• Nenhum resultado encontrado

Segundo Anna Miravalles e Marta Vázquez (2014), levamos impressa em nossa história evolutiva a competitividade como forma de sobrevivência diante de outras espécies e grupos

de animais. A colaboração, por outro lado, é mais complexa, pois requer o desenvolvimento cortical progressivo. Como exemplo para esse desenvolvimento, as autoras comentam no livro

Descubrir la Neurodidáctica como é possível, ao modificar as regras de um simples jogo das

cadeiras, ativar o córtex e criar novos comportamentos. Segundo elas, é possível identificar mudanças se, em vez de eliminar alguém ao final da música, for proposto que o grupo consiga que todos fiquem sobre as cadeiras e com os pés fora do chão.

Nesta nova forma de jogar, o objetivo não se trata, portanto, de competir e de eliminar pessoas até que fique uma única vencedora; ao contrário, a proposta é colaborar para encontrar em conjunto uma solução. Segundo as autoras, é comum muitas pessoas reagirem da mesma forma, enquanto outras pessoas ficam paradas, não conseguindo subir em uma cadeira que já tenha sido ocupada quando a música para. Mas elas afirmam que esse padrão muda conforme a brincadeira segue, uma vez que o córtex vai sendo estimulado e, pouco a pouco, vão sendo encontradas novas alternativas, ou seja, o córtex aprende a jogar de forma diferente e, além disso, acaba criando soluções para problemas maiores, como colocar muitas pessoas num mesmo espaço com cada vez menos cadeiras.

A postura competitiva percebe o trabalho do outro como uma ameaça. Na forma colaborativa, o outro também faz parte do conhecimento e da conquista, pois juntos podemos construir mais. Como comenta Benitez,

“me parece importante que sea en grupo, hay un enriquecimiento en la tarea, hay algunos que se trancan y ellos se pueden ayudar, tienen más ideas, tienen que llegar a tomar decisiones juntos, que no es siempre fácil. Entonces me parece muy valioso que todo sea en equipo” (BENITEZ, 2016).

O córtex é a “capa neuronal de la superfície externa cerebral del hombre y organismos superiores” (MORA, 2013:196) e está relacionado, basicamente, com: os mecanismos cerebrais que intervêm nos processos de memorização, atenção, emoção e motivação (córtex cingulado); as sensações somáticas, linguagem, processamento e controle viso-espacial (córtex parietal); muitas funções no mundo emocional através do sistema límbico, memória operativa ou funcional, programação ou planificação do ato motor voluntário e de atos a realizar em um futuro imediato, e a função inibitória de influências tanto externas como internas (córtex pré- frontal); e o processamento das informações auditivas e visuais, emoções e memória declarativa (córtex temporal). Portanto, o córtex, por um lado, possui diferentes áreas onde se criam a “sensación y la percepción del mundo a través de la información proveniente de los órganos de los sentidos” (visão, audição, tato, temperatura, dor, paladar e olfato) e se elaboram “los programas motores con los que se ejecuta la conducta”; por outro lado, possui largos territórios

(pré-frontal-parietal-temporal) que são áreas de associação, “donde se elaboran los procesos mentales, el pensamiento abstracto y simbólico y los sentimientos” (MORA, 2013:40).

Para Jensen, por sermos seres essencialmente sociais e nossos cérebros crescerem em um entorno social, o ensino colaborativo é muito compatível: “Hablar, compartir y debatir son algo fundamental; estamos biologicamente conectados para el lenguaje y la comunicación”(JENSEN, 2010:133). Estamos, portanto, biologicamente preparados, pela presença do córtex, para trabalhar colaborativamente. O que o ambiente escolar deve fazer e o que a olimpíada do CEIBAL faz é incentivar atividades de colaboração, para que o córtex, ao ser exigido, possa criar novos padrões mentais e para que a capacidade colaborativa passe, assim, a ser aprendida como possibilidade de comportamento.

Colaborar, para Maria Cecília Camargo Magalhães, é “... esse processo de construção com outros em que os sujeitos, como agentes, trabalham juntos na compreensão e na transformação de si mesmos, de outros e do mundo” (MAGALHÃES, 2014: 25). No processo de construção e solução, os alunos de Tala dividem o trabalho em tarefas, mas sem deixar de colaborar com o que o outro está fazendo:

Hay un alumno que se encarga de la parte del robó. Otro de programar, otro se especializó más de la parte del proyecto, pero todos tienen que estar en conocimiento de lo que está haciendo el otro, o sea, si bien uno es quien organiza una parte, los demás también tienen que saber lo que está haciendo el compañero y colaborar con eso también. Es como si tenemos encargados de diferentes partes, pero trabajan entre todos (FERRANDO, 2017).

A professora Ângela também comenta como os seus alunos de robótica vão se dividindo em funções de acordo com seus gostos e habilidades:

(…) está aquel que adora programar, que está con el Turtlebot102

, que disfruta con eso y lo tiene clarísimo, y está el que maneja los sensores, que sabe dónde colocarlos, como mejor calibrar … que si pone el sensor en un determinado lugar la luz le va a molestar y que tiene que tomar determinadas condiciones del ambiente. Y está el mecánico. Yo no me lo había imaginado antes, pero en el año, yo vi como había chicos que tomaban ese rol. El que no deja que se caigan las ruedas porque está siempre ajustando las ruedas y el que sabe si hubo problemas con las pilas y sabe dónde está el problema. Y me parece que eso está genial. Porque es algo que no está pre-determinado. A medida que van descubriendo sus habilidades y sus gustos, van tomando posición. Más allá de que todos saben programar, todos saben lo que tienen que hacer, pero está aquel que su fascinación es eso. Cada uno toma el rol que mejor le quede y que no sea impuesto (MURAÑA, 2014).

