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Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves1

Introdução

Exportamos produtos ou exportamos solos e subsolos?

Salva-vidas de chumbos: em nome da modernização e do progresso, os bosques industriais, as explorações mineiras e as plantações gigantescas arrasam os bos-ques naturais, envenenam a terra, esgotam a água e ani-quilam pequenos plantios e as hortas familiares. Essas empresas todo-poderosas, altamente modernizadas, prometem mil empregos, mas ocupam bem poucos braços. Talvez elas bendigam as agências de publici-dade e os meios de comunicação que difundem suas mentiras, mas amaldiçoam os camponeses pobres. Os expulsos da terra vegetam nos subúrbios das grandes cidades, tentando consumir o que antes produziam. [...]

Terras que podiam abastecer as necessidades essenciais do mercado interno são destinadas a um só produto, a

1 Universidade Estadual de Goiás - ricardo.goncalves@ueg.br

serviço da demanda estrangeira. Cresço para fora, para dentro me esqueço. Quando cai o preço internacional desse único produto, alimento ou matéria-prima, junto com os preços caem os países que de tal produto depen-dem. E quando a cotação subitamente vai às nuvens, no louco sobe e desce do mercado mundial, ocorre um trágico paradoxo: o aumento dos preços dos alimentos, por exemplo, enche os bolsos dos gigantes do comércio agrícola e, ao mesmo tempo, multiplicam a fome das multidões que não podem pagar seu encarecido pão de cada dia. (GALEANO, 2013, p. 6-7).

A apropriação da terra, da água e do subsolo orbitada pela lógica mercantil da produção de commodities e geração de lucros privados, inserida no circuito ampliado do capital nos territórios do Cerrado em Goiás, configura o negócio da agro-hidro-mine-ração. Essa noção compõe a análise territorial que apreende os conflitos e os territórios em disputa no espaço agrário goiano, pos-sibilitando uma abordagem integrada, que não separa trabalho e capital, economia, política, cultura e natureza.

A proposta analítica compreende que o negócio da agro--hidro-mineração é ilustrativo da questão agrária contempo-rânea, por não fragmentar as dimensões dos conflitos pela água, terra e subsolo. Portanto, contribui para as pesquisas em Geografia, especialmente no interior epistêmico e empírico da Geografia Agrária.

Nas pesquisas sobre Goiás e o território cerradeiro, au-tores como Mendonça e Mesquita (2007) e Mendonça (2009) apresentam análises do agrohidronegócio, não separam terra e água na abordagem geográfica sobre os conflitos agrários.

Além disso, esses pesquisadores entendem terra e água en-quanto territórios em disputa. Logo, essas e outras pesquisas

(THOMAZ JUNIOR, 2009, 2010; DOURADO, 2015; ALVES, 2014; CUNHA e CARVALHAL, 2014) demonstraram que a apropriação da terra e da água é um componente ativo na re-produção do capital no campo brasileiro. No entanto, pouca atenção foi dada ao subsolo até então, que também potencia os interesses e estratégias das empresas mineradoras na relação com os territórios.

Por conseguinte, diante da arrancada do modelo primário--exportador brasileiro, alicerçado na exploração da terra, da água e do subsolo na última década, em contexto neoextrativista da economia brasileira (MILANEZ; SANTOS, 2013), acreditou-se correto lançar olhares sobre esse processo em Goiás chamando-o de negócio da agro-hidro-mineração. Com a atuação de empresas transnacionais de setores extrativos como o agronegócio e a mi-neração, o poder de controle territorial foi fortalecido, resultando em conflitos, expropriação e violência, agudizando a luta de clas-se. Por outro lado, os sujeitos resistem e produzem relações de lutas que permitem evidenciar as contradições representadas pelo capitalismo no campo e nas cidades, principalmente confrontan-do os empreendimentos que agridem os camponeses e trabalha-dores que vivem na/da terra.

Desse modo, ao contribuir com as pesquisas que já se preo-cupam com as estratégias de apropriação da água e da terra no espaço agrário brasileiro, a nossa intenção é desenvolver o debate, incluindo também a disputa pelo subsolo nas investigações no lé-xico da Geografia Agrária. Com efeito, a referência concreta das análises geográficas são os territórios do Cerrado em Goiás, cuja economia é dependente da exportação de produtos primários como grãos, carne e minérios, além do papel ativo da agroindús-tria canavieira na primeira década do século XXI.

