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Translação econômica do tributo – incidência tributária e incidência econômica

3 JUSTIFICATIVA HISTÓRICA – EQUIDADE, JUSTIÇA, PAGAMENTO INDEVIDO E

5.2 Translação econômica do tributo – incidência tributária e incidência econômica

Conforme alertado por Stiglitz (1999, p. 490), a ciência econômica distingue quem suporta o ônus do tributo de quem ele é legalmente cobrado, uma vez que pode diferir significativamente quem suporta o peso do tributo e quem preenche o cheque para o governo.

A repercussão econômica é fenômeno da Economia, em que o ato de transferir ou repassar o custo financeiro a terceiros foi identificado como transferência, translação, incidência tributária, incidência econômica e incidência econômica tributária22. Também em decorrência da translação, o terceiro que assume o encargo é identificado por parte da doutrina como contribuinte de fato ou contribuinte econômico23.

O ato de transferir o custo a terceiros é comum na dinâmica econômica, principalmente pelo fato de seus agentes impulsionarem o ciclo econômico de produção e circulação de mercadorias e serviços.

Também denominada como incidência econômica ou tributária, transferência tributária (tax shifting), foi qualificada por Stiglitz (1999, p. 483) como um dos tópicos mais importantes e difíceis da Economia do setor público.

Mais de perto nas relações tributárias, entre a incidência legal e a incidência econômica pode haver ou um sensível distanciamento, ou uma coincidência, porquanto o tributo incide nos termos da lei e a incidência econômica obedece diversos fatores que serão demonstrados a seguir.

Desse modo, entre a escolha do arquétipo legal da incidência e o suporte financeiro da tributação, pode existir um grande distanciamento praticamente inacessível pelo agente político que institui o tributo.

Schoueri (2013, p. 52) identifica o objetivo da teoria da incidência econômica da seguinte forma: “Visa investigar se existe, ou não, coincidência entre a pessoa juridicamente atingida pela tributação e aquela que efetivamente suporta o encargo tributário”.

O autor indica que o objeto da teoria econômica é identificar quem foi atingido pela tributação e se este foi o contribuinte em que o tributo foi legalmente imposto. Concordamos       

22 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 51.

23 Cf. CANTO, Gilberto Ulhôa. Repetição do indébito. In: Caderno de Pesquisas Tributárias, São Paulo, n. 8, 1983. 

com essa afirmação. O Estado, ao tributar determinado fato gerador de natureza econômica, busca muitas vezes, além da arrecadação, não causar externalidades na imposição tributária, o que pode ter resultado diverso a partir do deslocamento do custo tributário legalmente imposto para o economicamente suportado.

Imputar aos agentes econômicos o papel de contribuinte é uma escolha racional do legislador. No entanto, essa escolha racional pode sofrer sensíveis desvios pela dinâmica econômica, não podendo este prever quais resultados serão atingidos24.

Siqueira e Ramos (2004, p. 155) comungam dessa posição e afirmam que a pergunta de quem deve suportar o ônus do tributo nasce com a instituição deste, importando saber como será distribuída entre os agentes econômicos:

Sempre que se menciona o termo ‘impostos’ surgem, de imediato, duas questões: Quem vai arcar com a carga tributária – ou seja, como ela será distribuída entre os agentes econômicos, e que fatores são capazes de influenciar esta distribuição? A instituição de um imposto induz mudanças no comportamento dos agentes econômicos – indivíduos, firmas e talvez governo, bem como alterações no preço do produto e no retorno sobre os fatores de produção. Em quase todos os casos, essas mudanças implicam que a incidência econômica (ou real) de um imposto será diferente de sua incidência legal (ou estatutária). [...] Em outras palavras, nem sempre aquele que está legalmente obrigado a pagar um tributo arcará com o ônus total deste pagamento.

Concordamos com o autor no sentido de que a tributação induz comportamentos nos agentes econômicos, muitas vezes sendo o resultado esperado não atingido pela imposição de um tributo, mas uma externalidade em um determinado setor econômico.

