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uma posição destacada no termalismo europeu

PARTE I: TURISMO(S) DE SAÚDE E BEM-ESTAR

1. os ensinamenTos da eXperiênCia Termal

1.1. uma posição destacada no termalismo europeu

a europa permanece como uma região de prática de turismo de saúde e bem- -estar associado a termas. pelo número de estâncias e pela frequência destacam-se a alemanha, a espanha, a França, a itália, a áustria, a suíça e a Hungria. as regiões do sul atraem aquistas dos países do norte da europa, com pouca luz solar no inverno e por isso pouco convidativas, nomeadamente para actividades ao ar livre. na Hungria, a procura da europa central e alpina alimenta a componente externa da frequência dos seus balneários e do respectivo equipamento hoteleiro. a Boémia procura recuperar o prestígio dos tempos áureos de Carlsbad e de marienbad.

a procura termal tem todavia pouca expressão nos respectivos mercados: 2% da população em itália, 2,5% na alemanha e 5-7% nos países da europa central, com maior cultura activa da água. esta é fruto da tradição mas não menos do facto de muitos deles não disporem de praias de águas quentes que constituíssem destinos nacionais de férias estivais alternativos e de, no quadro dos seus siste- mas políticos, terem privilegiado o termalismo social, associando e subsidiando as curas clássicas e as práticas de manutenção do corpo. na alemanha e na áustria as estadas termais associam a cura clássica a práticas de promoção da saúde em geral, inclusive pelos efeitos benéficos do clima e do ambiente, como se espera do turismo. Tal facto explica o aumento dos aquistas livres, em busca de tratamentos alternativos, direccionados para o turismo de saúde e bem-estar, que vem compen- sando a redução do número dos co-financiados pelo sistema de saúde/segurança social, com reembolsos mais exigentes desde 1996, e diversificando as clientelas termais.

o universo termal francês é composto por 105 estâncias para 1200 fontes, quase 90% abertas durante mais de 6 meses por ano, com uma clientela anual de cerca de 550 mil curistas (no sentido de utentes com motivações predominante- mente curativas), menos 15% entre 1993 e 1999, descida que tem continuado (509 mil em 2004 quanto a curas medicalizadas e convencionadas): com um pouco mais de uma centena de estâncias activas e recursos de águas termais da ordem de um 1/5 do capital termal europeu, a França regista frequências termais muito redu- zidas, apenas da ordem de 1,4% da população do país, ou menos de 1% segundo outros estudos. muitas das suas estâncias situam-se em regiões pobres, de monta- nha, despovoadas e em regressão económica, cujo desenvolvimento acompanhara o do termalismo.

domina a vertente terapêutica: aquistas idosos em busca de cura para os seus problemas de saúde, que as frequentam mediante prescrição médica (médico de família). os tratamentos têm sobretudo orientação reumatológica (60%) e incluem as vertentes de prevenção e de aprendizagem de uma melhor gestão futura da pró- pria doença no quotidiano doméstico. Trata-se de tratamentos tidos como morosos, incompatíveis com os ritmos da população activa, tendendo por isso a excluí-la no universo das suas clientelas. as curas são actualmente de 3 semanas, tempo em que os tratamentos se tornam centrais nos quotidianos dos curistas, fazem-se sempre com acompanhamento por parte do médico residente na estância e com pessoal qualificado e especializado.

Termalismo essencialmente medicinal, institucional e científico, com impli- cação profunda da classe médica não apenas na vertente científica mas também na tecno-administrativa, que remonta ao início do século XVii, quando Henri iV nomeou o seu principal médico como responsável dos Banhos e Fontes minerais: ao faze-lo definiu a filosofia termal dominante, baseada nas propriedades físicas e nas potencialidades curativas das águas minero-naturais, cuja prospecção, recensea- mento e protecção atribuiu À inspecção das águas minerais, ainda em 1605. águas consumidas sobretudo por ingestão, e pouco usadas em banhos, duches, inalações, vapores, facto que se manteve até ao aparecimento da crenoterapia moderna, por volta de 1930, sempre fortemente apoiada nos médicos hidrologistas, justamente

quando o termalismo se torna acessível aos curistas sociais, mas também quando se começam a sentir os efeitos da crise de 1929.

após a segunda guerra aumentou consideravelmente a dependência estatal do termalismo francês. a criação da segurança social obrigatória para todos os assa- lariados proporciona protecção contra as doenças, alargada às respectivas famílias, e prestações sociais/reembolsos para práticas termo-medicinais, de acordo com as orientações terapêuticas reconhecidas a cada estância (tratamentos, alojamento, transportes), fazendo do termalismo uma «medicina de massas», contra a doença, as recaídas, as ausências ao trabalho, as baixas de produtividade, criando o terma- lismo social, e o turismo termal de massas, em detrimento do termalismo burguês, das classes sociais abastadas, até então dominante.