O negócio da agro-hidro-mineração no Cerrado em Goiás Os recursos naturais dos territórios cerradeiros em Goiás - sejam os rios, aquiferos, minérios, plantas, terras - usados his-toricamentes por diferentes sujeitos que viveram e vivem no Pla-nalto Central2, em contato direto com o Cerrado e dependente dele para a reprodução da existência coletiva, pronunciam níveis de disputas territoriais num cenário orquestrado pela geopolítica das emperesas nacionais e transnacionais do capitalismo financei-rizado e neoliberal.

Com efeito, defende-se que os usos da água, terra e subsolo, enquanto componentes da questão agrária contemporânea, des-pertam estratégias de poder e conflitos de classes, que podem ser compreendidas pela leitura geográfica da apropriação dos territó-rios cerradeiros pelo capital.

As implicações socioespaciais da expansão dos projetos capitalistas que envolvem o negócio da agro-hidro-mineração no Cerrado goiano multiplicam os conflitos socioambientais, amea-çam as condições de existência ou expropriam populações dos territórios onde as identidades territoriais são construídas his-toricamente, na relação integrada com a natureza. Como afirma Barbosa et. al (2014, p. 18)

O Cerrado exerceu papel fundamental na vida das po-pulações pré-históricas que iniciaram o povoamento das áreas interioranas do continente sulamericano. Na

2 Os usos do território no Planalto Central, desde os grupos pré-históricos e dos indígenas, passando pelos bandeirantes paulistas, quilombolas e camponeses à marcha capitalista dos grandes projetos como a construção de Brasília é sistematizada na obra de Bertran (2011). O tema também foi investigado com fôlego por Barbosa (2002) e Barbosa et.al (2014). Dessa maneira, de acordo com Barbosa et.al (2014, p. 17), “os chapadões centrais do Brasil, cobertos pelo Domínio Morfoclimático e Fitogeográfico do Cerrado, funcionam como uma espécie de fronteira cultural, onde vários elementos de origem diversa convergem, se convertem e criam uma espécie de cultura singular”.

região do Cerrado, essas populações desenvolveram importantes processos culturais que moldaram estilos de sociedades bem definidas, em que a economia da caça e coleta imprime modelos de organização espacial e social com características peculiares. Os processos culturais indígenas que se seguiram a esse modelo trou-xeram pouca modificação à fisionomia sociocultural. E, embora ocorresse o advento da agricultura incipiente, que era exercida nas manchas de solo de boa fertilidade natural existente no Sistema do Cerrado, a caça e a co-leta, principalmente a vegetal, ainda constituem fatores decisivos na economia dessas sociedades.

Com a territorialização e expansão dos grandes emprendi-mentos de mineração, hidrelétricas, produção de grãos (princi-palmente soja e milho), eucaliptais e a agroindústria canavieira no Cerrado, intensificou-se a espoliação de territórios e da socio-biodiversidade que garante a materialização da existência coletiva dos Povos Cerradeiros (MENDONÇA, 2004).

Nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1960 e 1970, a apropriação capitalista e inserção produtiva do Cerrado no circuito da acumulação mundial do capital ficaram evidentes, transformando-o no principal celeiro agrícola do país. No entan-to, o discurso do progresso incorporado pela modernização ca-pitalista mascarou e ainda vela as consequências da acumulação por espoliação (HARVEY, 2013) nas áreas de Cerrado, como tem demonstrado distintas pesquisas desenvolvidas por Mendonça (2004, 2010), Inocêncio (2010), Bunde (2011), Nascimento (2014) e Gonçalves (2016).