102 Programa de código aberto que permite que os alunos programem ações para o robô segundo os

dados obtidos pelos sensores. O aluno pode programar o robô para que este siga em frente, por exemplo, sempre que encontrar a cor cinza. Colocando o robô sobre uma lona branca, com uma linha cinza, ele conseguirá avançar seguindo a cor.

Todos estão voltados para o processo e para a construção conjunta, mas tendo subdivididas as responsabilidades. Para colaborar neste tipo de dinâmica, em que se misturam o pessoal e o grupal, é necessário, além de sentir prazer na partilha, gostar da companhia da outra pessoa, confiar e respeitá-la como interlocutora e perceber que ela também sente respeito e confiança. Portanto, devemos primeiramente ser capturados e capturar o outro, porque sem vínculo não se pode estabelecer uma relação colaborativa. E será esse vínculo que nos permitirá ampliar o “eu”, criando o “nós” que possibilitará “que intencionalmente escutem uns aos outros e – com base em valores e necessidades, medos, conhecimentos, desconhecimentos, dúvidas, conflitos, emoções, questões problemáticas, concordâncias e discordâncias – repensem a si mesmos” (MAGALHÃES, 2014:25).

No processo de colaboração, comentam os alunos da equipe de Tala: “Conoces a gente nueva, que piensa diferentes a vos, y tenés que acoplarte a ellos para hacer, entre todos, algo bueno” (Nicolás Borges, 16 anos); “Aprendí a no tener siempre la razón o sea ver las cosas de diferentes puntos de vista” (Belén Barreto, 16 anos); “Durante todo este tiempo he aprendido de mis compañeros, de mis errores, de los errores de ellos y entre nosotros hacemos un equipo” (Axel Cuendes, 16 anos) 103. Isso porque colaborar é participar de uma experiência coletiva de

transformação que, segundo Maria Cecilia, está repleta de contradições “... uma vez que entender as organizações discursivas, nas negociações e na produção de conhecimento, envolve a compreensão das manifestações de contradição nos discursos dos participantes...” (2014: 25).

Nos momentos que aparecem propostas diferentes para uma solução, para a docente Alicia, é o momento em que o professor deve mediar para que os alunos possam aprender a escolher a melhor ideia:

Cuando hay ideas diferentes, cada uno defiende su idea, y hay que tratar que entre ellos escojan la idea que más corresponda. A veces da trabajo, pero tienen que aprender a argumentar lo que piensan y entender que puede haber más de una idea buena y de repente se prueban las diferentes ideas y entre ellos tienen que llegar a optar (FERRANDO, 2017).

Além de aprender a optar, assumindo riscos e responsabilidades, os alunos, durante o processo, exercitam e participam do que Flusser chama de comunicação dialógica e discursiva. “Para produzir informação, os homens trocam diferentes informações disponíveis na esperança de sintetizar uma nova informação. Essa é a forma de comunicação dialógica” (FLUSSER, 2007: 97). Este tipo de comunicação “é uma forma enriquecedora e rara de troca de informações entre dois sistemas diferentes, mas semelhantes, no qual os sistemas envolvidos

(as pessoas) se abrem para receber, transformar e emitir sentenças” (NAVARRETE, 2011:5). “Este jogo é o único no qual ambos os jogadores saem ganhando, enquanto dura” (FLUSSER, 1998:101). Já “para preservar, manter a informação, os homens compartilham informações existentes na esperança de que elas, assim compartilhadas, possam resistir melhor ao efeito entrópico da natureza. Essa é a forma de comunicação discursiva” (FLUSSER, 2007:97). Na comunicação discursiva, portanto, “um sistema se lança sobre sistemas vizinhos a fim de assimilá-los ao seu” (FLUSSER, 1998:101).

As duas formas de comunicação não existem separadamente, já que, “para que surja um diálogo, precisam estar disponíveis as informações que foram colhidas pelos participantes graças à recepção de discursos anteriores. E, para que um discurso aconteça, o emissor tem que dispor de informações que tenham sido produzidas no diálogo anterior” (FLUSSER, 2007:97). Portanto, nos momentos de escolher uma ideia, os alunos devem expor suas razões, aprendendo a argumentar, trabalhando com uma comunicação discursiva. Entretanto, como estão orientados para a troca e compartilhamento, esses discursos se transformam em parte de um diálogo: “Cada diálogo pode ser considerado uma série de discursos orientados para a troca. E cada discurso pode ser considerado parte de um diálogo” (FLUSSER, 2007:97).

Para a professora Ângela, a oportunidade de desenvolver nos alunos a capacidade comunicativa do diálogo (saber ouvir, argumentar e negociar) é uma das consequências positivas da robótica educativa:

Y es importante que cuando trabajamos así es que los alumnos se hagan escuchar. Digan lo que les pasa, lo que sienten, y hace parte de todo este desarrollo que es escuchar al otro, para por ejemplo, decirle que no estás de acuerdo y comentarle tus argumentos. Y muchos alumnos que me escriben comentando que en liceo no había robótica, me comentaban sus argumentos de porque querían que hubiera robótica. Y eso se desarrolla trabajando en robótica educativa. Porque, por ejemplo, una decide que quiere trabajar con un sensor de distancia y el otro justifica y argumenta que no, que lo ideal es un sensor de grises para eso, y surgen debates dentro de los equipos que de verdad son fantásticos (MURAÑO, 2014).