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TORTUR A COMO CRIME NO ORDENAMENTO JURÍD ICO BRA SILEI RO

No documento Tortura: de método a crime (páginas 167-183)

Ainda que o Processo Penal moder no se veja avesso a utilização dos tormentos para a investigação criminal, através de todas garantias que se apresentou, o ápice da reprovação social ao instituto é sua tipificação enquanto crime.

Assim, resta por derradeiro, abordar a questão, para demon strar essa etapa final de afastamento da tortura em decorrência do pensamento humanista. Cabe, para tanto, descrever o processo histórico de tipificação a tortura, tomando por base o ordenamento jurídico brasileiro e o desenvolvimento histórico de suas lei s nesse sentido, separando -se a análise entre a legislação anterior e posterior à Constituição Federal de 1988.

5.1 O tratament o legal da t ortur a criminaliz ada, anterior mente à

Constituição Fe deral de 1988

Ao que se percebe, a criminalização da tortura foi um processo histórico paulatino, que parte da proibição de seus métodos característicos e vai até a enquadramento típico das condutas relativas à eles. Fa z parte da construção de cada ordenamento jurídico, a assunção (ou não) desse processo, que progr ide de acordo com a absorção dos fundamentos humanistas pelo Estado.

Note -se, por exemplo (repisando o que já se apresentou), que a Prussia do Imperador Frederico II foi a primeira nação a proibir, em 1740, a

utilização da tortura enquanto método, talvez em razão da proximidade pessoal entre o imperador e o filósofo francês François Marie Arou et , vulgo Voltaire365.

No Brasil essa medida só veio a ser tomada em 1821, mediante do Decreto de 23 de maio, o Príncipe Regente, Dom Pedro I, que dispunha o seguinte :

"Em caso nenhum possa alguém ser lançado em segredo ou masmorra estreita, escura, ou infeta, pois que a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca adoecer e flagelar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de corrente, de algemas, grilhões e outros quaisquer feros inventados para martirizar homens ainda não julgados a sofrer qualquer pena aflitiva por sentença final"366.

Até então, vi giam no Brasil as Ordenações Filipinas. Esse diploma previa a utilização da tortura de maneira ampla n o Título CXXXIII do Li vro V, intitulado "Dos Tormentos "367.

Note -se que, entre à proibição do método na Prússia e no Brasil, existe um lapso de 81 anos. Isso demonstra a dificuldade dos direitos humanos em penetrarem no ordenamento jurídico brasileiro368.

Apó s o decreto de 21, a Constituição Imperial de 1824 dispôs claramente no art. 179, XIX, que desde então ficavam "abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis"369.

Embora ainda não se tratasse da tipificação de um crim e, já restava clara a indisposição do Ordenamento pátrio, contra a utilização do método370.

365

FE R R I , E nr ic o . P r inc íp io s d e D ir e it o C r imin a l - O C r imino so e o C r ime . ( C a mp in a s : 2 0 0 3 , R u sse l l) . p . 3 7 . 366 B R AS I L. D e c r e t o d e 2 3 d e ma io d e 1 8 2 1 . D isp o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / C C I V I L_ 0 3 / d e c r e t o / H ist o r ic o s/ D I M/ D I M - 2 3 - 5 - 1 8 2 1 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 . 367 E S P AN H A. O r d e na ç õ e s e le is d o r e ino d e P o rt u g a l r e c o p ila d a s p o r ma nd a t o d 'e l R e i D. F i lip e , o P r ime ir o . D isp o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w 1 . c i. u c . p t / iht i/ p r o j/ fi l ip in a s/ > . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3. 368 G O U L A R T , V a lé r ia D ie z S c a r a nc e Fe r na nd e s. T o rt ur a e p r o va no p r o c e sso p e na l . ( São P a u lo : 2 0 0 2 , At la s) , p . 3 9 . 369 B R AS I L. C o nst it u iç ã o Po lít ic a d o I mp é r io d o B r a z il. D is p o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / c o nst it u ic a o / c o nst it u i% C 3 % A7 a o 2 4 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 .

Mas como não se dispunha de uma norma tipificadora da conduta, a sujeição de indivíduos ao suplício seria passível de punição através dos outros tipos, como a lesão corporal. O fim especial de torturar era uma agravante genérica, tanto no Código Penal de 1830 (lei de 16 de dezembro)371, quanto naquele de 1890 (decreto nº. 847 de 11 de outubro)372.