Foi criado um aparato institucional de programas agríco-las, instituições de pesquisas e financiamentos que adensaram os territórios cerradeiros de fixos e fluxos (SANTOS, 2008),

en-quanto suportes de auto-expansão do capital e consolidação do negócio da agro-hidro-mineração, conectando lugares conforme os interesses das grandes empresas e produzindo, ao mesmo tem-po, o desenvolvimento desigual e combinado. Um dos resultados imediatos desses processos foram os conflitos socioambientais e a expropriação violenta dos camponeses e trabalhadores da terra (MENDONÇA, 2004) de seus territórios da existência. Dessa ma-neira, empresas nacionais e transnacionais de sementes, produção e comércio de agrotóxicos, mineradoras, farmacoquímicas e de produção de energia, continuam mapeando os potenciais naturais do Cerrado e exercendo o controle e apropriação privada da terra, da água e do subsolo – que deveriam ser protegidos como bens comuns, de toda a sociedade - lançando-os no reino da produção mercantil, da mais valia e renda.

À vista disso, na primeira década do século XXI, enquanto o país experimentava a crescente expansão dos setores extrativos ligados a exportação de commodities agrominerais, em Goiás os produtos intensivos no uso da terra, da água e do subsolo, como grãos, carne e minérios também presenciaram crescimento na pauta de exportação, considerando o período entre 2001 e 2013.

(Tabela 1).

Tabela 1 - Exportação dos principais produtos goianos por volume e receita - 2001 e 2013

Produtos

2001 2013

Volume

(t) % US$

(Mil)FOB % Volume

(t) % US$ FOB

(Mil) %

Complexo

Carne* 58.312 3,2 98.491 16,5 504.483 5,2 1.584.822 22,5

Complexo de

Soja 1.572.619 85,3 287.615 48,3 4.487.896 46,7 2.392.856 34,0 Complexo de

Minérios* 61.482 3,3 124.617 20,9 519.782 5,4 1.310.170 18,6

Açúcares 68.867 3,7 14.519 2,4 588.188 6,1 249.786 3,5

Milho 178 0,0 171 0,0 3.143.761 32,7 722.611 10,3

Demais

produtos 82.878 4.4 69.858 11.7 335.576 3,5 741.474 10.6

1.844.158 100,0 595.271 100,0 9.615.921 100,0 7.042.674 100,0

*Complexo de carne: carne bovina, carne avícola, carne suína e outras carnes. *Comple-xo de Minérios: ouro, amianto, sulfetos de min. de cobre, ferroligas e outros minérios.

Fonte: IBM (2014, p. 14). Org.: IBM (2014), adaptado por Gonçalves (2015).

Entre os anos 2001 e 2013 houve um aumento acentuado na produção, volume exportado e arrecadação de receitas deriva-das dos complexos de carne, soja e minérios em Goiás. O Com-plexo de Carne, por exemplo, em 2001 exportou um volume de 58.312 toneladas em produtos (correspondeu a 3,2% do volume total das exportações goianas) e arrecadou uma receita de aproxi-madamente US$ 98,4 milhões3, o equivalente a 16,5% da receita total do estado em exportações. Em 2013, o mesmo Complexo exportou um volume de 504.483 toneladas em produtos, o equi-valente a 5,2% do volume total das exportações goianas. O valor dessas exportações, por sua vez, alcançou cerca de US$ 1,5 bilhão, e respondeu por 22,5% da receita do estado resultante da pauta exportadora.

Já o Complexo de Soja, em 2001, Goiás exportou 1.572.619 toneladas dessa commodity, representando uma cifra hegemôni-ca de 85,3% do volume total das exportações. Esse volume ainda correspondeu ao valor aproximado de US$ 287,6 milhões, ou seja, 48,3% da receita geral obtida nas transações econômicas interna-cionais. No ano de 2013, o Complexo de Soja exportou 4.487.896 toneladas, um aumento significativo se comparado a 2001, apesar de diminuir para 46,7% no peso da participação total do

volu-3 Todos os valores apresentados no texto são nominais.

me de mercadorias exportadas pelo estado. Aumentou também o valor arrecado por esse Complexo, que atingiu cerca de US$ 2,3 bilhões, porém com uma participação de 34,0 % na receita total das exportações, menos do que a verificada em 2001.