o reconhecimento do termalismo como uma terapia, um simples cuidado médico, para beneficiários sociais e estratos sociais economicamente mais débeis, faz dele um subproduto da segurança social, dela dependente. regras de financia- mento mais restritivas e controladas, aumentos das taxas moderadoras, definição de tectos ou limites dos recursos que permitem ter acesso a prestações relativas a transporte e alojamento, fixação de plafonds quanto a acesso a tratamentos e cuidados médicos, têm tradução imediata na frequência termal: no número, no tipo de clientes, no seu nível económico (reembolsos em função do rendimento per capita), nos gastos em consumos locais, na sazonalidade (não compatíveis com férias)... «os curistas passam a hesitar, frequentemente, em retomar uma série de cuidados termais (...) e dão preferência aos tratamentos através da quimioterapia ou da cirurgia, onde o reembolso era praticamente total» (adília ramos, 2005, p. 171).

Figura 8 – Evolução da frequência termal de 1952 a 2001

FonTe: union nationale des établissements Thermaux (Fev. 2002).

«a invenção da segurança social e a sua extensão a domínios tão significativos como o dos tratamentos termais, teve três grandes consequências no termalismo francês:

1. os beneficiários sociais passaram a constituir progressivamente a clientela de excelência das estações termais substituindo a clientela abastada de outrora;

2. as curas termais passaram a revestir um carácter médico cada vez mais acentuado, prescritas em mais de 90% dos casos pelos médicos, e efectua- das sob controlo médico em 100% dos casos;

3. as estações termais empenharam-se numa especialização acentuada, onde cada uma delas se passou a ver reconhecida por uma orientação tera- pêutica dominante, combinada frequentemente com uma outra orientação secundária, e manifestando a garantia de uma Crenoterapia científica de alto nível» (Guy ebrand, cit. adília ramos, 2005, pp. 173-174).

e adília ramos conclui: «toda a política termal francesa do pós-guerra se pautou, durante décadas, por uma submissão inequívoca ao aspecto curativo e à ideia de que o termalismo se apresentava como uma terapêutica entre muitas outras (...). Todo o dossier de aceitação dos utentes era exclusivamente medicinal, e controlado unicamente por médicos. a própria comparticipação da segurança social impunha o controlo permanente do corpo médico da estação termal (...), ,permitia-lhes ir multiplicando o número das suas consultas (...); as remunerações eram estabelecidas previamente aos seus contratos, sendo acrescidas do número de consultas exigidas aos curistas (...). promoção subtil de alguns interesses médicos instalados...» (idem, p. 174).

Figura 9 – Evolução de curistas sociais, livres e frequência total (1957-1984)

FonTe: union nationale des établissements Thermaux (Fev. 2002). extraído de adília ramos, 2005.

esta marca fortemente social e medicinal e estreitamente dependente da segurança social limita fortemente as suas perspectivas de futuro: «ambiência triste e envelhecida», «clientelas da terceira idade e de baixos recursos», equipamentos

também eles envelhecidos, lugares vazios nas épocas baixas, não animação, entre- tenimento, lazer, nem mesmo estadas de convalescença, de prevenção. «o terma- lismo parece ter-se transformado num tratamento de último recurso, devorado pela sua via real – a reumatologia – quaisquer que sejam as características e qualidades iniciais das águas minerais. por outro lado, os médicos especialistas foram aban- donando as estâncias termais...» (idem, p. 176), mesmo se alguns estabelecimentos foram ampliados e modernizados, com pesados encargos financeiros, endivida- mento das estâncias e problemas financeiros para as colectividades e/ou institui- ções locais.

o contexto geral é de descredibilização crescente da terapia termal, a favor dos medicamentos, e de redução das despesas dos sistemas de saúde. a redução do número de curistas foi acompanhada pela redução das despesas médias de cura, do número de acompanhantes e das permanências médias quando livres: 10 milhões de dias de cura, com recentragem na reumatologia; 0,28% das despesas de saúde (valores de 2003), ou 1% segundo outros cálculos. montante monetário tido por muitos como modesto; montante dependente do leque dos tratamentos abrangidos, das tarifas convencionadas e da sua maior ou menor actualização; estas vêm sendo avaliadas como muito insuficientes, tendendo mesmo a pôr em causa a qualidade dos serviços, o apoio à investigação que os deve credibilizar e a própria viabilidade dos estabelecimentos termais.