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5 ANÁLISE DE DADOS

5.1.3 Tratamento dos dados levantados, inferência e interpretação dos

Quadro 7: Categorias (índices) intermediárias inseridas no software Atlas.ti para organização dos trechos de falas dos cursistas em função das unidades de registro

1 – Aproximação com a realidade vivida;

2 – Discussões conceituais;

3 - Aspectos ligados à formação de professores;

4- Potencialidades da temática dos Recursos Hídricos em sala de aula;

5 - Reflexões acerca dos desafios da prática docente;

6 - Reflexões socioambientais gerais;

7 - Reflexões socioambientais acerca da temática dos Recursos Hídricos;

8 - Relato de atividades pedagógicas desenvolvidas em sua atuação Fonte: Dados da pesquisa (2021)

5.1.3. Tratamento dos dados levantados, inferência e interpretação dos

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Uma vez que foram selecionadas as unidades de contexto e organizadas em categorias intermediárias, elas foram reunidas na unidade de registro correspondente ao seu discurso. Assim, a partir da observação das categorias intermediárias e das categorias iniciais, identificou-se maior aderência das categorias intermediárias 1, 4, 6 e 7 com a categoria inicial A; das categorias intermediárias 5 e 8 com a categoria inicial B; e das categorias 2 e 3 com a categoria inicial C (imagem 37). A imagem 38 apresenta a rede semântica contendo os grupos de códigos relacionando as categorias iniciais e as categorias iniciais da pesquisa, originados com uso do software Atlas.ti.

Concluída a etapa de organização dos extratos textuais em função da unidade de registro cabível àquele conteúdo, realizou-se o cálculo das frequências de ocorrência de cada uma delas no corpus de dados analisados (tabela 6).

Reitera-se que o software Atlas.ti não é capaz de conduzir por si só a análise dos dados. O software atua exclusivamente como gerenciador de documentos, otimizando o processo analítico, entretanto, continua cabendo ao pesquisador a leitura e estabelecimento da codificação e relações entre os códigos gerados.

Figura 37: Geração de grupos de códigos com uso do software Atlas.ti, a qual relaciona as categorias iniciais e as categorias iniciais da pesquisa

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Figura 38: Rede semântica contendo os grupos de códigos relacionando as categorias iniciais e as categorias iniciais da pesquisa, originados com uso do software Atlas.ti

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Tabela 8: Frequência de ocorrência de cada uma das categorias inicial e intermediária no corpus de dados

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Em análise das categorias após a etapa de reorganização, tem-se que aproximadamente metade das falas destacadas no corpus de dados relacionam-se diretamente à temática dos Recursos Hídricos. Dentre elas, sobrelevam-se a categoria intermediária A1, a qual apresenta os relatos de experiências vividas pelos participantes (41,7% das falas registradas na categoria A), o que demonstra a existência da percepção ambiental por parte do grupo para as problemáticas relativas à qualidade das águas.

A análise da prevalência da categoria nos permite inferir que grande parte dos participantes do curso de formação é sensível em relação a questão das águas presentes na bacia situada em suas localidades, e compreende sua importância.

Entretanto, na maior parte das falas, os participantes apresentam afligimento com relação a falta de sensibilidade notada por parte da população, tamanha a sensação de normalidade que é trazida pelo hábito de se viver em um local com crônica degradação ambiental.

A partir dos extratos textuais analisados, nota-se a contextualização das falas dos palestrantes com os problemas cotidianos vivenciados em suas localidades e atrelados a má conservação das águas, o que sinaliza o potencial de se discutir a temática ambiental com foco nos Recursos Hídricos nas unidades escolares em que atuam com o objetivo de transformar pessoas e realidades. Indo além dos limites das disciplinas de Biologia e Geografia, as falas dos participantes evidenciaram questões socioculturais e científicas, tanto locais quanto globais, ao se pontuar o meio de sustento da população a partir do rio; a construção da cidade ao redor da calha do rio;

a coleta de água para consumo e despejo de efluentes em pontos próximos, ocasionando a veiculação de doenças e redução na qualidade de vida da população;

e o receio da população em ter contato direto com uma água tratada quimicamente.

Outra categoria fortemente detectada são as categorias referentes a reflexões socioambientais, relacionados direta e indiretamente à temática das águas (A6 e A7), com frequências de 23,3% e 15,53%, respectivamente. Nessa categoria, um grande destaque foi dado nas falas dos participantes com relação aos despejos de esgoto in natura em corpos hídricos do entorno de suas residências e escolas.