Esse foi o tratamento jurídico à tortura até Código Penal de 1940. Nele, a tortura é mencionada em dois pontos. Primeiramente como agra vante genérica do art. 61, II, "d ", da Parte Geral373, repetindo o antigo tratamento conferido pelos códigos anteriores. Depois, como qualificadora do crime de homicídio (art. 121, §2º, III) na Pa r te Especial374.

Em 1965, a Lei N.º 4.898/65 c onsiderou abuso de autoridade, as condutas de atentado à incolumidade física, e sujeição à constrangimento ilegal, que são características da sujeição do indivíduo à tortura:

"Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: i) à incolumidade física do indivíduo;

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei"375.

370

E nã o fo i p o r me no s q u e o p r ime ir o C ó d ig o d e P r o c e sso P e na l br a s i le ir o , e m 1 8 3 2, d e t e r mino u no a rt . 9 4, q u e " a c o nfis sã o d o r éo e m Ju iz o c o mp e t e nt e , se n d o livr e , c o inc id in d o c o m a s c ir c u mst a nc ia s d o fa c t o , p ro va o d e lic t o ; ma s, no c a so d e mo r t e , só p ó d e su je it a - lo á p e na i m me d ia t a , q u a n d o nã o ha ja o u t r a p ro va " . ( B R AS I L. Le i d e 2 9 d e no ve mb r o d e 1 8 3 2 . D isp o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w . p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / Le is/ LI M/ LI M - 2 9 - 1 1 - 1 8 3 2 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 20 1 3 ) . 371 Ar t . 1 7 , 2º : Q u a nd o a dô r p h ys ic a fô r a u g me nt a d a ma is q u e o o r d ina r io p o r a lg u ma c ir c u mst a n c ia e xt r ao r d ina r ia . ( B R AS I L. Le i d e 1 6 d e d e z e mb r o d e 1 8 3 0 . D is p o n íve l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / le is/ l i m/ l im - 1 6 - 1 2 - 1 8 3 0 . ht m> . Ac e s so e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 ) . 372

Ar t . 3 9 : § 1 6. T e r sid o c o mme t t id o o c r ime e st a nd o o o ffe nd id o so b a su a im me d ia t a p r o t e c ç ão d a a ut o r id a d e p u b l ic a . ( B R A S I L. D e c r e t o nº . 8 4 7 , d e 1 1 d e o ut u br o d e 1 8 9 0 . D isp o n ív e l e m: < ht t p : // le g is. se na d o . g o v. br / le g is la c a o / L ist a P u b lic a c o e s. a c t io n ? id = 6 6 0 4 9 > . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 . ). 373 Ar t . 6 1 - S ã o c ir c u n st â nc ia s q u e s e m p r e a g r a va m a p e n a , q u a nd o nã o c o nst it u e m o u q u a li f ic a m o c r ime : [ . . . ] I I - t e r o a ge nt e c o me t id o o c r ime : [ . . .] d ) c o m e mp r e g o d e ve ne no , fo g o , e xp lo s ivo , t o rt ur a o u o ut ro me io in s id io so o u c r u e l, o u d e q u e p o dia r e su lt a r p e r ig o c o mu m. ( B R AS I L. D e c r e t o le i nº . 2 . 8 4 8 , d e 7 d e d e z e mbr o d e 1 9 4 0 . D isp o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v . br / c c iv i l_ 0 3 / d e c r e t o - le i/ d e l2 8 4 8 c o mp i la d o . ht m> . A c e s so e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 . ). 374 Ar t . 1 2 1 : [ . . .] , § 2 ° S e o ho mic íd io é c o me t id o : I I I - c o m e mp r e g o d e ve n e n o , fo go , e xp lo s ivo , a s fix ia , t o rt ur a o u o ut ro me io in s id io so o u c r u e l, o u d e q u e po ssa r e su lt a r p e r ig o co mu m ( B R AS I L, O p . c it . ) .

375

BRASIL. Lei nº. 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4898.htm>. Acesso em: 29 Dez. 2013.

