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TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS COMO INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO DA

CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS ACERCA DE IDENTIDADE,

1.3 TEXTOS AUTOBIOGRÁFICOS COMO INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO DA

A autobiografia é um gênero que tem sua origem na Literatura, e pode ser chamada também de narrativa autobiográfica (ALBERTI, 1991). Possui, juntamente com a Literatura e os relatos de viagem, produções análogas desde a Antiguidade, porém, o “nascimento” da autobiografia se dá junto com o sujeito moderno a partir das Confissões de Rousseau (tendo sua primeira publicação em 1782), “texto no qual, pela primeira vez, o eu se fala na intimidade e se põe a nu, à disposição do julgamento dos leitores” (ALBERTI, 1991, p.73).

Alberti (1991) afirma que a autobiografia pode ser também chamada de “paradoxo da modernidade”, sendo o oposto da narração, que é tida como arcaica. O sujeito da autobiografia é tido então como individualista, não mais hierárquico, como era marcado no momento “arcaico”. O referido autor ainda nos leva a uma compreensão de que a narrativa e a autobiografia se distinguem especialmente por esta referenciar a realidade35,

e aquela produzir um mundo imaginário (ALBERTI, 1991, p. 74).

As autobiografias podem ser escritas com diversas finalidades, seja para a divulgação do trabalho de algum autor, promoção pessoal, publicação de uma obra, ou até mesmo pelo simples prazer de escrever, exercitando assim a reflexão com relação às vivências. No trecho a seguir, temos uma noção geral de quão interessante é a escrita do texto autobiográfico:

O gênero autobiografia é construído a partir de um sujeito que procura resgatar acontecimentos passados, presentes na memória, recuperando-os por meio da escrita. Esse resgate da história pessoal é um bom motivo para escrever se, assim, percebemos que os sujeitos da nossa pesquisa gostam de contar suas histórias de vida, de onde vieram, das saudades que têm, não se sentindo constrangidos (CARVALHO, 2011, p. 67).

É importante destacarmos que, no caso específico de nosso trabalho, os textos autobiográficos são utilizados como ferramenta/recurso para pesquisa cuja produção foi capaz de incitar professores de LI a uma reflexão sobre si e sua prática pedagógica, o que se difere da finalidade que geralmente uma autobiografia possui, como dos exemplos

35Não queremos aqui entrar em uma discussão filosófica sobre o que é real e o que é imaginário, mas compreendemos que as autobiografias também carregam elementos que pertencem ao mundo imaginário de seu autor, seja através dos fatos escolhidos para narrar a sua história, bem como suas interpretações.

citados anteriormente. Por isso, é possível afirmar que em nossa pesquisa os textos autobiográficos são utilizados como elemento metodológico, e não simplesmente um gênero textual e/ou literário.

Destacamos que em nossa pesquisa não utilizaremos o termo “autobiografia” para nos referirmos às produções escritas feitas pelos participantes da pesquisa, mas sim, “textos autobiográficos”. Compreendemos a autobiografia como um gênero literário (ALBERTI, 1991), que possui alguns elementos que o caracterizam (como a narração em ordem cronológica dos fatos acontecidos na vida do autor, a menção de membros da família, etc.) e, conforme será visto mais adiante no Capítulo II, os textos produzidos por nossos participantes da pesquisa se deram a partir de algumas questões norteadoras, o que cremos não ter contemplado algumas características importantes do gênero autobiografia.

É possível perceber nos textos escritos que compõe o corpus de análise a presença de descrição e relato de fatos vividos pelos autores do texto, bem como a predominância do uso da primeira pessoa do singular; contudo, sabemos que mais do que somente esses elementos constituem uma autobiografia. Por isso, no decorrer da pesquisa percebemos a inaquação do termo autobiografia, passando a utilizar o termo “textos autobiográficos”. Por mais que não trataremos os textos de nossos participantes da pesquisa como autobiografia, ainda assim os textos produzidos se aproximam deste gênero; portanto, vemos como pertinente o levantamento de alguns apontamentos sobre o gênero autobiografia, que se dará a seguir.

A autobiografia possui semelhanças com outros gêneros, como o romance pessoal, o diário íntimo, o auto-relato, as memórias e a biografia (ALBERTI, 1991). Por isso, para diferenciá-la de tais gêneros, cabe destacarmos algumas características particulares da autobiografia, levantadas por Carvalho (2011, p. 78):

- O contexto de produção da autobiografia é constituído pelas representações dos contextos físico e sociosubjetivo (quem escreve, para quem escreve, com que objetivo escreve etc.);

- A instância de produção da autobiografia, a esfera autobiográfica;

- Há identidade entre o autor, narrador e personagem (são a mesma pessoa); - O tema é a vida individual do autor;

- Predomina o uso da 1ª pessoa (eu, nós, nos);

- Predomina o tipo de discurso da ordem do narrar (relato interativo);

- A ordem cronológica vai do período mais distante, quase sempre da infância, para o período mais recente;

- Os tempos verbais predominantes são: pretérito perfeito e imperfeito; - Uso de organizadores temporais como: “dois meses depois”, “em 1970”; - Aparecem descrições de espaços, lugares etc.

