismo, e onde faltava asseio e um sistema de aquecimento. pela situação numa área muito povoada e pobre, pululavam mendigos, andrajosos, sujos, de todas as idades e sexos, que muito importunavam os banhistas... nesta e em muitas outras estâncias termais, sem a presença de personalidades que lhes assegurassem prestígio, as estadas eram rotineiras e monótonas, além de prolongadas: não um prazer escolhido mas um ócio forçado, uma necessidade suportada.

Bem diferente continuava a ser o ambiente das Caldas da rainha, um ambiente mundano que fora criado pela presença habitual da Corte. eram ainda a principal estância termal do país: contava 2 hotéis, 2 hospedarias e quase todas as famílias da vila recebiam hóspedes durante a estação; o edifício do hospital com quartos bem mobilados e bom serviço, médico e cirúrgico, foi considerado excelente; o Clube dispunha de salão de música e baile, uma pequena biblioteca e um gabinete de leitura; a mata funcionava como lugar de encontro dos banhistas durante as tardes. a estação balnear durava 5 meses e meio, de 15 de maio até finais de outubro: então habitavam a vila muitas senhoras espanholas e muitas famílias de lisboa, muitos aquistas mais ou menos doentes e também muitos «banhistas» à margem das águas. a clientela continuava dual: cada ano entravam no hospital 1.400 a 1.700 pobres, para os quais havia sempre 400 camas prontas e podiam ser armadas 500 outras. os banhos nas piscinas do estabelecimento termal eram gratuitos: reser- vados aos doentes residentes no hospital até às 6 horas da manhã e disponibili- zados para o público depois das 7 horas.

entretanto, outros lugares começavam a ganhar projecção e atractividade. nestes o termalismo funcionava como suporte do seu desenvolvimento, em que se destacam os estabelecimentos termais, os equipamentos de recepção dos aquis- tas, como alojamento, restauração e entretenimento, as paisagens e os ambientes envolventes:

• luso, uma das estâncias mais concorridas, gozava da localização (mata e convento do Buçaco) e acessibilidade, dispunha de dois hotéis, de um estabelecimento de banhos datando de 1849, com 9 quartos com duas banheiras cada, máquina de aquecimento da água, gabinete de leitura, sala de encontro de banhistas;

• a moderna estância de Vidago contava, desde os inícios dos anos 70, com o Grande Hotel (inaugurado em 1874), com quartos de primeira e de segunda classes, sempre com janelas, onde se alojara d. luís i, que aqui vilegiara de 1875 a 1877, e também com sala de música e bilhar; o pequeno Hotel, também ele com estabelecimento de banhos termais; alamedas para passear; correio diário e estação telegráfica e durante a estação das águas, o serviço de duas diligências. a empresa concessionária da exploração das águas e proprietária dos hotéis projectava a construção de um casino e de um pavilhão no lugar das nascentes. Vidago ao ser frequentada pela Corte, tornara-se num dos lugares procurados pela aristocracia e a burguesia endinheirada, clientelas nacionais que justificavam a sua modernidade, a construção de novos hotéis e balneários e a do casino.