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PARTE II MATO GROSSO NO CONTEXTO DO PATRIMÔNIO

CAPÍTULO 4 – O CENTRO HISTÓRICO: LINHA DO TEMPO E AS

4.4 O TOMBAMENTO II: MUNICIPAL

Sobre esse tombamento não encontrei explicações muito coerentes, tampouco documentos que comprovem, de fato, que tenha sido realizado pelo município. No entanto, as leituras realizadas até esse momento, e relatos de pessoas que, direta ou indiretamente acompanharam os processos de tombamento na cidade, favorecem a compreensão de que a incerteza quanto à validade do tombamento provisório de 1991, e a possibilidade dele ser expirado, que, dentre outros motivos, contribuíram para o município promover o tombamento. Como já descrito anteriormente, mesmo diante da justificativa do órgão estadual sobre a validade do tombamento, não havia no município mais segurança para a exigência aos proprietários da preservação dos imóveis inventariados, no centro historico.

Um exemplo disso, na ocasião, foi a “demolição clandestina”, ou seja, “não autorizada” da Casa Humberto Dulce, ocorrida no ano de 1993. Foi um caso polêmico que resultou em processo judicial ao proprietário. A situação da Casa Humberto Dulce mobilizou, na época, agentes públicos municipal, estadual e sobretudo federal, com a justificativa de que o imóvel, além dos valores históricos que possuía, fazia parte do inventário cadastral da cidade, e estava no perímetro tombado provisoriamente pelo estado (IPHAN - Processo nº 1542-T-07, 2007, fl. 114)88. Na ocasião o IPHAN, que já estava mobilizado e presente no município em Função de já ter realizado o tombamento do Marco do Jauru e de já possuir uma solicitação de tombamento do conjunto arquitetônico no centro histórico, encaminhou um alerta sobre a demolição do monumento. No documento dizia; “a questão nos parece clara. Configura, a nosso entender, crime contra o Patrimônio Cultural matogrossense”. O imóvel chamava atenção pelos valores históricos a ele atribuídos e por sua localização na área de entorno do primeiro e único monumento histórico tombado pelo patrimônio nacional até aquele momento, o Marco do Jauru. Desta forma, o tombamento do município veio sob a justificativa, dentre outras, de ser

88 MIGLIACIO, Maria C. Ofício 001/94 de 05.01.94. 18º SR. IBPC. In. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico

e Artístico Nacional. Processo nº 1542-T-07 – Bem Cultural: Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Cidade de Cáceres/MT. Controle de Processos e Documentos – CPROD, nº 01450.003851/2007-53. Rio de Janeiro: IPHAN, 2010, fl. 114.

uma tentativa de impedir a perda total dos monumentos inventariados (IPHAN - Processo nº 1542-T-07, 2007, fl. 114).

Por outro lado, havia também um descontentamento por parte dos agentes públicos que atuavam na fundação cultural de Cáceres, que, em certa medida, discordavam do tombamento de apenas 41 imóveis. Motivo pelo qual buscaram uma parceria com a UNEMAT para o desenvolvimento de um estudo, com a finalidade de identificar mais monumentos que pudessem compor o tombamento realizado pelo Município (ARRUDA, 2014). Sobre esta questão, Arruda (2014, p. 103) explica que havia críticas ao tombamento estadual de 1991, vindas dos membros da CEPT – Comissão Especial de Preservação e Tombamento, vinculada à Fundação Cultural de Cáceres, que “consideravam a proteção legal de apenas 41 imóveis pelo governo estadual insuficiente” e entendiam que havia “a necessidade de acautelar outros bens”, para isso precisavam ampliar a lista de monumentos. Diante disso, a fundação cultural de Cáceres, através da CPET, que tinha autonomia para propor o tombamento, buscou identificar novos monumentos:

recorreram a um convênio com a UNEMAT que, através de professores do curso de História, complementaram o inventário cadastral e incorporaram mais sete imóveis, orientados por critérios arquitetônicos estético-estilísticos, que foram tombados em 1996 pelo município, junto com os 41 já tombados pelo estado, totalizando 48 bens protegidos [...].

Nesse período, ao todo, ficaram protegidos na cidade de Cáceres os imóveis tombados isoladamente, tanto pelo governo estadual quanto pelo municipal, dentro do perímetro inventariado, além da área próxima à Catedral e do Marco do Jauru, tombada como conjunto urbano, em 1991, pelo governo estadual. Esses tombamentos serão ampliados em 2002, pelo tombamento estadual e em 2010, pelo tombamento federal, [...]. (ARRUDA, 2014, p. 103).

