• Nenhum resultado encontrado

A Tripla Convergência

No documento UMA BREVE HISTÓRIA DO SÉCULO XXI (páginas 194-200)

que é a tripla convergência? Para explicar melhor, vou contar uma história que aconteceu comigo e falar de um dos meus comerciais de TV favoritos.

O caso se deu em março de 2004, Eu estava planejando voar de Baltimore para Hartford pela Southwest Airlines para visitar minha filha Orly, que estuda em New Haven, Connecticut. Como sou esperto com coisas tecnológicas, não me preocupei em adquirir uma passagem de papel: reservei um bilhete eletrônico através do meu American Express. Como todo mundo que costuma viajar pela Soudiwest sabe, a companhia barateira não trabalha com lugares marcados. Ao fazer o check in, tudo o que diz na passagem é A, B ou C; os As têm prioridade no embarque, depois vêm os Bs e, por último, os Cs. Como os veteranos da Southwest também sabem, ninguém gosta de ser C, porque, provavelmente, vai acabar espremido no meio da aeronave, sem espaço para guardar a bagagem no compartimenco sobre a poltrona. Quem quiser sentar na janela ou no corredor e encontrar espaço para a bagagem de mão, melhor estar entre os As. Assim, levantei cedo para chegar ao aeroporto de Baltimore com 95 minutos de antece- dência, fui direto para a máquina da Southwest Airlines que emite os bi- lhetes eletrônicos, inseri meu cartão de crédito e digitei os dados necessários na tela para pedir minha passagem — afinal, eu sou um cara moderno. Ao conferir meu bilhete, era um B.

Fiquei danado da vida. "Como é que pode ser B?", eu me pergun- tei, olhando para o relógio. "Não tem como tanta gente ter chegado

O MUNI*» K 1'UNli

antes de mim. Este negócio é armado. Só pode ser uma farsa. Esta maquinem não serve para nada!"

Saí pisando firme, passei pelos procedimentos de segurança, com- prei um doce para comer e sentei, muito emburrado, no final da fila B, esperando para embarcar com o resro da manada e brigar pelo espaço nos bagageiros. Quarenta minutos depois, chamaram o vôo; da fila B, observei com inveja todos aqueles As entrando no avião antes de mim, com mal disfarçado ar de superioridade. Foi aí que vi uma coisa.

Muitas das pessoas que estavam na fila A não levavam bilhetes ele- trônicos normais, como o meu. O que tinham nas mãos eram folhas de papel meio amarrotadas, em que se viam as passagens e os respectivos códigos de barras que pareciam ter sido impressos em casa. Parecia are que os As haviam baixado os bilhetes pela Internet e usado suas impres- soras domésticas para emiti-los --o que, como não demorei a descobrir,

era exatamente o que eles tinham feito. Eu ainda não sabia, mas a Southwest havia divulgado, não fazia muito tempo, que, a partir de meia-noite ames do vôo, seria possível fazer o download da passagem, imprimi-la e dirigir-se com ela para o portão de embarque.

"Fnedman", pensei então com os meus botões, vendo aquela cena, "você é século XX demais... É muito Globalização 2.0." Na Globalização 1.0, um funcionário emitia a passagem. Na Globalização 2.0, ele foi subs- tituído por uma máquina. Na Globalização 3.0, você mesmo cuida disso.

comercial a que me referi é da Konica Minolta Business Technologies, sobre um novo multifuncional chamado bizhub — um equipamento para escritórios que faz impressões coloridas ou preto-e-branco, copia, envia fax, escaneia, digitaliza documentos para enviar por e-mailou os envia por fax pela Internet, tudo do mesmo aparelho. O anúncio começa com uma rápida alternância de imagens de dois homens, um na sua sala e outro diante do hizhuh. Os dois estão perto um do outro o suficiente para conseguirem se ouvir, se elevarem um pouco a voz. Dom ocupa um lugar mais alto na hierarquia, mas é o tipo de cara que ficou para trás em relação às últimas novidades tecnológicas -- o meu tipo. Inclinando-se para trás na cadeira e olhando pela porta da sala, ele vê Ted junto ao bizJwb.

202

Dom (da sua mesa): Escuta, estou precisando daquele gráfico. Ted (nafrente do bizhub): Estou mandando agora por e-mail. Dom: Você está mandando um e-mai/da copiadora?

Ted; Não, estou mandando o e-mail ao bizhub.

Dom: Bizhub? Espera aí, você já tirou as minhas cópias? Ted: Vou tirar assim que terminar de escanear isso aqui. Dom: Você está escaneando com o aparelho de e-mait*. Ted: Aparelho de e-maifí Não, com o bizhub.

Dom (espantado}: E fazendo as cópias?

Ted (tentando não perder a calma): Primeiro eu mando o

e-mail, depois escaneío, depois copio. Dom (pausa longa): Bizhub?

Locutor (Em off, sobre um gráfico animado do bizhub, mos-

trando sttas diversas funções): Versatilidade a toda prova e cores por um preço que você pode pagar. Bizhub, da Konica Minolta.