Pontuschka et. al., (2007) evoca a compreensão de que, no contexto da educação ambiental, uma bacia hidrográfica não deve ser vislumbrada unicamente como um rio principal e seus afluentes, entretanto, local dinâmico de trocas de matéria e energia, assim como palco para a história humana.

Tundisi (2005), por sua vez, apresenta que, com a disseminação de conhecimentos acerca da dinâmica das bacias hidrográficas, bem como com o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para a conservação dos recursos hídricos, ampliou-se a noção de que a água se constitui em um recurso finito e com limites de utilização, uma vez que os custos para sua recuperação estão cada vez mais elevados.

A fala de um dos participantes, destacada no quadro 7, exemplifica tais relatos de degradação de corpos hídricos.

Quadro 8: Transcrição de fala de um participante do curso de formação com relação a presença de despejo de efluentes brutos em um corpo hídrico de sua localidade

Participante 3 : Vivi de perto essa situação do esgoto ser jogado no rio. Em 2019 trabalhei numa escola em Nova Almeida na Serra-ES. E os alunos viviam com o despejo do esgoto no rio dos Reis Magos, considerando tudo a coisa mais normal do mundo.

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Ainda referente a questão da qualidade das águas, detectou-se a percepção dos cursistas para a problemática socioambiental da poluição hídrica por necrochorume (chorume proveniente da decomposição de cadáveres), demonstrando bastante conexão do grupo com os problemas decorrentes de um panorama tão atual como o aumento do número de óbitos em decorrência da pandemia do COVID- 19. Algumas falas relativas ao assunto encontram-se pontuadas no quadro 8.

Quadro 9: Transcrições de trechos de falas dos participantes acerca da problemática do necrochorume nas águas

Quadro 10: Transcrições de trechos de falas dos participantes acerca da problemática do necrochorume nas águas (Continuação)

Felipe (palestrante): “Existe a legislação que determina o monitoramento, mas, pouco as pessoas sabem disso, de seus efeitos no solo e na água. É tudo muito novo em relação a essa pandemia e essa demanda precisa da atenção de todos para a melhor gestão das cidades. O que sabemos é que ainda não há um sistema de monitoramento e tratamento de necrochorume, mesmo sendo uma demanda tão urgente”.

Participante 3: “Aqui na orla da minha cidade a gente tem uma fonte de água bem pertinho do cemitério da cidade, a fonte de Santa Cruz... As pessoas utilizam sem saber de uma rotina de tratamento, é uma área de acesso livre, todo mundo pega água de lá pra beber. Há muitos boatos sobre os efeitos que isso pode causar na água”.

Participante 8: “Eu sei onde é essa fonte. E isso reverbera na saúde das pessoas, porque as pessoas têm a cultura de beber água dessa fonte e rejeitar a água que vem do tratamento. Mas, eu já vi que existem muitos estudos que relacionam uma coisa à outra (necrochorume a poluição das águas subterrâneas), e já estão analisando diversos contextos de bacia e considerando que até o coronavírus pode ser transmitido por veiculação hídrica”.

Participante 1: “Muita gente mesmo prefere água da nascente e do poço, por causa do cheiro da água que tem muito produto químico, com cheiro de cloro. ”

Participante 2: “A questão do cheiro, às vezes, é uma reação do cloro com a sujeira da água”

Felipe (palestrante): “Sim. Às vezes, as pessoas reclamam até da cor da água de manhã cedo, dizendo que a água está leitosa, cheia de cloro. Na verdade, ela fica saturada de ar quando há muito bombeamento na rede. O sistema de bombeamento bombeou a noite toda e houve pouco consumo durante a noite. O ar que estava na rede se dissolveu na água. Mas, vencer questões culturais é algo complicado. ”

Participante 15: “É, questão cultural é complicada. Na minha cidade, a taxa de coleta e tratamento de esgoto é altíssima, mas, o esgoto é todo jogado no mangue”

Participante 18: “Tem concessionaria que cobra 50% do valor de taxa de água para cobrir o curso de transporte de esgoto. Mas às vezes nem trata, não tem estação só transfere para longe das pessoas mesmo”.