Por fim, a análise do Complexo de Minérios revela a am-pliação do setor extrativo no volume comercializado e nas recei-tas das exportações goianas entre 2001 e 2013, acentuando sua participação na economia do estado. Em 2001, foram exporta-das 61.482 tonelaexporta-das pelo Complexo de Minérios, o equivalente a 3,3% do volume total das exportações em Goiás. Quanto ao valor das transações com o mercado internacional, a presença do Complexo representou a arrecadação de aproximadamente US$ 124,6 milhões, que significou um percentual de 20,9% da receita total que o Estado arrecadou com sua pauta exportado-ra. No ano de 2013, o mesmo Complexo representou um salto quantitativo tanto no volume quanto na receita das exportações de commodities minerais. Foram 519.000 toneladas de minérios exportados, 5,4% do volume total dos produtos que Goiás co-mercializou com o exterior. O valor das exportações do volume representado pela indústria extrativa mineral girou em torno de US$ 1,3 bilhão, o que significou 18,6% da receita completa arre-cadada nas exportações.

Além dos complexos de soja, carne e minérios, a pauta ex-portadora goiana experimentou o aumento do comércio de ou-tros produtos, como açúcares, milho, algodão, couros, leite e de-rivados, café e demais produtos primários. Assim, com um valor que ultrapassou US$ 7 bilhões em 2013 (enquanto em 2001 foi de aproximadamente US$ 595,2 milhões), as exportações exer-ceram certo protagonismo na economia goiana, de modo que o IBM (2014) estima que naquele ano (2013) elas corresponderam a 12,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de Goiás.

Portanto, isso está relacionado com a expansão produtiva no território goiano atendendo as demandas estrangeiras e bene-ficiando dos preços internacionais das commodities. Ainda, con-siderando os percentuais da receita e do volume dos produtos ex-portados por Goiás, apenas no período entre 2000 e 2009, houve um aumento de 563,5% na receita e 176,6% no volume das mer-cadorias lançadas no mercado internacional. Consequentemen-te, elas se restringem aos produtos primários, ou seja, de pouco valor agregado. Conforme o IBM (2014), entre 1990 e 2013, 75%

dos produtos exportados foram primários, enquanto 25% corres-ponderam aos industrializados. Ademais, é possível identificar o caminho marcante da reprimarização da pauta exportadora em Goiás. Em 2001, os produtos básicos correspondiam a 71,5% das exportações, em 2008 chegou ao ápice de 85,2% e por fim, no ano de 2013 alcançaram o patamar de 76,3%. Por outro lado, os pro-dutos industrializados que fizeram parte da pauta exportadora goiana em 2001, 2008 e 2013 tiveram um decréscimo nos respec-tivos anos de 28,5%, 14,8% e 23,7%.

A especialização primária do comércio exterior verificada em Goiás, não exclui a compreensão de como o Estado, assim como o Brasil, aproveitaram do boom das commodities nos anos iniciais do século XXI. Isso, portanto, possui estreita ligação com o crescimento da economia chinesa e as demandas que o país asiá-tico criou ao consumo interno de commodities agrominerais. As cifras numéricas da pauta exportadora goiana, considerando dez dos principais mercados de destino segundo o volume a receita das exportações entre 1996, 2003 e 2010, desvelam o crescimento imperioso das participações da China e de outros países asiáticos como a Índia no comércio internacional goiano. (Tabela 2).

Tabela 2 - Principais Mercados de Destino Segundo Volume e Receita das Exportações, Goiás – 1996, 2003 e 2013.

País de Destino

Volume e Receita das Exportações

1996 2003 2010

Volume

(t) Receita

(US$) Volume

(t) Receita

(US$) Volume

(t) Receita

(US$)

China 9.417 2.375.077 213.201 50.201.206 1.682.503 707.159.217

Países Baixos (Holanda) 618.753 150.634.800 1.629.817 349.001.486 1.157.261 476.176.827