(Cana para Dom parado, sozinha, diante do bizhub, tentando

ver se a máquina não lhe serve também um cafezinho.)

A Southwest só pôde criar a emissão de passagens em casa e a Konica Minolta, o bizhub-, graças ao que eu chamo de tripla convergência. E quaís são os seus componentes? A resposta mais sintética é a seguinte: primeiro, por volta do ano 2000, todas as dez forças discutidas no capítulo anterior começaram a convergir, interagindo de maneira a gerar um novo campo global, mais nivelado. À medida que este se consolidava, pessoas físicas e jurídicas começaram a adotar novos hábitos, habilidades e processos, a fim de explorar ao máximo as novas possibilidade?,. Assim, os modos de criação de vaíor até então vigentes, eminentemente verticais, foram sendo pouco a pouco substituídos por outros, mais horizontais. O encontro desse novo campo para operação com as novas formas de atuação constituiu a segunda convergência, que na verdade ajudou a achatar a Terra ainda mais. Por rim, enquanto acontecia todo esse nivelamento, entrou no jogo um novo grupo de pessoas — bilhões delas, na verdade, oriundas da China, índia e do antigo Império Soviético — e, graças ao novo mundo plano c suas novas ferramentas, muitas

n MUNI»)E PUNO

delas logo tiveram condições de entrar no jogo da colaboração e concor- rência direta com os demais. Foi a terceira convergência. Agora, veremos cada uma em detalhes.

PRIMEIRA CONVERGÊNCIA

A s dez forças discutidas no capítulo anterior estão em ação, como se ./Xsabe, desde a década de 1990, se não antes. Entretanto, foi preciso que elas se disseminassem, arraigassem e interligassem umas às outras para que operassem sua mágica sobre o mundo. Por exemplo: em algum momento em 2003, a Southwest Airlines percebeu que já havia PCs em número suficiente por aí, suficiente largura de banda, espaço de armazenamento, clientes familiarizados com a Internet e know-how de

íoftivare para a companhia criar um sistema de fluxo de trabalho que possibilitasse aos seus passageiros baixar e imprimir seus próprios car- tões de embarque em casa, tão fácil quanto receber um e-mail Surgira uma possibilidade inédita de colaboração entre a Southwest e seus clien- tes. Mais ou menos na mesma época, o softwareeo hardware às fluxo de trabalho convergiram de tal forma que foi possível para a Konica Minolta oferecer recursos de scanner, e-mail, impressão, fax e fotocópia no mesmo

equipamento. Foi a primeira convergência.

Como assinala Paul Romer, economista da Universidade de Stanford, sabe-se há muito tempo, em economia, que "certos bens são complementares, quer dizer, o produto A será muito mais valioso se você também possuir o produto B. Foi bom ter papel; em seguida, foi bom ter lápis; sempre que se obtinha mais de um, obtinha-se mais do outro também - - e com o aumento de qualidade de um e de outro, houve um aumento de produtividade. É o que se chama de incremento concomitante de bens complementares".

Minha tese é que, com a queda do Muro de Berlim e o advento do Netscape, fluxo de trabalho, terceirização, offihoring, código aberto, internalização, cadeia de fornecimento, in-formacâo e esteróides que vieram amplificá-los — todos esses elementos reforçaram-se uns aos

CONVER06NCM

outros, como bens complememares. Só era preciso tempo para que rodos convergissem e começassem a interagir de modo complementar, reforçando-se mutuamente — o que começou a acontecer por volta do ano 2000.

O resultado final dessa convergência foi a criação de um campo de jogo global, mediado pela web, que viabiliza diversas modalidades de colabora-

ção (isto é, o compartilhamento de conhecimento e trabalho) em tempo real, independentemente de geografia, distância ou, num futuro próximo, até mesmo de idioma. Não, nem todos têm acesso ainda a tal plataforma, a esse campo de jogo, mas ele hoje está mais aberto, para mais pessoas, de mais lugares diferentes, durante mais [empo e de uma maior variedade deformas que em qualquer momento anterior da história do mundo. Era a isso que eu estava me referindo quando afirmei que a Terra se achatou. A essa convergência complementar das dez forças de nivelamento, dando origem a. esse novo terreno global para modalidades diversas de colaboração.

SEGUNDA CONVERGÊNCIA

ei, diz você, mas por que então foi só nos últimos anos que se começou a ver, nos Estados Unidos, as grandes explosões de produtividade que deveriam acompanhar tamanho salto tecnológico? Muito simples; porque sempre demora para todas as tecnologias associadas, bem como os processos e hábitos empresariais necessários para aproveitá-las ao máximo, convergirem e gerarem o próximo surto de produtividade. A introdução de uma nova tecnologia, por si só, nunca é suficiente. As grandes irrupções de produtividade ocorrem quando a nova tecnologia se combina a novas maneiras de atuar. O Wal-Mart teve saltos de produ- tividade ao associar a venda por atacado -- com lojas onde os clientes podiam comprar sabão para seis meses — a novos sistemas horizontais de gerenciamento da cadeia de fornecimento, que permitiram à empresa fazer uma ligação automática entre o que um consumidor tirava da pra- teleira de uma loja em Kansas City e o que um fornecedor, no litoral da China, deveria produzir.

