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Tratamento contábil dos derivativos embutidos, compostos e o não

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Tratamento contábil dos derivativos embutidos, compostos e o não

Os normativos contábeis que tratam da contabilização e apresentação de instrumentos financeiros, atualmente em vigor, são: IAS 32, IAS 39 e a IFRS 724, no

tocante à divulgação, dos quais os dois primeiros possuem teor mais relevante para discussão aqui estabelecida. É oportuno destacar que a IFRS 9 entrará em vigor a partir de janeiro de 2018, entretanto, seu atual texto não possui implicações quanto ao registro e evidenciação dos IFH aqui analisados.

Dessa maneira, é importante salientar que, mesmo que os normativos supracitados sejam em partes revogados em um futuro próximo, esse fato em nada invalida a presente tese. Igualmente é necessário compreender as definições contábeis acerca dessa modalidade de contratos, pois grande parte dos ruídos comunicacionais entre estruturados de operações e agentes ligados à emanação das demonstrações financeiras pode ser atribuída ao deficiente entendimento de tal abordagem.

Compete ressaltar ainda que as discussões presentes nesta seção estão focadas na identificação de critérios que satisfaçam o reconhecimento contábil dos híbridos, seja como passivo ou patrimônio líquido. Questões também relevantes, como a metrificação do valor justo de títulos dessa natureza, não compõem o objeto focal dessa tese e por essa razão não foram mencionados nas explanações seguintes.

Segundo a PwC (2012, p. 7001)25:

24 Tais normas contábeis foram traduzidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis sob a terminologia de

CPC 38 – IAS 39, CPC 39 – IAS 32 e CPC 40 – IFRS 7.

25 “IAS 32 ‘Financial instruments: presentation’, contains the principles for distinguishing between liabilities

and equity issued by an entity. The substance of the contractual arrangement of a financial instrument, rather than its legal form, governs its classification. The overriding criterion is that if an entity does not have an unconditional right to avoid delivering cash or another financial asset to settle a contractual obligation, the contract is not an equity instrument”.

IAS 32, ‘Instrumentos financeiros: apresentação’, contém os princípios para distinção entre passivos e patrimônio líquido emitidos por uma entidade. A substância do arranjo contratual de um instrumento financeiro, mais do que sua forma legal, governa esta classificação. O critério primordial é que se uma entidade não tiver um direito incondicional de evitar a entrega de caixa ou outro ativo financeiro para liquidar uma obrigação contratual, o contrato não é um instrumento patrimonial.

Novamente recorre-se à definição formal do que vem a ser um passivo, ou seja, uma transação a qual se espera liquidação. É interessante notar que a Figura 1 expressa uma vasta possibilidade de se criar instrumentos híbridos, todavia, uma vez que se estabeleça para esses contratos a condição inequívoca de entrega de caixa ou outro ativo financeiro, se estará por definir a sua natureza de título de dívida, isto é, a sua natureza de passivo.

A discussão inerente à apresentação dos instrumentos utilizados na captação de recursos encontra-se nos parágrafos 15 a 27 da IAS 32 – CPC 39. Mais especificamente são esses itens do documento que explicitam as condições necessárias para que um título possa ser caracterizado como um instrumento patrimonial. Logo, por exclusão, contratos utilizados na captação de recursos que não satisfaçam tal regramento deverão ser apresentados como passivos financeiros.

O rigor trazido pela IAS 32, quanto à inserção de derivativos na elaboração de operações mais sofisticadas, ressalta uma preocupação adicional por parte do IASB quanto ao alargamento do patrimônio líquido com a emissão de títulos cuja essência econômica seja de passivos financeiros, retomando a ideia previamente discutida acerca do gerenciamento da estrutura de capital. Schneider, McCarthy e Hagler (1997, p. 97)26, corroborando com isso, destacam que “as regras das

demonstrações financeiras para dívidas conversíveis afetam a posição financeira e os lucros das empresas emissoras”.

A IAS 32 ainda evidencia a existência de diferentes condições para que um título possa ser apresentado no patrimônio do emissor. No entanto, tais critérios de avaliação visam basicamente inibir o registro junto ao PL de instrumentos financeiros sujeitos a obrigatoriedade de liquidação financeira ou equivalente.

