• Nenhum resultado encontrado

3 JUSTIFICATIVA HISTÓRICA – EQUIDADE, JUSTIÇA, PAGAMENTO INDEVIDO E

5.6 Tributos repercutem por sua natureza?

O art. 166 do CTN traz em seu conteúdo normativo que, pela natureza dos tributos, estes podem repercutir ou não. Aqui reside um grande equívoco do mencionado artigo.

Tem-se uma divisão doutrinária entre tributos diretos, que incidem sobre determinado contribuinte, e tributos indiretos, que incidem sobre determinada operação, se for analisada a questão sobre o critério da translação econômica47. Seriam diretos o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), o Imposto Predial Territorial Urbana (IPTU), o Imposto Territorial Rural (ITR), o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), entre outros. Indiretos seriam o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS)48, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), entre outros.

Schoueri (1986, p. 400) objetiva a questão da seguinte forma:

De acordo com este critério, direto é o imposto cuja incidência econômica atinge (de modo direto) aquele contribuinte definido pelo legislador como sujeito passivo da obrigação tributária; indireto é aquele em que, devido ao fenômeno da translação, o contribuinte definido como sujeito passivo daquela obrigação vê seu ônus transferido para outrem, que passa a ser o contribuinte ‘de fato’ na relação jurídico- tributária.

Fernandes de Oliveira (2008, p. 140) simplesmente rejeita essa classificação, com o argumento de que se trata de uma classificação financeira e que não interessa ao Direito quem suporta o ônus do tributo.

      

47 De acordo com Schoueri, é admissível ainda a distinção entre diretos e indiretos sob os critérios técnico e administrativo e financeiro.

48

Segundo Machado Segundo (2011, p. 19), o STJ decidiu pela classificação dos tributos em diretos e indiretos ao admitir a aplicação do 166 do CTN ao ICMS, considerando este indireto, porque: “o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da operação (contribuinte de fato), e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mercadoria, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumidor de seus produtos. Não assume, portanto, a carga tributária resultante desta incidência. Verifica-se, assim, a ilegitimidade ativa ad causam da empresa, por não ter ela arcado diretamente com a tributação, havendo, no caso, que se cogitar em transferência do ônus ao consumidor final”.

No entanto, embora exista uma grande confusão a respeito dessa questão, a repercussão do tributo não depende da natureza deste, se direto ou indireto. Normalmente, tanto a jurisprudência quanto a doutrina associam a aplicação do artigo 166 do CTN aos tributos indiretos, por ser neste a transferência mais identificável a olho nu, afirmando não ser aplicável aos tributos diretos e negando a possibilidade de repercussão.

Trata-se, pois, de um grande equívoco. Contador (1976, p. 42-66) realizou trabalho empírico no qual demonstrou que o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas sofreu repercussão econômica a terceiros em quatro cenários econômicos, conforme modelos definidos pela ciência econômica. Primeiro analisou o modelo neoclássico estático49, em que ficou demonstrado que a transferência do IRPJ ocorreria somente em longo prazo, sendo impossível em curto prazo. Também no modelo neoclássico, analisado sob os aspectos de risco50 e dinâmico51, ficou demonstrada a possibilidade da translação. Depois, analisou o modelo mark up52 (ou margem de lucro) em que a transferência foi realizada por meio da elevação direta dos preços:

Pelo modelo de mark up, as empresas transferem ao consumidor o impacto do imposto adicional, quer através da elevação direta dos preços, quer através de redução na oferta que poderá resultar em preços mais altos. Assim, a prática do mark

up torna a transferência do imposto de renda um resultado possível, mas não

garantido. [...]

Kryzyaniak e Musgrave incorporam o modelo de mark up uma hipótese específica de comportamento das empresas quanto à reação da expectativa de maiores impostos. Aceitam o imposto de renda como parte do custo total, segundo o modelo de mark up. Uma mudança no imposto, quer verificada, quer prevista, corresponde a um aumento no custo e, portanto, conduzirá a mudança no preço de venda e produção.

No mesmo sentido, Lemgruber (2004, p. 212-213):

Mas quem, em última instância, paga o IRPJ? A teoria econômica não nos dá uma resposta clara a essa questão. A incidência tributária pode recair sobre os acionistas ou os donos do capital, mas também pode ser repassada para frente (recaindo sobre os consumidores) ou para trás (recaindo sobre os trabalhadores). A interpretação

      

49 De acordo com Contador, modelo neoclássico estático a firma maximizadora de lucro não reagiria à imposição de um imposto mais alto por meio de aumentos no preço ou queda da produção. 

50 “[...] a inclusão da incerteza no modelo de comportamento da firma permite esclarecer uma série de aspectos. [...] Será demonstrado que este tipo de imposto pode ter efeitos a curto prazo na produção e preço mesmo dentro de um raciocínio neoclássico” (CONTADOR, 1976, p. 52).

51 “Os modelos anteriores discutiam a possibilidade de ‘transferência’ do imposto de renda num enfoque puramente estático. O raciocínio descrito a seguir mostra como a transferência do imposto pode ocorrer numa economia em crescimento, mesmo em condições de concorrência perfeita e prática de maximização de lucros” (CONTADOR, 1976, p. 55).

52 De acordo com Contador, o modelo mark up utiliza o conceito de custo médio, acrescido de uma certa percentagem de lucro considerado normal e necessário para que a empresa mantenha-se em atividade. 

mais aceita é a de que, a curto prazo, o imposto é suportado pelos donos do capital, pois não há margens para ajustes. Porém, a longo prazo, é provável que os consumidores ou trabalhadores paguem a conta de um aumento do imposto sobre a empresa. Consumidores arcarão com o custo caso seja possível repassar o imposto para os preços dos bens e serviços produzidos pela empresa; trabalhadores suportarão a incidência caso seus salários sejam diminuídos de modo a manter os custos da produção.

Outro tributo usualmente transferido a terceiros é o Imposto Predial Territorial Urbano, cuja prática usual das relações locatícias transfere contratualmente a obrigação de pagar o tributo ao locatário, mesmo que a incidência do tributo seja legalmente imposta ao locador.

Tributos não repercutem pela sua natureza. Eles podem ser transferidos por diversos fatores de mercado alheios à lógica jurídica, mas não são transferidos conforme sua classificação ou enquadramento pela doutrina tributária.

Conforme demonstrado acima, a transferência se submete a fatores econômicos que podem influenciar na elasticidade da oferta e da demanda, promovendo a transferência do tributo para frente, para trás, ou para ambos os lados.

Assim, não interessa, para identificar se ocorreu ou não a transferência do encargo financeiro do tributo, se este é direto ou indireto, mas, sim, os fatores identificados acima que podem influenciar na translação ou não do tributo.