Participante 15: “Pois é. E a maioria das pessoas aqui tiram sua renda da pesca de marisco. E o local é bem poluído. ”

Participante 7: “Muita gente não sabe nada sobre saneamento básico e como isso impacta nas vidas deles mesmos de forma direta ou indireta. Daí muita gente pensa em fazer uma economia a curto prazo e não aceita fazer ligação na rede de coleta de esgoto e acaba levando essa poluição para seus rios do entorno, piorando a vida deles mesmos a longo prazo”

Participante 9: ‘Na minha cidade não tem esgoto e nem água tratada. A construção da comunidade foi feita em torno do rio principal. A gente usa essa água para tudo”

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Ainda que nas discussões estabelecidas nos encontros tenha-se percebida o despertar do grupo de cursistas para a questão da conservação da qualidade das águas, no decorrer dos debates evidenciou-se o desconhecimento das etapas, instrumentos e processos de gerenciamento de Recursos Hídricos. Do conjunto de 19 participantes, apenas 2 afirmaram conhecer a existência do comitê de bacias de sua região.

No tocante ao aspecto político relacionado a gestão das águas nas cidades, um relevante ponto de discussão que tomou espaço nos diálogos instituídos durante os encontros: Alguns participantes salientaram um possível desinteresse do poder público em integrar a população aos diálogos, assim como negligenciar a oferta de serviços de saneamento dos locais, o que impacta diretamente a qualidade das águas.

Um dos participantes teceu uma crítica a uma experiência vivida e pontuou em sua fala a desvinculação dos processos de gestão das águas nas bacias e da academia em que se formam os profissionais de licenciatura. Outro participante, por sua vez, atribuiu problemas de oferta de serviço de saneamento e melhoria nos processos de tratamento de efluentes e devolução do mesmo ao corpo hídrico ao poder público, conforme apontado no quadro 9.

Quadro 11: Transcrição de fala de participantes do curso de formação, apresentando reflexões socioambientais e políticas ao longo das falas registradas

Participante 16: “na minha cidade, houve uma expedição científica na foz do Rio Iconha para estudarem melhor sobre o monitoramento água na da região. Foi tudo organizado pela prefeitura e o comitê de bacias hidrográficas, mas, eu acho que deveriam ter convidado professores, pesquisadores locais também... Já que falam tanto que a população deve se inteirar desses assuntos, então, acho que ninguém melhor do que professores para participar e levar isso para as escolas depois, né?!”

Participante 4: Em minha cidade não tem ainda tratamento de esgoto, em 2010 iniciou-se o processo de construção de uma unidade de tratamento, foi realizado o sistema de drenagem na maioria da ruas.

Porém o projeto parou. E só retornou o projeto ano passado, falta a construção da ETE. Porém, tem um processo muito comum da política brasileira, esgoto, rede de drenagem, fica oculto, ninguém vê, então, fica para depois. Crítico.

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Tais constatações pontuadas pelos participantes suscitaram a reflexão sobre a necessidade de se promover uma real integração da sociedade civil organizada com os processos decisórios em uma bacia hidrográfica.

Loureiro (2003) aponta que a implementação de propostas relacionadas a questões ambientais em sala de aula por si só não garante uma efetiva transformação socioambiental, podendo apenas reproduzir vieses conservadores de educação e da sociedade, caso os diálogos sejam conduzidos de forma rasa. Arroyo (1987), por sua vez, alerta para o papel da formação do cidadão na construção da cidadania por meio da Educação Ambiental.

Concernente ao código A4, o qual refere-se às potencialidades da temática dos Recursos Hídricos, evidenciou-se que os participantes apresentaram aos primeiros encontros falas fortemente firmadas na concepçao estritamente conceitual. Nos relatos utilizados para a construção do código B8, referente ao relato de intervenções pedagógicas realizadas na atuação, também nota-se o a presença de conteudismo e práticas ambientais desvinculadas de uma análise do contexto social no qual insere-se o grupo participante em algumas falas (quadro 10)

Quadro 12: Transcrição de falas dos participantes relatando a realização de intervenções pedagógicas concernentes à temática dos Recursos Hidricos denotando a presença de conteudismo e práticas ambientais desvinculadas de uma análise do contexto social

Participante 1: “Os recursos hídricos fazem parte dos conteúdos nos livros didáticos. O que eu sempre trabalhei essa parte do livro”.