Quatro anos depois, em 1969, o legislador b rasileiro replicou, no Código Penal Militar (Decreto lei 1.001/69), as dispo sições do Código Penal de 1940. Assim, o diploma dispõe no art. 70, II, "e ", a tortura como uma agravante genérica, e no art. 205, §2, III, como qualificadora do homicídio cometido por militar376.

Cabe aqui um apontamento importante. Nesse período imediatamente anterior à Constituição de 1988, o Brasil passava pela ditadura militar iniciada em 1964. Embora o tratamento legislativo conferido a tortura fosse o apresentado acima e sua u tilização como método continuasse a ser ilegal, foram constantes as notícias aplicação de tormentos pelas autoridades militares contra os presos políticos377.

O modelo ditatorial imposto, implicava no cerceamento de algumas das garantias apresentadas no cap ítulo anterior. Note -se, por exemplo, que o Ato Institucional nº. 5, trouxe a censura absoluta de modo a minguar a publicidade, mesmo dos atos judiciais; a suspensão do habeas corpus e a possibilidade de se legitimar prisões pela preservação da "Revolução" , tornou a liberdade individual novamente uma exceção para o procedimento persecutório.378.

Perceba -se ainda, a permissão de suspensão de direitos e garantias individuais em prol da segurança pública (art. 5º daquele Ato In stitucional). O sistema jurídico, a partir das premissas trazidas pela ditadura militar, abria flanco para a justificação do uso da tortura379, e assim, se constituía de maneira semelhante àquele sistema imposto pela Inquisição Católica no século XIII. Neste, no lugar da expressão "para pre servar a Revolução", 376 B R AS I L. D e c r e t o le i nº . 1 . 0 0 1, d e 2 1 d e o ut u br o d e 1 9 6 9 . D isp o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / d e c r e t o - le i/ d e l1 0 0 1 . ht m> . Ac e s so e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 . 377 S O A R E S , I nê s V ir g ín ia P r a d o ; KI S H I , S a nd r a Ak e m i S h i ma d a . Me mó r ia e V e r d a d e - A Ju st iç a d e T r a ns iç ã o no E st a do D e mo c r á t ic o B r a s i le ir o . ( B e lo H o r iz o nt e : 2 0 0 9 , E d it o r a Fó r u m) . p . 1 2 7 . 378 B R AS I L. At o I nst it u c io n a l nº . 5 , de 1 3 d e d e z e mb r o d e 1 9 6 8 . D isp o n í ve l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / A I T / a it - 0 5 - 6 8 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 20 1 3 . 379 G O U L A R T , V a lé r ia D ie z S c a r a nc e Fe r na nd e s. T o rt ur a e p r o va no p r o c e sso p e na l . ( São P a u lo : 2 0 0 2 , At la s) , p . 4 0 .

utilizada como justificativa no citado Ato nº. 5, afirmava -se "para preservar a Fé Católica".

Is so ser ve a demonstrar o valor das garantias jurídicas de um processo penal avesso ao modelo inquisitorial, apresentadas no capítulo 4, o nde há plena utilização da tortura. Sem elas, não obstante o método ser considerado ilegal, o sistema torna -se propenso a permiti -lo.

Is so porque, na ausência de tais garantias, extinguem -se os instrumentos normativos que permitem à opinião pública, cert ificar-se da não utilização dos suplícios, pelo Estado.

5.2 O tratament o legal da t ortura a partir da C on stituição de 1988 e a

tipificação deste crime

Não obstante a ditadura ter sustado as garantias que protegiam o sistema jurídico da admissão da tor tura, o pensamento humanista não abandonou a mentalidade do cidadão moderno. Dessa feita, o processo de redemocratização do Brasil que se observou a partir de 1988, foi re vestido de um clamor pelo (re)estabelecimento de garantias individuais. Principalment e aquelas relativas à integridade física e aos direitos individuais, tão amplamente violentados durante da ditadura380.

Não é por menos, que a Carta Magna de 88 foi a primeira a reafirmar a proibição do uso da tortura, desde a Constituição Imperial de 1824. Nas

380

S O A R E S , I nê s V ir g ín ia P r a d o ; KI S H I , S a nd r a Ak e m i S h i ma d a . Me mó r ia e V e r d a d e - A Ju st iç a d e T r a ns iç ã o no E st a do D e mo c r á t ic o B r a s i le ir o . ( B e lo H o r iz o nt e : 2 0 0 9 , E d it o r a Fó r u m) . p . 7 9 .

constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, não houve menção explícita ao instituto381.