A partir de tais características podemos afirmar que as produções textuais que utilizaremos como corpus de análise neste trabalho se aproximam do gênero textual autobiografia, especialmente por possuírem o discurso em primeira pessoa e o tema ser a vida do autor, contudo, há um domínio nos relatos de elementos relacionados às experiências profissionais e acadêmicas dos participantes da pesquisa.

Ao realizar uma busca no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando o termo “autobiografia” utilizado em pesquisas datadas dos últimos dez anos, obtivemos um total de mil duzentos e dezenove trabalhos encontrados, sendo destes oitocentos e vinte dissertações e trezendos e noventa e nove teses. O site da BDTD sugere alguns filtros, que dizem respeito às instituições que publicaram os trabalhos, os programas, autor e orientador, e assuntos. No quadro a seguir, apresentamos dados referentes às instituições, programas e assuntos mais recorrentes em pesquisas que possuem relação com o tema “autobiografia”:

Quadro 4 – Síntese da busca realizada no site da BDTD

Instituição Programa Assunto

USP (99)36 Programa de Pós-Graduação em Educação (79) Autobiografia (179) UNESP (81) Programa de Pós-Graduação em Letras (70) Memória (80)

UFBA (73) Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários (21)

Educação (50)

UFMG (67) Educação (18) Identidade (37)

UFRGS (67) Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária (17)

Formação de professores (32)

UFRN (64) Programa de Pós-graduação em Educação (14) Gênero (23) Fonte: Site da BDTD.

Optamos por averiguar os trinta e dois trabalhos que possuem como assunto a formação de professores37, pois cremos que possuem maior proximinade com nossa

pesquisa devido à temática abordada. Desses trinta e dois trabalhos, em cinco há o termo “autobiografia” no título, por isso apresentaremos tais pesquisas de maneira mais específica:

36O número em parênteses ao lado dos termos significa quantas recorrências há.

37No site da BDTD, navegamos também no campo que dizia respeito à “identidade”, e pudemos constatar que a grande maioria dos trabalhos são na área da Literatura.

Quadro 5 – Pesquisas na Área de Formação de Professores que Possuem o Termo

“Autobiografia” no Título Dissertação

ou Tese Título Autor Orientador Instituição Ano

Tese As idéias educacionais sob o efeito de moda: um estudo sobre a circulação de abordagens autobiográficas na formação de professores

Luiz Artur dos Santos Cestari

Flávio Henrique Albert Brayner

UFPE 2009

Tese Narrativas poéticas

autobiográficas = (auto) conhecimento na formação de educadores Simone Cristiane Silveira Cintra Silva Ana Angélica Medeiros Albano Unicamp 2010 Dissertação As concepções de alfabetização e letramento de duas alfabetizadoras que atuam em escolas do campo no município de Palmeira das Missões - RS: uma reconstrução dos percursos formativos através de relatos autobiográficos Denise Valduga

Batalha Helenise Sangoi Antunes UFSM 2011

Tese Narrativas autobiográficas de professores- formadores na educação de jovens e adultos: lugares reinventados em comunhão Adriana Alves Fernandes Vicentini Ana Maria Falcão de Aragão Unicamp 2012

Dissertação O Escudo de Perseu a

refletir a imagem de Medusa: o processo formativo autopoiético em narrativas autobiográficas de estudantes de Pedagogia

Lucas Visentini Adriana Moreira

da Rocha Veiga UFSM 2014

Fonte: Site da BDTD.

Os quadros expostos anteriormente demonstram que há um grande número de pesquisas que envolve o gênero autobiográfico, e em diferentes áres temáticas. Na Literatura, por exemplo, os pesquisadores se debruçam em estudar as autobiografias de

autores consagrados, ou cuja história de vida possua elementos que mobilizem alguma discussão. Já no campo da Educação, alguns trabalhos vistos no site da BDTD dizem respeito à textos autobiográficos por parte de alunos, professores, professores em formação, e formadores de professores.

Há uma variação nos termos utilizados nas pesquisas, pois ora encontramos a palavra “autobiografia”, ora “textos autobiográficos”, alguns pesquisadores optam pelo termo “relatos autobiográficos” ou “narrativas autobiográficas”, entre outros. Entretanto, compreendemos que todos os termos englobam o mesmo sentido: um texto que possui como tema central a vida de alguém.

Por fim, gostaríamos de destacar a importância desse gênero como instrumento de geração de dados, tendo em vista que há métodos/ferramentas mais consolidados na área acadêmica, como as autoconfrontações, os questionários e entrevistas, etc. Compreendemos que como recurso gerador de dados, a escrita autobiográfica não beneficia somente os pesquisadores, mas especialmente os participantes de pesquisa/autores, pois a escrita de si gera uma reflexão a cerca de toda uma trajetória já vivida, bem como o trajeto que ainda está por vir.