Exemplificando a incidência econômica do tributo, Contador (1976, p. 40) pondera:

Suponhamos que um tributo seja lançado sobre os rendimentos de uma pessoa (jurídica ou física). Dependendo de uma série de fatores, que mencionaremos mais tarde, o tributo pode ser transferido total ou parcialmente via cobrança de preços ou salários mais altos a uma segunda pessoa (física ou jurídica) sobre quem incide efetivamente o tributo, não precisa ser necessariamente aquela sobre a qual o mesmo incidiu originalmente. A incidência final é, consequentemente, resultado da transferência (shifting) entre agentes econômicos.

Mais do que uma escolha política da tributação, os efeitos que a translação do custo financeiro do tributo depende de uma série de fatores dificilmente identificáveis ou preestabelecidos quando ocorre a incidência de um tributo. O repasse do custo tributário é um terreno de difícil previsão ou identificação.

      

24 Schoueri (2013, p. 51) afirma que a “[...] análise econômica da incidência, por outro lado, quer saber quem, de fato, é atingido pela tributação. Ou melhor, ‘quem paga a conta’”.

Conforme alertado por Contador, a incidência final que resulta da transferência a terceiros é uma incógnita que depende de diversas variáveis, muitas conhecidas, outras nem tanto, quase que impossíveis de serem constatadas concomitantemente à incidência do tributo. Postas essas premissas, fundadas em que o tributo pode ou não ser transferido a terceiros pelo responsável legal, resta indagar sob quais condições tal fenômeno ocorre e como essa repercussão econômica pode interessar ao Direito Tributário, em especial, a restituição dos tributos indevidamente pagos.

5.3 Microeconomia e a Teoria do Mercado

Nesse diálogo entre o Direito e a Economia25, em especial a microeconomia, teoria dos custos e a teoria dos preços26, é onde se buscará a resposta de como funciona a transferência do encargo de um tributo a terceiro, sob quais aspectos e condições.

A microeconomia possui três conceitos fundamentais para definir o racional econômico: a maximização, o equilíbrio e a eficiência. Todos os agentes econômicos buscam maximizar suas escolhas na vida social, seja maximizando sua felicidade, o lucro, o bem-estar coletivo, entre outros.

O agente econômico busca sempre maximizar seu lucro, dessa postura economicamente esperada é que tem como consequência o equilíbrio dos mercados e, ao buscar o máximo de performance, os agentes econômicos serão eficientes.

Cooter e Ulen (2010, p. 36) dizem que “Os economistas dizem, muitas vezes, que os modelos que supõem o comportamento maximizador funcionam porque a maioria das pessoas são racionais, e a racionalidade exige a maximização”.

      

25

Sobre Direito e Economia, Bruno Salama esclarece: “Tanto o Direito quanto a Economia lidam com problemas de coordenação, estabilidade e eficiência na sociedade. Mas a formação de linhas complementares de análise e pesquisa não é simples, porque as suas metodologias diferem de modo bastante agudo. Enquanto o Direito é exclusivamente verbal, a Economia também é matemática; enquanto o Direito é marcadamente hermenêutico (isto é, interpretativo de textos legais), a Economia propõe-se como largamente empírica; enquanto o Direito é marcadamente formalista (porque enfoca definições), a Economia é marcadamente funcionalista (porque enfoca organizações e trocas); enquanto a grande aspiração do Direito é ser justo, a grande aspiração da Economia é ser científica; e, mais importante de tudo, enquanto a crítica econômica se dá pelo custo, a crítica jurídica se dá pela legalidade” (2014, p. 40).

26 A microeconomia (teoria dos preços) estuda a formação dos preços nos diversos mercados, por meio da ação conjunta da demanda e da oferta. Os preços constituem os sinais para uso eficiente dos recursos escassos da sociedade e funcionam como um elemento de exclusão. 