Participante 12: “Atuo com o 5o ano do ensino fundamental e faz parte do currículo conteúdos como ciclo da água, curso do rio, processo de assoreamento”;

Participante 14: “Trabalhei a questão sobre os usos e como economizar, mas, só com o livro mesmo”

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Em um processo formativo, é imprescindível que o confronto entre as ideias iniciais apresentadas por um grupo e os conceitos construídos propiciem sentido e direção ao processo de ensino-aprendizagem. No decorrer dos diálogos estabelecidos nos encontros nos encontros subsequentes, por sua vez, tornou-se evidente o atentar do

grupo para a inclusão dos recortes sociais nas propostas de intervenção ambiental, conforme evidenciado no quadro 11.

Quadro 13: Transcrição de falas dos participantes denotando a inclusão de discussões socioambientais nas propostas de intervenção

Participante 7: “Em química dentro do conteúdo de soluções, pensei que poderia fazer um censo das águas do município, com perguntas referentes ao uso da água na residência do estudante, bem como a principal fonte de água de sua residência, para mapear um perfil das comunidades do município, e por fim, os alunos perceberem onde podem realizar ações de economia, reuso, entre outras ações”;

Participante 9: “Acho importante falar com criticidade sobre pouco empenho do setor público em evitar desperdício da água e de valorizar as porções de água no ambiente urbano”

Participante 11: “Na minha sala de aula, eu consegui usar um site que mostra a calculadora de pegada hídrica. Os alunos gostaram muito de entender que a água que a gente gasta não é só a que a gente bebe e a do banho, mas, também a água que é utilizada na produção dos itens que a gente compra”.

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Dias (2004) destaca que a incorporação da temática ambiental enquanto campo da educação passou gradativamente a ser compreendida como elemento primordial para o combate à crise ambiental mundial, pondo holofotes sobre a urgência do reordenamento das prioridades humanas. Destarte, a Educação Ambiental passou a ser considerada um domínio para a ação pedagógica.

Layrargues e Lima (2014) evocam o olhar para a Educação Ambiental com vistas ao desenvolvimento de propostas de práticas educativas visando o despertar de uma conscientização humana para a conservação da natureza, em associação à adequada compreensão das relações sociais que permeiam os problemas ambientais nos territórios. Tais colocações são corroboradas por Carvalho (2004), ao afirmar que:

A Educação Ambiental é concebida inicialmente como preocupação dos movimentos ecológicos com uma prática de conscientização de chamar a atenção para a má distribuição dos recursos naturais e envolver os cidadãos em ações sociais ambientalmente apropriadas.

Mais tarde, ela transformou-se em uma proposta educativa no sentido de dialogar com diferentes campos de saberes, tradições e teorias.

(CARVALHO, 2004).

Em face a busca por uma visão de Educação Ambiental plural e dialógica, Freire, em uma publicação póstuma denominada “Pedagogia da Indignação” (1999), nos apresenta suas inquietações no tocante à responsabilidade humana de ajustar suas relações com o ambiente natural, entendendo-se como parte deste todo:

Urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas.

Não creio na amorosidade entre homens e mulheres, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador.

(FREIRE, 1999, p 67)

Para além das discussões acerca dos usos das águas e dos contextos de suas localidades, os participantes destacaram em diversos momentos de diálogo os desafios relacionados à prática docente (categoria B5), as quais foram fortemente registradas em 64,7% das falas arroladas à categoria inicial B, a qual versa acerca de falas relacionadas à prática educativa, com foco no desafio que é romper com o ensino tradicional em locais com baixo investimento de formação de professores, pouco recurso para o desenvolvimento de atividades práticas diferenciadas, a defasagem dos alunos em relação à série em que estão (quadro 12). Saviani (2009), em sua obra, evidencia uma histórica relegação do preparo didático-pedagógico a um segundo plano nos cursos de formação de professores.

Quadro 14: Transcrição de trechos de falas dos participantes acerca do desafio da prática docente

Participante 17: “É muito interessante: A gente vive em um mundo que as teorias educacionais são muito bonitas, mas, ás vezes, a sala de aula é um mistério. Eu percebo isso cá em Portugal, porque eu achava que aqui do outro país da Europa eu teria mais facilidade de trabalhar, mas, várias vezes eu fiz um planejamento considerando usar um equipamento, um projetor multimídia, mas, chego lá na escola e não tem projetor disponível, não tem tomada, nao funciona internet. Então, tal como no Brasil, a gente tem que ir para a sala de aula com três cartas na manga, e muitas vezes acaba caindo na aula expositiva mesmo.”