É possível afirmar que a preocupação do legislador de 88 em tratar da matéria no texto constitucional seja um reflexo do período ditatorial que vi gia no Brasil entre 1964 e 1989. As denúncias de utilização da tortura pelas autoridades militares contra os presos políticos, justificam o tratamento da matéria pelo texto constitucional. Pretendeu -se afirmar na norma superior, as garantias tão amplamente violadas no s anos anteriores382.

Assim é que carta constitucional afirma expressamente em seu art. 5º, III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante ". Além disso, o inciso X LIX presti gia a dignidade humana ao assegurar "aos presos o respei to à integridade física e moral".

Ademais, a reprovação do legislador constitucional à utilização da tortura, manifesta -se na disposição em torná -la um crime hediondo, insuscetível de graça e anistia (inciso X LIII do mesmo art. 5ª )383.

A re gulam entação legal dos crimes hediondos, dos quais a Constituição de 88 fez a tortura ser gênero, ocorreu através da Lei 8.072/90. Nela, além da impossibilidade de concessão de graça e anistia, já afirmada pelo texto constitucional, restou inconcebível o indult o, bem como a progressão de regime:

"Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto; II - fiança e liberdade provisória.

381 C o n fo r me d isp o n ív e l e m: , ht t p : / / w w w 4. p la n a lt o . g o v. br / le g is la c a o / le g is la c a o - h ist o r ic a / c o n st it u ic o e s - a nt e r io r e s - 1 > . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 . 382 S O A R E S , I nê s V ir g ín ia P r a d o ; KI S H I , S a nd r a Ak e m i S h i ma d a . Me mó r ia e V e r d a d e - A Ju st iç a d e T r a ns iç ã o no E st a do D e mo c r á t ic o B r a s i le ir o . ( B e lo H o r iz o nt e : 2 0 0 9 , E d it o r a Fó r u m) . p . 7 6 383

X LI I I - a le i c o ns id e r a r á c r ime s in a f i a nç á ve is e in su sc e t íve is d e g r a ç a o u a n ist ia a p r á t ic a d a t o rt u r a , o t r á fic o il íc it o d e e nt o r p e c e nt e s e d r o g a s a fin s, o t e rro ris mo e o s d e fin id o s c o mo c r ime s he d io nd o s, p o r ele s r e sp o nd e nd o o s ma nd a nt e s, o s e xe c u t o r e s e o s q u e , p o d e nd o e v it á - lo s, se o mit ir e m. ( B R AS I L. C o nst it u iç ã o d a R e p ú b l ic a Fe d e r a t iva d o

B r a s il d e 1 9 8 8 . D isp o n ív e l e m:

< ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / c o nst it u ic a o / c o nst it u ic a o . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 ) .

§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade"384.

A determinação do legislador em ordinário em exceder a disposição constitucional e proibir a concessão de indulto e progressão de regime, permitiu questionar a constitucionalidade do diploma normativo385. Tais questões foram resolvidas pela Lei 9.455/97 em relação à tortura. Quanto aos demais crimes hediondos, as previsões do inciso II do caput , e p arágrafos 1º, 2º e 3º, foram alterados pela lei 11.464/2007386.

Posteriormente, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei 8.069) trouxe os seguintes dispositivos legais :

"Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura:

Pena - reclusão de um a cinco anos. § 1º Se resultar lesão corporal grave: Pena - reclusão de dois a oito anos. § 2º Se resultar lesão corporal gravíssima: Pena - reclusão de quatro a doze anos. § 3º Se resultar morte:

Pena - reclusão de quinze a trinta anos"387.

384 B R AS I L. Le i nº . 8 . 0 7 2 , d e 2 5 d e ju lho d e 1 9 9 0 . D is p o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / le is/ l8 0 7 2 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3. 385 T EI X E I R A, F lá v ia C a me l lo . D a To rt ur a . ( B e lo Ho r iz o nt e : 2 0 0 4 , D e l R e y) , p . 8 6. 386

É a se g u int e a r e d a ç ã o at u a l d e ss e s d isp o s it ivo s d o art . 2º d a Le i 8 . 0 7 2 / 90: I I - fia nç a .

