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PARTE I – ESTADO DA ARTE

1. O fenómeno do turismo

1.3. O turismo como atividade sustentável

A questão relativamente recente da sustentabilidade em turismo é um dos sinais de maturidade de um setor que sentiu necessidade de se transformar para sobreviver à sua ascensão apoteótica.

Para além do desgaste ambiental, social e cultural que o turismo enfrenta com o crescimento do setor, mas que é amenizado com a implementação de medidas sustentáveis, o turismo enfrenta outros desafios, como a elevação da competitividade à medida que novos destinos emergem, a entrada de novos consumidores no mercado, a complexificação dos desejos dos consumidores e, até, a ameaça do terrorismo.

1.3. O turismo como atividade sustentável

Um dos esquemas de sistema turístico mais simples e mais referido pela literatura da especialidade é o de Leiper (1990, in Pender, 2008). É constituído por três elementos básicos: os turistas; os elementos geográficos (locais de origem de turistas, destinos e o espaço da rota turística entre os dois) e a indústria do turismo. O sistema define-se pela interação e os impactos entre eles.

O turismo é muitas vezes visto como um agente para o desenvolvimento ou renascimento de regiões e países, principalmente por gerar emprego e injetar capital nos destinos.

Mas é preciso distinguir crescimento económico não planeado que pode levar a graves problemas ambientais, sociais e económicos e desenvolvimento económico-social sustentado e sustentável. Todos os intervenientes do sistema, os key players, influenciam o rumo tomado, e devem unir-se de forma a ultrapassar o objetivo primário do lucro (Telfer, 2008).

No destino, o turista contacta com o ambiente, a economia, a cultura e a sociedade locais, tendo a sua visita impacto nessas áreas, direta e indiretamente. Este impacto pode ser positivo e/ou negativo. Esses impactos são teoricamente delimitados entre socioculturais, económicos e ambientais, mas na prática a diferença é esbatida.

Mason (2009), adaptando o trabalho de Davison (1996) e Wall (1997), elenca as maiores influências nos impactos do turismo: as características do destino (litoral ou interior, desenvolvido ou em desenvolvimento, urbano ou rural); a escala do turismo (volume de turistas, entre outros); as características do turista; o impacto no ambiente, sociedade e economia das atividades em que o turista se envolve; as infraestruturas reservadas ao turismo (estradas,

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sistema de esgoto, rede elétrica,...); a fase do ciclo de vida do destino; a época turística do destino (época do ano, condições climatéricas e ambientais nessa altura, …).

Os impactos económicos são os mais estudados no turismo. Os governos dos vários países consideram mais os impactos positivos que os negativos e os países em desenvolvimento consideram o turismo o caminho mais adequado para o desenvolvimento. De facto, entre as consequências positivas podemos referir o contributo para o equilíbrio da balança financeira externa, para os rendimentos do Estado, para o desenvolvimento regional e a criação de empregos. Porém, os aspetos negativos são bem mais subvalorizados. Entre estes podemos enumerar a dependência do turismo, a inflação de preços e valores das propriedades, a apropriação de bens e poder capital na região por parte dos agentes externos e o aumento da despesa com infraestruturas, serviços e atrações turísticas (Bennet, 1997a; Mason, 2009).

Os impactos socioculturais referem-se àqueles que afetam não só os locais mas também os próprios visitantes. Quanto maior a diferença cultural entre visitante e visitado, maior o impacto. Os impactos negativos são os mais reconhecidos, sendo a aculturação o mais referido. Tendo em conta o caso de países em desenvolvimento, que são visitados por turistas de culturas frequentemente mais dominantes, os locais tendem a absorver a cultura do visitante, abandonando gradualmente os aspetos diferenciadores da sua cultura. Isto choca com a motivação do turista de experienciar o típico e o diferente, originando manifestações culturais falsas ou muito artificiais para serem vendidas aos turistas. Outros aspetos negativos dignos de nota são: o comportamento indevido do turista (que pode afetar as relações turista-local ou transformar os costumes e tradições dos segundos); o aumento do crime, do jogo e da prostituição (ou pelo menos, uma ligação mais estreita entre estes e o turismo); a inibição da modernização (quando o tradicional e o diferente são as atrações turísticas); a pressão na estrutura familiar pela mudança de poder de compra e encorajamento à migração; o congestionamento e competição entre turistas e habitantes pelos serviços locais; a perda de poder político por parte dos locais; a tensão racial entre comunidade e turistas; a uniformização através dos regulamentos para os trabalhadores turísticos e a atribuição dos empregos pior remunerados e menos especializados aos autóctones, enquanto elementos externos ficam com os melhores.