Em síntese, os critérios estabelecidos nos parágrafos 15 a 27 da IAS 32, os quais são utilizados para distinção entre títulos de dívida e de patrimônio, expõem que a aceitação de títulos junto ao PL requer o cumprimento de basicamente três critérios, sendo: i) inexistência de obrigações financeiras em entregar caixa ou equivalente; (ii) ausência de compulsões que forcem o emissor a entrega de um número variável de instrumentos patrimoniais; e no caso de um derivativo se aplica o item; e (iii) garantia de que haverá uma conversão por montante fixo de instrumentos patrimoniais.

Em essência, tais determinações devem ser vistas como uma forma de assemelhar os detentores desses instrumentos a acionistas ou investidores e não a credores disfarçados.

O regramento supracitado pela IAS 32 é uma exemplificação clara da aplicação da primazia da essência econômica sobre a forma jurídica. É coerente destacar que essa terminologia não evoca uma competição entre a Contabilidade e o Direito, mas sim direciona o objeto de análise e de referência da informação contábil, que é o evento econômico e não o fato jurídico. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (2011, p. 3):

A primazia da essência sobre a forma como elemento central do processo de preparação de demonstrações financeiras que representem verdadeira e apropriadamente a realidade econômica se aplica a todo o processo contábil, na integralidade dos assuntos cobertos pelas normas. No contexto do mercado de capitais, destaca-se, entre

outras, a questão da classificação dos instrumentos financeiros como

passivos ou instrumentos de capital na representação da realidade econômica das companhias abertas. Neste tópico, atenção especial deve ser dada à essência desses instrumentos vis-à-vis as consequências extremamente indesejáveis que a contabilização inadequada pode gerar para investidores, credores e demais interessados no desempenho das companhias. (Grifos adicionados).

Outro importante tratamento contábil acerca dos híbridos encontra-se expresso no parágrafo 10 da IAS 39 – CPC 38, o qual determina que os derivativos embutidos nesses instrumentos financeiros sejam desmembrados em situações nas quais as características econômicas e os fatores de riscos atinentes aos derivativos sejam distintos dos demais componentes do contrato. Segundo o referido pronunciamento, “O derivativo embutido faz com que alguns ou todos os fluxos de caixa que de outra forma seriam exigidos pelo contrato sejam modificados [...]”.

Destaca-se que um derivativo isolado de um instrumento financeiro (e.g., uma opção ou um futuro) combinado apenas para formulação de um produto não é um derivativo embutido, tão logo, sua contabilização deverá seguir o tratamento normal preconizado pelo mesmo normativo, ou seja, mensuração ao valor justo por meio do resultado, exceto para situações que se opte e se comprove a contabilidade de proteção (i.e., hedge accounting).

Em linha sequencial, os parágrafos 11, 11A, 12 e 13 da IAS 39 buscam encadear um racional explícito das condições a serem atendidas para que haja a correta separação entre o componente derivativo dos demais instrumentos financeiros formadores do híbrido.

Conforme mencionada, a primeira verificação reside na avaliação dos riscos e na natureza econômica dos itens que compõem o contrato. Posteriormente caberá avaliar se, após a referida segregação, um ou mais componentes do arranjo inicial possuem de forma concomitante as características de um derivativo, como seguem: i) valor inicial nulo ou pequeno; ii) atrelamento a um ativo subjacente; e iii) liquidação em data futura. Por fim, o instrumento híbrido não poderá estar sendo medido pelo valor justo com as alterações reconhecidas no resultado.

Em suma, verifica-se que o tratamento contábil preconizado tanto pela IAS 32 quanto pela IAS 39 trata basicamente duas das três categorias mencionadas na seção 2.2, sendo: (i) títulos formados pela junção de um componente de mercado à vista e outro de mercado a prazo, isto é, derivativos embutidos; e (ii) instrumentos compostos. Para tanto, tais normativos buscam pormenorizadamente evidenciar características econômico-financeiras do instrumento, a fim de que sirvam como direcionadores, senão uníssonos, ao menos eficazes para sua contabilização.

É imprescindível notar que os híbridos pertinentes à terceira categoria suscitada na seção 2.2, os quais serão interinamente reconhecidos como passivo ou PL, não são tratados pelas normas, ao menos explicitamente. Nesse contexto, é factível enaltecer a abordagem utilizada pela Comissão de Valores Mobiliários a qual tem se atido à verificação pormenorizada das cláusulas contratuais de cada instrumento

híbrido dessa natureza emitido, como nos casos MINERVA, MARFRIG, TEC TOY e ENERGISA.

2.3 Difusão e complexidade no tratamento contábil dos instrumentos