§ 1 o A p e na p o r c r ime p r e v ist o ne s t e a rt ig o se r á c u mp r id a in ic ia l me nt e e m r e g i me fe c ha d o . ( R e d a ç ã o d a d a p e la Le i nº 1 1 . 4 6 4 , d e 2 0 0 7)

§ 2 o A p ro g r e ssã o d e r e g ime , no c a so d o s co nd e na d o s a o s c r ime s p r e v ist o s ne st e a rt ig o , d a r - s e - á a p ó s o c u mp r ime nt o d e 2 / 5 ( d o is q u int o s) d a p e na , s e o a p e na d o fo r p r imá r io , e d e 3 / 5 (t r ê s q u int o s) , se r e inc id e nt e . ( R e d a ç ã o d a d a p e la Le i nº 1 1 . 4 6 4 , d e 2 0 0 7 )

§ 3 o E m c a so d e se nt e nç a c o nd e na t ó r ia , o ju iz d e c id ir á fu nd a me nt a d a me nt e se o r é u p o d e r á a p e la r e m l ib e r d a d e . ( R e d a ç ã o d ad a p e la Le i nº 1 1 . 4 6 4 , d e 2 0 0 7)

§ 4 o A p r is ã o t e mp o r á r ia , so br e a q u a l d isp õ e a L e i no 7 . 9 6 0 , d e 2 1 d e d e z e mbr o d e 1 9 8 9, no s c r ime s p r e v ist o s ne st e a r t ig o , t e r á o pr a z o d e 3 0 (t r int a ) d ia s, p ro r ro g á ve l p o r ig u a l p e r ío d o e m c a so d e e xt r e ma e c o mp r o v a d a ne c e ss id a d e . ( I nc lu íd o p e la Le i nº 1 1 . 4 6 4 , d e 2 0 0 7 ) .

387

B R AS I L. Le i nº . 8 . 0 6 9 , d e 1 3 d e ju lho d e 1 9 9 0 . D is p o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / le is/ l8 0 6 9 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3.

Essa disposição legal deu margem à dúvidas quanto à intenção do legislador. Não estava claro se a previsão "continha ou não uma suficiente descrição da tortura capaz de afirmá -la como conduta realmente tipificada quando os sujeitos passivos fossem menores de dezoito anos"388.

Seja como for, reputa -se que a tortura tenha sido definitivamente tipificada através da Lei 9.455 de abril de 1997.

O antecedente histórico desta lei, já mencionado na introdução da presente pesquisa, é especialmente interessante. Em novembro de 1995, a Revista Veja noticiou a ocorrência de casos de tortura em São Paulo, Belo Hori zonte, Fortaleza, Pernambuco, Distrito Federal, Porto Ale gre e Rio de J aneiro. Apresenta o relato de diversos indivíduos que, considerados suspeitos pelas polícias civil ou militar, foram submetidos a tratamento desumano e violentas agressões contra a integridade física389.

Depois, em 1997, a mídia brasileira veiculou novos e cruéis abusos de policiais militares, na favela Naval, em São Paulo. A população brasileira escandalizou -se com a ampla utilização da tortura pelas autoridades policiais390.

Esses episódios mobilizaram a opinião pública e pressionaram o poder Le gislativo acelerar a tramitação da lei que tipificava o crime de t ortura391.

A Lei 9.455/97 resultou do Projeto de Lei n.º 4716392, apresentado pela Presidência da República em 22 de dezembro de 1994. Após ser votado e aprovado às pressas, foi sancionado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 07 de abril de 1997 , e publicado no Diário Oficial logo no outro dia, com a seguinte redação:

388 T EI X E I R A, F lá v i a C a me l lo . D a To rt ur a . ( B e lo Ho r iz o nt e : 2 0 0 4 , D e l R e y) , p . 9 2. 389 LE I T E, P a u lo Mo r e ir a . O p o d e r d a p a u la d a e d o c ho q u e . V e ja , S ã o P a u lo , E d it o ra A br i l, a no 2 8 , n. º 4 4 , 1 No v. 1 9 9 5, p. 2 8 - 3 5 . 390 G O U L A R T , V a lé r ia D ie z S c a r a nc e Fe r na nd e s. T o rt ur a e p r o va no p r o c e sso p e na l . ( São P a u lo : 2 0 0 2 , At la s) , p . 8 4 . 391 T EI X E I R A, F lá v ia C a me l lo . D a To rt ur a . ( B e lo Ho r iz o nt e : 2 0 0 4 , D e l R e y) , p . 9 7. 392 D a d o s d isp o n ív e is e m:

< ht t p : / / w w w. c a ma r a . g o v. br / p r o po sic o e sWe b/ f ic ha d e t r a mit a c a o ? id P r o p o sic a o = 2 2 3 7 7 7 > . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3 .