Índia 26.768 13.954.782 23.846 9.205.708 206.450 311.270.415

Espanha 9.011 5.239.996 170.854 44.928.354 227.059 286.685.113

Rússia 4.011 1.134.689 62.277 40.444.540 110.507 261.377.710

Reino Unido 29.421 33.388.557 85.385 30.480.565 198.665 205.213.965

Irã 2.373 722.468 32.702 13.421.309 177.441 188.076.528

Arábia

Saudita 10 20.420 14.018 11.036.194 124.965 102.857.407

Tailândia 19.781 7.101.596 54.944 11.773.551 247.080 99.029.964

Japão 35.084 19.017.930 195.262 53.745.944 92.254 97.905.950

Alemanha 5.558 19.762.409 340.300 103.600.545 100.472 85.838.722

Estados Unidos 1.542 33.099.986 7.533 95.032.124 38.652 65.301.223

Outros países 161.497 100.554.793 824.371 290.315.625 1.498.232 1.157.767.576 Total 923.226 387.007.494 3.654.510 1.103.187.151 5.861.541 4.044.660.617

Fonte: IBM (2014, p. 16). Org.: IBM (2014), adaptado por Gonçalves (2015).

Com ênfase apenas nas cifras apresentadas pelas relações comerciais entre Goiás e a China, a título de exemplo, no ano de 1996 esse país da Ásia aparecia na vigésima primeira posição em termos de receitas de exportação (US$ 2,3 milhões), e décimo pri-meiro quanto ao volume dos produtos exportados (9.417 tonela-das) (IBM, 2014). Em 2003, o volume dos produtos saltou para 213.201 toneladas, e em 2010 alcançou o dado de 1.682.503 to-neladas. Os valores dessas transações também conheceram novas grandezas, alcançando US$ 50,2 milhões no ano de 2003, e US$

707,1 milhões em 2010. (IBM, 2011).

A relação comercial com a China continuou crescendo após 2010. A título de exemplo, em 2013 o montante das ope-rações comerciais e do volume de produtos escoados do terri-tório goiano para China, conheceu números de dilatado

cres-cimento. Foram 3.106.110 toneladas de produtos exportados e uma receita de US$ 1,9 bilhão resultantes da pauta exportadora (IBM, 2014). Consequentemente, a China se transformou, nes-se período, no principal mercado estrangeiro das mercadorias produzidas em Goiás.

As constatações revelam a participação de Goiás no proces-so ampliado de reprimarização da pauta exportadora brasileira nos anos 2000, fomentada pelas políticas neodesenvolvimentis-tas e pela racionalidade neoextrativista no Brasil e demais países da América Latina. Enquanto exportador de produtos primários, assentado no tripé carne, grãos e minérios, Goiás ocupa uma po-sição subordinada na Divisão Internacional do Trabalho. A espe-cialização primária, além de representar relações que fazem de seu território um campo aberto para a atuação de empresas privadas nacionais e estrangeiras, significa que o controle e a apropriação da terra, da água e do subsolo – cuja expressão é o negócio da agro--hidro-mineração - se fazem necessários para continuar suprindo os mercados internacionais de commodities.

Portanto, o substrato concreto da operação orquestrada pelo capital e onde ele territorializa suas ações em Goiás é o Cerrado. Das planuras dos seus chapadões, nas Veredas e ambientes alagadiços, nas jazidas do subsolo, nos aquíferos e rios, são extraídas as fontes dos lucros privados derivados do comércio nacional e internacional de produtos primários. As populações tradicionais e os trabalhado-res que vivem nesse território também não ficam impunes, sobre elas pendem a exploração impiedosa da força física do trabalho e a devastação dos lugares comuns. Como afirma Porto-Gonçalves (2013, p. 80) “os melhores solos e mesmo o melhor subsolo são des-tinados aos de fora, que recebem o produto limpo, quase sempre à custa de rejeitos e devastação nos locais de produção”.

Considerações finais

Em resumo, buscamos desvelar como o negócio da agro-hi-dro-mineração concretiza estratégias de apropriação da terra, da água e do subsolo no Cerrado goiano. Esse modelo, que ganhou força política, econômica e ideológica nas últimas décadas, con-centra terras, produz desigualdades no espaço rural e urbano, pre-cariza a força de trabalho e usurpa os bens da natureza. Alimenta as cifras das exportações goianas e traduz a posição subordinada do Estado e do país na Divisão Internacional do Trabalho. É fonte de contradições e conflitos que fazem parte da questão agrária e da luta de classes em Goiás. Por fim, está presente na geopolítica e nas estratégias de usos do Cerrado.

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