205

I.MDNIK) f «.ANO

Quando os computadores foram introduzidos nos escritórios, espe- rava-se um grande surto de produtividade — que, todavia, não aconteceu de imediato, para decepção e uma certa confusão de muitos. O renomado economista Robert Solow chegou a brincar que os computadores estavam por toda parte — menos "nas estatísticas de produtividade".

Num revolucionário artigo de 1989, " Computer and Dynatno: The

Modern l*roductivity Paradox in a Not-Too Distam Mirror" {"O Compu- tador e o Dínaino: o Moderno Paradoxo da Produtividade num Espelho não muito Distante"), o historiador econômico Paul A. David justificou tal lacuna apontando um precedente histórico: apesar de a lâmpada L-lárica ter sido inventada em 1879, passaram-se várias décadas antes que o uso da eletricidade se consolidasse e exercesse um grande impacto econômico e sobre a produtividade. Por quê? Porque não bastava instalar motores elétricos e desfazer-se da tecnologia antiga (as máquinas a vapor). Era preciso reconfigurar o esquema de fabricação inteiro. No caso da eletricidade, assinala David, a chave foi a transformação da es- trutura e gerenciamento das instalações e linhas de montagem. Na era do vapor, as fábricas eram construções pesadas, de vários andares, dispendiosas, projetadas para suportar as pesadas esteiras e demais me- canismos de transmissão de grande porte necessários ao funcionamento dos equipamentos a vapor. Com -i introdução dos motores elétricos, menores e mais potentes, todos ficaram na expectativa de um surto de produtividade — que, entretanto, demorou a ocorrer. Para que se con-Lirti/.iisscm todas as possibilidades de economia, era preciso refazer os projetos arquitetônicos; eram necessárias fábricas compridas, baixas, de um único andar e de construção barata, em que pequenos motores elé- tricos alimentariam máquinas de todos os tamanhos. Foi só a partir da constituição de uma massa crítica de arquitetos, engenheiros elétricos e gerentes capazes de compreender as relações de complementaridade entre o motor elétrico e a reestruturação das fábricas e da linha de produção, escreve David, que a adoção da eletricidade efetivamente acarretou uma explosão de produtividade na fabricação.

É o que está acontecendo, hoje, com o achatamento do mundo. Muitas das dez forças niveladoras estão em ação há anos. Para os efeitos do achatamento serem sentidos em sua plenitude, porém, era preciso

ri)Nviüí<

não só que essas dez forças convergissem, mas também algo mais. Era preciso que surgisse uma massa crítica de gerentes, inovadores, consul- tores empresariais, escolas de administração, designers, especialistas em TI, principais executivos e profissionais familiarizados com e capazes de desenvolver as modalidades de colaboração horizontal, processos de criação de valor e hábitos que lhes permitiriam tirar proveito do novo terreno, mais nivelado. Em suma, a convergência das dez forças deflagrou a convergência de uma série de práticas empresariais c habilidades que explorariam ao máximo o mundo plano. Então, essas duas instâncias começaram a reforçar-se mutuamente.

- As pessoas perguntavam: "Por que a revolução da TI não acarre tou um aumento imediato da produtividade?", mas para isso era preciso mais que apenas computadores — ressalva Romer. — Eram necessários novos processos de negócios e os novos tipos de habilidades correspon dentes. O novo modo de fazer as coisas agrega mais valor às tecnologias da informação; as novas e melhores tecnologias da informação aumen tam a possibilidade de novas maneiras de as coisas serem feitas.

A Globalização 2.0 foi a era dos main/rames, uma computação emi- nentemente vertical, baseada no comando e controle, em que as empresas e cada uma das suas unidades de negócios organizavam-se de forma estanque e vertical. A Globalização 3.0, que se ergue em torno da con- vergência dos dez fatores de nivelamento que discutimos — e sobretudo da combinação entre computadores pessoais, microprocessadores, Internet e fibra óptica —, inverteu esse formato, horizontalizando-o.

- Substituímos uma cadeia de comando vertical para a criação de valor por outra mais horizontal -- explica Carly Fiorina. As inovações em empresas como a HP, explica ela, são hoje cada vez mais fruto da colaboração horizontal entre diferentes departamentos e equipes espa lhados por todo o mundo. Por exemplo: a HP, a Cisco e a Nokia recen temente colaboraram no desenvolvimento de uma câmera/telefone ce lular que transmite (sem necessidade de cabos) suas fotos digitais para impressão imediata por uma impressora HP. Cada uma das três empre sas havia desenvolvido uma tecnologia sofisticadíssima dentro de sua própria especialidade, mas só foi possível agregar valor mediante sua com binação horizontal.

No documento UMA BREVE HISTÓRIA DO SÉCULO XXI (páginas 194-200)

Documentos relacionados