" Ar t . 1 º Co nst it u i c r i me d e t o rt u r a :

I - c o nst r a ng e r a lg u é m c o m e mp r e g o d e v io lê nc ia o u g r a ve a me a ç a , c a u sa nd o - lhe so fr i me nt o fís ic o o u me nt a l:

a ) c o m o fi m d e o bt e r in fo r ma ç ã o , d e c la r a ç ã o o u co n fis sã o d a v ít i ma o u d e t e r c e ir a p e s so a ;

b) p a r a p ro vo c a r a ç ão o u o mis sã o d e na t u r e z a c r im ino sa ; c ) e m r a z ã o d e d isc r im in a ç ã o r a c ia l o u re lig io s a ; I I - su b me t e r a lg u é m, so b su a g u a r d a , p o d e r o u a ut o r id a d e , c o m e mp r e g o d e v io lê nc ia o u g r a ve a me a ç a , a int e n so so fr ime nt o fís ic o o u me nt a l, c o mo fo r ma d e a p lic a r c a s t ig o p e sso a l o u me d id a d e c a r á t e r p r e ve nt ivo . P e na - r e c lu sã o , d e do is a o it o a no s. § 1 º N a me s ma p e n a in c o r r e q u e m su b me t e p e sso a p r e sa o u su je it a a me d id a d e se g u r a nç a a so fr i me nt o fís i c o o u me nt a l, p o r int e r mé d io d a p r á t ic a d e a t o nã o p r e v ist o e m le i o u nã o r e su lt a nt e d e me d id a le g a l. § 2 º Aq u e le q u e se o mit e e m fa c e d e ssa s c o nd u t a s, q u a nd o t in ha o d e ve r d e e v it á - la s o u a p u r á - la s, in c o r r e na p e na d e d e t e nç ã o d e u m a q u a t ro a no s. § 3 º S e r e su lt a le sã o c o r po r a l d e n a t u re z a g r a ve o u g r a v ís s i ma , a p e na é d e r e c lu sã o d e q u a t ro a d e z a no s ; se r e su lt a mo r t e , a r e c lu s ã o é d e o it o a d e z e sse is a no s. § 4 º Au me nt a - se a p e na d e u m se xt o at é u m t e r ço : I - se o c r ime é c o me t id o p o r a g e nt e p ú bl ic o ;

I I – se o crime é co metido contra criança, gestante, portador de d e fic iê nc ia , a d o le sc e nt e o u ma io r d e 6 0 ( se sse nt a ) a no s;

I I I - se o c r ime é c o me t id o me d ia nt e se q ü e st ro .

§ 5 º A c o nd e na ç ã o a c a r r e t a r á a p e r d a d o c a r go , fu nç ã o o u e mp r e g o p ú b l ic o e a int e r d iç ã o p a r a se u e xe r c íc io p e lo d o br o do p r a zo d a p e na a p l ic a d a .

§ 6 º O c r ime d e t o rt u r a é ina f ia nç á ve l e insu sc e t íve l d e g r a ç a o u a n ist ia .

§ 7 º O c o nd e na d o p o r c r ime p r e v ist o ne st a Le i, sa lvo a h ip ó t e se d o § 2 º , in ic ia r á o c u mp r ime nt o d a p e na e m r e g ime fe c h a d o .