Diante da maximização de cada agente econômico, o resultado que se pressupõe é o equilíbrio entre a interação de agentes maximizadores. Ou seja, cada agente econômico buscando maximizar aquilo que lhe interessa (consumidores maximizam utilidade, políticos maximizam votos, empresas maximizam lucro, etc.) resulta em um equilíbrio, que pode ser afetado por fatores externos (externalidades).

O terceiro conceito é a eficiência, em que se busca a melhor performance possível dos agentes econômicos. Muito difundido é o modelo eficiente definido por Pareto, em que seria um modelo eficiente (ou uma alocação eficiente) quando seria impossível alterá-lo sem melhorar a situação de pelo menos uma pessoa, sem deixar nenhuma situação pior por força dessa alocação27.

Já a Teoria dos Custos, instituída por Coase (1937, p. 386-405), partindo do raciocínio de que é economicamente mais vantajoso organizar a produção das empresas internamente a fim de evitar os “custos de ir ao mercado”, implica dizer que as transações são realizadas em mercados imperfeitos que geram “custos de transação”28.

Salama (2014, p. 327-328) diz que

Pode fazer sentido organizar parte da produção internamente dentro de empresas justamente para evitar esses custos de ir ao mercado. Em uma empresa, não é preciso selecionar mão de obra continuamente; basta contratar um empregado e pagar-lhe um salário. Não é preciso adaptar-se aos insumos disponíveis no mercado; é possível simplesmente produzi-los internamente com as especificações desejadas. Não é preciso testar a qualidade de certos insumos comprados de terceiros; basta monitorar a qualidade da produção interna. Não é preciso negociar um contrato a cada contratação de mão de obra; basta estabelecer uma relação duradoura de emprego. E assim sucessivamente. Segue que, segundo Coase, a existência de empresas se explica por conta dos custos associados ao uso dos mecanismos de mercado baseados em preços de troca. Os custos de ir ao mercado identificados por Coase posteriormente receberam o nome de custos de transação.

A identificação entre quem suporta o tributo e como este pode ser transferido a terceiros está intimamente ligada à teoria dos mercados, que cuida da relação entre oferta e demanda, bem como diversos fatores que a influenciam.

      

27 Conforme Cooter e Ulen, “Diz-se que determinada situação é Pareto eficiente ou alocativamente eficiente se é impossível mudá-la de modo a deixar pelo menos uma pessoa em situação melhor (na opinião dela própria) sem deixar pelo menos uma pessoa em situação pior (mais uma vez, em sua própria opinião)” (2010, p. 38).

28

Esclarece Salama que “Em 1973, o inglês Ronald Coase propôs o que constitui, até hoje, a mais persuasiva tentativa de solução deste enigma. Coase partiu de uma observação trivial, a saber, a de que as compras e vendas e demais intercâmbios acontecem em mercados reais; não em abstrações conceituais que representam as trocas de mercado como relações ideais em que se vende para quem pode pagar mais, e se compra de quem oferece por menos. E nos mercados reais (ao contrário dos mercados ideais frequentemente pressupostos pelos modelos microeconômicos) as interações são imperfeitas e estão sujeitas a uma série de custos. Esses custos incluem principalmente o custo de pesquisa e informação sobre os preços aceitáveis, os custos de negociação, de monitoramento, de cobrança e execução e de manutenção de segredos comerciais” (2014, p. 327).

Ou seja, não há como perquirir se o tributo foi (ou não) transferido a terceiros (consumidores, fornecedores, empregados, entre outros) e se totalmente (ou parcialmente) sem analisar o contribuinte legal como agente econômico, as características do mercado em que atua e a curva da oferta e da demanda.

Por isso, afasta e muito dos rígidos conceitos legais da relação jurídico-tributária. Vale dizer, perquirir como o contribuinte atua como agente econômico é deveras complexo para identificar se houve ou não o repasse do tributo.

Uma vez fixadas essas premissas, passar-se-á a investigar como o tributo é tratado na lógica econômica, a repercussão do custo tributário e os elementos que influenciam essa repercussão.