A partir desse momento o município assumiu o compromisso de preservação de 48 imóveis, realizando o tombamento municipal. Um dado que cabe registrar sobre esse tombamento é que, após incansáveis buscas, não foram encontrados documentos e ato do executivo que comprovem a sua efetivação. Os documentos, que pertenciam à fundação cultural de Cáceres, que poderiam subsidiar a narrativa sobre este tombamento, não foram disponibilizados. Alguns agentes públicos da época, os quais consegui entrevistar, que poderiam ter sob sua guarda estes documentos, por razões diversas não os disponibilizaram. Por outro lado, em diálogo com um desses servidores, que atuou na pasta do patrimônio histórico, estes asseguraram que “muitos documentos incluindo o livro do tombo foram extraviados”.

Ocorre que o tombamento no âmbito do Município deve ocorrer por meio de um ato administrativo, conforme previsto em Lei e Decreto Municipal:

Lei nº 891/1982, que diz no Artigo 2º:

Parágrafo Único: os bens e os locais a que se refere este artigo, que devam ser conservados pela municipalidade, no interesse público, serão definidos em

decreto pelo Prefeito Municipal, com base em parecer da comissão especial,

para tal fim constituída, notificando se os proprietários respectivos, para os efeitos de direito. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CÁCERES, 1982). E no Decreto nº 185/1994, no artigo 6º:

O processo será encaminhado à Comissão Especial de Preservação e Tombamento (CEPT), que, após estudo técnico, emitirá parecer sobre o ato de tombamento proposto. O proprietário do bem cultural considerado de relevância para tombamento pela Comissão Especial de Tombamento, deve então ser notificado no prazo de 15 (quinze) dias, se o proprietário não apresentar impugnação o processo será encaminhado ao Prefeito Municipal para a homologação do tombamento. No caso do proprietário apresentar impugnação, serão analisados pela Comissão Especial de Preservação e Tombamento-CEPT suas justificativas, e no prazo de outros 15 (quinze) dias encaminhará ao executivo, com parecer conclusivo, recomendando ou não o tombamento que será homologado por Decreto Municipal. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CÁCERES, 1994).

Com a Lei e o Decreto em vigor no município e em conformidade com o Decreto Lei nº 025/1937 torna-se necessário o ato administrativo que homologa o tombamento, neste caso um decreto. É possível também que o tombamento ocorra por ato do legislativo, mas, evidentemente, não foi esse o caso do tombamento municipal em Cáceres. O ato no legislativo, quando ocorre, neste caso, prevalece a prerrogativa dos legisladores de não necessitar justificar o seu voto a favor ou contra o tombamento; por decisões políticas não têm necessidade de justificativas técnicas, ao ponto que, no ato administrativo, a justificativa é obrigatória, e a atribuição do valor cultural do bem “fundamentará esta decisão da administração pública” (RABELLO, 2015, p. 8).

Segundo Rabello, pelo fato da Lei Nacional nº 25/1937 “estabelecer que o tombamento seja feito mediante um procedimento administrativo, é plausível se inferir que seja por ato administrativo. Não é incomum, contudo, que nas esferas estadual e municipal sejam aprovados ‘tombamentos’ por ato legislativo, por lei” (RABELLO, 2015, p. 6). Ainda segundo Rabello, a “instrução do procedimento de tombamento” deverá ser “encaminhada a um Conselho, formado no âmbito da Administração, que deliberará sobre o objeto, sobre suficiência da motivação, sua pertinência com a política geral, enfim, decidindo sobre o tombamento” (RABELLO, 2015, p.

9). Em Cáceres, essas condições foram dadas pelo Decreto nº 185/1994, que estabeleceu as diretrizes e as instruções do procedimento, além de criar a Comissão Especial de Preservação e tombamento, “órgão deliberativo de consultoria técnica e assessoramento nos processos de tombamento e manifestações culturais [...]” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CÁCERES, 1994).

Diante do exposto, convém ressaltar que, embora não tenha a comprovação de que, de fato, esse tombamento foi realizado, ele continua orientado ações pontuais e em especial a isenção do IPTU. Contudo, no caso do IPTU nem todos os imóveis tombados pelo município são isentos. Dos 48 imóveis tombados, são isentos apenas aqueles que buscam a isenção todos os anos por meio da comprovação da averbação em cartório e mediante comprovação da preservação do imóvel, ou seja, embora a isenção do IPTU esteja prevista no Decreto municipal nº 185/1994, Cap. IV – Dos Atos do Tombamento, Artigo 13, o tombamento em si não é condição automática para a isenção do IPTU de todos os imóveis.