Ao mesmo tempo, podemos contar com impactos positivos como a criação de emprego, a regeneração de regiões pobres ou não industrializadas, o renascimento de artes locais e artesanais e de atividades culturais tradicionais, a revitalização da vida social e cultural da

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população local, a renovação das tradições arquiteturais, a promoção da necessidade de conservação de áreas de grande beleza e valor cultural e estético e da evolução política e social de regimes mais autoritários a mais abertos. Nos países em desenvolvimento, em particular, o turismo pode promover maior mobilidade social graças às mudanças de empregabilidade da agricultura tradicional para os serviços, que pode resultar em salários mais altos e em melhores perspetivas de emprego (Bennet, 1997a; Mason, 2009).

O ambiente (tido como a junção do ambiente natural, da vida selvagem, do ambiente rural e do ambiente construído) é um dos maiores recursos do turismo, mas a relação entre os dois sempre foi complexa. Se há especialistas que a definem como simbiótica, com o turismo a contribuir para a defesa do ambiente, outros há que a assumem como desequilibrada e como uma das maiores causas de degradação do ambiente (Mason, 2009).

O turismo beneficia o ambiente quando estimula medidas de proteção, promove o estabelecimento de parques e reservas de conservação ambiental, a preservação de monumentos e conjuntos monumentais protegidos e paga, indiretamente, a manutenção de património edificado e natural (Mason, 2009).

Por outro lado, temos a probabilidade dos turistas deitarem lixo fora dos recipientes adequados, contribuírem para o congestionamento do tráfego e dos locais ou para a poluição e para a erosão, promoverem a construção indevida que afeta o equilíbrio da paisagem natural e humana autóctone e provocarem distúrbios e danos quer nos habitats da vida selvagem quer no património edificado (Bennet, 1997a; Mason, 2009).

Para colmatar os impactos negativos no ambiente, provocados pela indústria, surge, nos anos 80, a noção de desenvolvimento sustentável no contexto da preocupação pela exaustão dos recursos naturais, sendo o Relatório Brundtland1 um marco nesse sentido. Nesse documento

definiu-se desenvolvimento sustentável como “desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas necessidades”. (Weaver, 2008: 10) Um pouco mais tarde incluiu-se a preocupação pelas condições e relações com as comunidades locais, demonstrada na Agenda 21, um documento produzido na Cimeira da Terra de 1992 no Rio de Janeiro.

Não há um conceito único de desenvolvimento sustentável, tal como não há um conceito único de turismo sustentável. Assim, as soluções para a sustentabilidade variam também, desde a

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O nome com que ficou conhecido o relatório de 1987, intitulado “Our Common Future”, da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento.

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visão tecnológica à visão ecológica, e desde a preocupação menos radical com a conservação até à ideia de não permitir o turismo nos locais mais sensíveis. É preciso entender que cada destino tem a sua especificidade, e não há um só modelo de sustentabilidade aplicável a todos os casos. O turismo sustentável é também um turismo ético, em que os regulamentos são cumpridos e são assumidas as responsabilidades pelos impactos negativos da atividade, maximizando-se os protocolos que levam aos impactos positivos.

À medida que o tema se foi desenvolvendo, o conceito foi-se tornando mais total, englobando todas as dimensões, e não só a dimensão sociocultural e ambiental. Deste modo podemos dizer que o turismo sustentável deve, de forma ideal, cumprir certos requisitos: evitar o esgotamento dos recursos locais; promover a integração das suas estruturas físicas e não físicas com o meio local, físico, social, cultural e económico; atuar com o mínimo de manipulação no meio natural; estar mais focado na qualidade do produto do que no lucro imediato e nos aspetos qualitativos da experiência individual em vez dos quantitativos relacionados com o número de pessoas que teve acesso a um tipo de experiência; atribuir o poder à comunidade local, no sentido de ter voz na gestão e planeamento; ser gerido por uma mistura equilibrada de elementos do setor público e do setor privado mais bem-intencionados e informados (Mason, 2009; Weaver, 2008; Sharpley, 2008b; Goodwin e Pender, 2008).