Participante 4: “Nunca pensei que fosse tão difícil fazer um curso assim a distância. É muito complicado estudar e trabalhar, e na maioria das vezes a escola não dá subsídios para o professor se capacitar de verdade. Só promovem reuniões rápidas e na maioria das vezes elas se perdem em seus objetivos, ficando só focada em reclamar de alunos mesmo. Acaba sendo como um muro de lamentações e não para ajudar o professor a aprender ferramentas para trabalhar ou trocar informações com o colega.”

Participante 8: “Até o horário de planejamento é contado, não dá pra dialogar muito com os colegas da escola para planejar diferentes ações... É só pauta, papel, pauta, papel.”

Quadro 15: Transcrição de trechos de falas dos participantes acerca do desafio da prática docente (Continuação)

O hiato existente entre a teoria e a prática existente nos cursos de licenciatura, aliada às deficitárias políticas educacionais vigentes e à precarização das condições de formação e de trabalho do professorado, como destaca Gatti (2010), conduzem a um cenário desafiador que vai além da necessidade de realizar uma simples reformulação no currículo formativo dos professores, o qual demanda uma modificação do cenário da profissão e a frequente reflexão acerca da função dos professores na sociedade.

Tal conjuntura, acrescido da intensificação na carga horária de trabalho apontado por Novoa (1992), leva os professores a realizar apenas o imprescindível para o cumprimento de suas atividades, tornando o planejamento baseado em reflexões e novos aprendizados cada vez mais escasso, dificultando o seu processo de formação, reflexões contínuas e construção do próprio saber e gradativamente depreciando o trabalho docente.

Escritos de Almeida e Biajone (2007), por sua vez, vêm a enriquecer a presente discussão, salientando que tal panorama de valorização da abordagem teórica em prejuízo da articulação com a prática educacional nos cursos de formação de professores conduz a um “automatismo” do processo do ensino, construído a partir de uma prática docente balizada na experiência e cultura do professor, sendo realizada

como simples transmissão de conhecimentos e sem a constituição de uma sólida base de conhecimentos científicos e pedagógicos para o desenvolvimento de práticas educativas que levem em consideração as configurações sociais dos discentes.

Ainda nessa categoria, identificou-se a pontuação de dificuldades relacionadas ao contexto de ensino remoto em razão da pandemia da COVID-19. Dentre as falas, frisou-se o desafio com o aprendizado de novas ferramentas tecnológicas em um curto espaço de tempo e, na maior parte das vezes, sem um devido treinamento; a perda de espaço pessoal, em virtude de os telefones particulares dos professores passarem a ser intensamente utilizados como ferramenta de trabalho, o que gerou sentimento de sobrecarga e ansiedade nos mesmos; a falta de personalização nas aulas, uma vez que muitos alunos tornavam-se relutantes em ligar a câmera e interagir ao longo das aulas síncronas; a falta ou a insuficiência de recursos adequados para a ministração de aulas de forma remota e até mesmo o cansaço relacionado à intensa exposição às tecnologias na execução das atividades laborais e nos cursos de formação, o que destoa do que outrora era o habitual da rotina do professor (quadro 13).

Quadro 16: Transcrição de trechos de falas dos participantes acerca do desafio da prática docente no período de pandemia

Participante 4: “E ainda no contexto de pandemia... Está caindo o mundo e eles querem que a gente entregue pauta. O Mundo acabando, morrendo gente, colegas de trabalho, familiares, e estão

cobrando da gente como se nada estivesse acontecendo”.

Participante 12: “A gente teve um minuto para aprender a utilizar ferramenta tecnologicas sem treinamento nenhum. Eu falo por mim: em março do ano passado quando suspenderam as aulas eu não sabia gravar aula. Alguém quis saber? Só falaram: Faz!”

Participante 7: “Às vezes a gente faz o processo educacional de uma forma tão engessada, só foca em

”tem que aprender”, “tem que memorizar”, tem que decorar”, a gente acaba nem refletindo mais sobre o que estamos fazendo na escola.”

Participante 4: “Eu acho que eu estou, gente, em uns 40 grupos de trabalho... e manda mensagem ali e manda mensagem aqui, e manda que manda cá e, quando a gente vê, já são meia-noite a gente está respondendo coisa de trabalho e qual é o momento em que a gente desliga?”

Participante 8: “A minha experiência de período de aulas online também é a mesma... Difícil mesmo!

Parece que você não sai do trabalho. Está bem pior que o presencial que, é corrido, mas, você chega em casa você pode ver um filme, tomar um café sem alguém te mandar mensagem o tempo todo”

Fonte: Dados da pesquisa (2021)