Ar t . 2º O d isp o st o ne st a Le i a p l ic a - se a ind a q u a nd o o c r ime nã o t e nha s id o c o me t id o e m t e r r it ó r io na c io na l, se nd o a v ít i ma br a s i le ir a o u e nc o nt r a nd o - se o a g e nt e e m lo c a l so b ju r isd iç ã o br a s i le ir a . Ar t . 3º E st a Le i e nt r a e m v ig o r na d a t a de su a p u b l ic a ç ã o . Ar t . 4º R e vo g a - se o a rt . 2 3 3 d a Le i nº 8 . 0 6 9 , d e 1 3 d e ju lho d e 1 9 9 0 - E st at ut o d a C r ia nç a e d o Ad o le sc e nt e "393.

Lo n ge de se pretender uma análise doutrinária desse diploma legal, é importante apresentar algumas ponderações relacionadas ao que foi discutido anteriormente.

Em primeiro lugar, a tipificação desse delito, não retira do direito penal, as disposições relativas à agra vante genérica, nem a qualificadora do homicídio doloso, ambas do Código Penal. A aplicação de cada dispositivo

393

B R AS I L. Le i nº . 9 . 4 5 5 , d e 7 d e a br il d e 1 9 9 7 . D isp o n ív e l e m: < ht t p : / / w w w. p la na lt o . go v. br / c c iv i l_ 0 3 / le is/ l9 4 5 5 . ht m> . Ac e sso e m: 2 9 D e z . 2 0 1 3.

ocorrerá conforme as condições específicas do caso concreto e de acordo com a intenção do agente394.

O mesmo não se pode falar em relação às disposições antes vigentes no Estatuto da Criança e do Adolescente. O art. 233 que dispunha sobre a imposição de suplícios ao menor, foi expressamente revogada pelo art. 4º da norma transcrita acima.

Ademais, o aludido dispositivo altera a anterior compreensão de que o crime de tortura não é passível da concessão de indulto. Também possibilita que o condenado por esse delito se beneficie com a progressão de regime. Quanto à liberdade provisória, permite sua concessão apenas sem a estipulação de fiança.

Importa por fim, refletir a respeito do supra referido motivo q ue apressou a tramitação da lei que tipificou o crime de tortura: pressão p opular decorrente das notícias de tortura por policiais. Tal motivação se relaciona intimamente à percepção da sociedade brasileira em relação aos direitos humanos. Trata -se de uma noção essencial às diretrizes da presente pesquisa, conforme se explica adi ante.

Tome -se, por exemplo, o relato, veiculado na Revista Veja, de Ildec y Pereira dos Santos, acerca do tratamento que recebeu na 13ª Delegacia do Distrito Federal, em razão de uma suspeita de participação sua em uma quadrilha de furto de veículos:

" O s c ho q u e s e r a m t ã o vio le nt o s q u e o c o r po p a r e c ia d e c o la r d o c hã o . A mo r d a ç a d a , e u nã o c o nse g u ia g r it a r . F iq u e i p e nd u r a d a p o r ho r a s. D e s ma ie i vá r ia s v e z e s. Q u a nd o a co r d e i, min h a s r o u p a s e st a va m su ja s d e s a ng u e . A s a la c he ir a v a a u r in a . E u t in ha fe br e e vo mit a va . N u a , a ssu mi a c u lp a . E le s me d e r a m u ma N o va lg in a e fo r a m e mbo r a "395.

Se esse relato fosse colhido no s éculo XIII, a mentalidade medieval acerca da utilidade dos tormentos levaria a crer que a tortura alcançou seu 394 T EI X E I R A, F lá v ia C a me l lo . D a To rt ur a . ( B e lo Ho r iz o nt e : 2 0 0 4 , D e l R e y) , p . 9 9. 395 LE I T E, P a u lo Mo r e ir a . O p o d e r d a p a u la d a e d o c ho q u e . V e ja , S ã o P a u lo , E d it o ra A br i l, a no 2 8 , n. º 4 4 , 1 No v. 1 9 9 5, p 3 4.

objetivo. A acusada confessou s eu crime. Confirmou a hipótese aventada pelos torturadores e preservou a ordem pública. O método é louvável!

Para o indivíduo contemporâneo a visão é diferente. Não se interessa por qual justificativa se apresenta para o emprego da tortura. Muito menos, se ela est á eficazmente servindo à encontrar o criminoso e por isso contribuindo para a ordem pública. Afinal, na concepção moderna a proteção da ordem pública se dá, antes, pela proteção de cada indivíduo. As sim, a reportagem

No documento Tortura: de método a crime (páginas 167-183)