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Dessa forma, por mais que o mundo

contemporâneo seja um contexto onde a diferença adquire centralidade, esse sempre foi um conteúdo manejado pelo ensino da história humana.

O tema da alteridade, da maneira como tem sido abordado no contexto escolar, traz consigo um estreito vínculo com a ética e com a cidadania. Afinal, enfrentar a questão da diferença exige que se encare como a alteridade será tratada. Assim, o que aparece em primeiro plano em uma discussão como essa é o enfrentamento do preconceito e da intolerância, dois conceitos que têm sido pensados, em regra, de forma reducionista. O preconceito e a intolerância vão além das diferenças sexuais, raciais e econômicas entre os indivíduos. Eles abarcam,

também, a diversidade cultural entre grupos sociais e sociedades como um todo. Lidar com esse tema, portanto, parte do reconhecimento de que nós mesmos somos, historicamente, outros ao longo do tempo, levando à compreensão das diferenças em relação a outras culturas, diferentes daquelas nas quais fomos socializados.

O Brasil é um terreno fértil para que o ensino de História seja capaz de lidar com o tema da diferença. Tradicionalmente, o País é tratado como um contexto cultural extremamente diversificado, o que é tomado, de forma ambígua, ora como um fator positivo para nossa formação, ora como o grande fator gerador de nossa modernidade incompleta e de nossas mazelas sociais e econômicas. Essa diversidade cultural que nos caracteriza, celebrada ou criticada, no entanto, não é enfrentada pela escola de forma densa. O que se produz, no que diz respeito ao conhecimento histórico oferecido pela escola, é uma pálida imagem de nossas diferentes matrizes culturais e de suas contribuições para a formação da sociedade brasileira.

Os conteúdos escolares, do final do Ensino

Fundamental ao término do Ensino Médio, tendem a abordar as diferenças culturais da formação do Brasil de forma superficial e secundária. Tais diferenças, e sua importância, parecem não compor o eixo central do ensino de História, mas, antes, se apresentam como narrativas de incremento para a história mais importante, centralizada no desenvolvimento do mundo moderno europeu e em suas consequências para a história do Brasil. Mesmo quando o enfoque é o Brasil, a história narrada é aquela das instituições públicas, do Estado, de líderes políticos e sociais, sem levar em consideração o papel desempenhado por outros atores e grupos sociais.

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Tomemos como exemplo a formação da sociedade brasileira, e seus diferentes matizes culturais, para entender como o problema da alteridade permanece, em grande parte, obscurecido. É comum apontar, no ensino de História, que o Brasil foi formado por três grandes povos (representando, desta forma, três grandes formações culturais), os europeus, os indígenas e os africanos. Um problema, de saída, pode ser percebido nesta abordagem, reducionista por excelência. A

diversidade de culturas que compuseram o Brasil se torna opaca quando os diferentes povos europeus que fizeram parte de nossa história são tratados de forma homogênea, como um povo único, europeus em sentido genérico. Assim, portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses, franceses, italianos e alemães (entre diversas outras nacionalidades) teriam contribuído da mesma maneira para nossa formação, já que entendidos como pertencentes a uma espécie de mesmo bloco cultural. No entanto, os povos europeus que tomaram parte na história da formação do Brasil, apesar de apresentarem semelhanças culturais, tiveram papeis diferentes em nossa história, em virtude, em grande parte, de suas diferenças culturais.

Chama atenção, por exemplo, o fato de nossos estudantes do Ensino Médio terem mais acesso à história da França e da Inglaterra, bem como aos processos de unificação tardia da Alemanha e da Itália, do que a eventos históricos importantes na história de Portugal e da Espanha. Embora, tradicionalmente, tendamos a imputar nossos problemas atuais a nosso passado colonial, recheado de índios e escravos, quando algum potencial problema de nossa formação precisa ser encontrado na Europa, ele recai na Ibéria. Assim, somos, também, ibéricos (percebido como um dos fatores de nossas deficiências sociais atuais), mas a história que ensinamos em sala de aula dá pouca atenção a Portugal e Espanha. No Ensino Médio, é possível dizer que será uma tarefa menos tormentosa encontrar estudantes que conhecem, com algum nível de densidade, a queda da Bastilha,

na França, do que aqueles que são capazes de dissertar, minimamente, sobre a Revolução dos Cravos, em Portugal.

Em função disso, outras consequências para o ensino de História e sua relação com a alteridade se fazem notar. Um dos grandes temas da história contemporânea foram os eventos ocorridos durante o período que ficou conhecido como Primavera Árabe, uma série de movimentos e protestos ocorridos ao longo dos últimos anos em diversos países árabes. Um olhar sobre esse outro tende a levar, em muitos casos, a uma espécie de estranhamento em relação a esses movimentos, sobretudo em função da atribuída distância cultural que existe entre nós, brasileiros (ou ocidentais), e os povos árabes. A estrutura e a organização do mundo árabe (também percebido de forma homogênea, sem distinções locais, em um claro fenômeno de redução da complexidade que caracteriza os diferentes países árabes) são vistas como inexplicáveis, irracionais, sem nenhum ponto de conexão com o nosso mundo, o que leva a um afastamento e a um rechaço em relação à sua cultura. Contudo, ponto importante da história ibérica é a invasão moura. A relação entre árabes e ibéricos é mais próxima do que a história ensinada na escola tende a reconhecer e enfatizar. A cultura moura fincou raízes profundas na Ibéria, deixando influências culturais fundamentais em Portugal e Espanha (a linguagem é um exemplo disso). Da mesma maneira, fomos influenciados de forma figadal pela cultura ibérica. Sendo assim, cabe o questionamento sobre o que aproxima os árabes de nós, no lugar de adotar a postura que enfoca nossas diferenças culturais.

Se isso ocorre para os povos europeus, há mais razão ainda para perceber o processo de homogeneização atribuído ao papel histórico dos povos indígenas e dos povos africanos.

A alteridade que caracteriza indígenas e