Com vista a trazer mais benefícios para a comunidade local, torna-se necessário trazer a sua voz para a gestão turística. A falta de formação e educação adequada entre os membros de uma comunidade e a diversidade de visões e interesses afetam geralmente a eficácia e a velocidade do processo de planeamento. Ainda assim, pode-se dizer que não é coerente o planeamento sustentável sem o envolvimento da comunidade (Mason, 2009).

Segundo Mason, (2009) são vários os fatores que influenciam o envolvimento da comunidade local no planeamento e na gestão turísticas: a natureza do sistema político nacional e local; o grau de literacia, principalmente política, da população local; a natureza de uma questão turística em particular; a presença das questões turísticas na comunidade; a forma como o turismo é percebido pelos membros da comunidade; o historial do envolvimento (ou falta dele) em questões turísticas e as atitudes e comportamento dos media perante as mesmas.

Recentemente, as preocupações com o consumo dos recursos finitos deram origem a agências governamentais e a correntes de turismo amigas do ambiente, como o ecoturismo. Por outro lado, cresceu o desejo da parte do turista de conhecer as comunidades dos locais visitados, para além de contribuir para a economia local, procurando um turismo mais justo e equitativo que o

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turismo convencional. As preocupações quanto à sustentabilidade do meio deram origem a códigos de conduta, com o objetivo de orientar as atitudes e o comportamento de quem reivindica essa preocupação. A criação desses códigos marcou os primeiros anos do turismo sustentável, em resposta ao apelo da Cimeira da Terra do Rio de Janeiro (1992) nesse sentido. Um estudo apresentado por Genot (1995, in Weaver, 2008) nesses anos iniciais esclareceu que estes códigos se orientam normalmente aos turistas, às comunidades locais ou à indústria turística. A criação de marcas ecológicas e a atribuição de prémios de sustentabilidade promovem o cumprimento destas regras (Weaver, 2008).

O turismo sustentável observa essas vertentes, e a sustentabilidade é um objetivo presente na indústria turística atual. É principalmente uma exigência dos turistas, mas também dos governos e das comunidades locais, e uma mudança da política das organizações turísticas (Mason, 2009).

As agências governamentais são organismos públicos que representam geralmente os interesses da população no turismo, regulando a sua atividade. Segundo Mason (2009), o lucro não é o seu objetivo, nem dependem dele, já que sobrevivem das contribuições dos cidadãos ao estado. Assim, assumem-se como entidades imparciais e mais capazes de desenvolver um planeamento a longo prazo. Estas entidades desenvolvem também uma atividade de preservação das atrações naturais e humanas que, de outra forma, dificilmente seriam realizadas. Geralmente, estes organismos encontram-se limitados pela existência de poucos elementos regulamentadores do turismo na lei. Além disso, a sua ação aparenta ser maior nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento mas, nestes últimos, há alguns exemplos da ação determinante do governo na promoção do turismo, como o esforço do governo do Dubai em expandir a oferta turística como forma de limitar a dependência do petróleo e assegurar o desenvolvimento económico futuro (Mason, 2009).

Quanto à sustentabilidade podemos ainda acrescentar o papel fundamental dos grupos ecuménicos religiosos não apenas no apontar dos problemas do turismo de massas em países de terceiro mundo, como também, no desenvolvimento de soluções para os mais pobres. Esse esforço foi visível na International Workshop de 1980 em Manila, Filipinas, e levou à criação de organizações como a Ecumenical Coalition on Third World (ECTWT), que forjou redes entre stakeholders e criou projetos de raiz, e a Third World Ecumenical European Network (TEN), uma coligação de organizações de turismo alternativo (Weaver, 2008).

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