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Twitter, os etnofaulismos e a língua falada

Capítulo 2 — Os etnofaulismos nos dicionários e na fala

2.4 Twitter, os etnofaulismos e a língua falada

Quanto ao lugar onde podemos encontrar com mais frequência os etnofaulismos, Roback, já em 1944, aponta que “muitas dessas injúrias são frequentes não no inglês padrão, mas na fala coloquial e gírias” (1944, p. 247). Assim, atestar uma categoria lexical que se faz 72

muito mais frequente na língua falada exige uma reflexão para além dos gêneros textuais que geralmente compreendem a composição de um corpus, o qual pode ter sua composição variada e não equilibrada quando se trata de língua escrita e língua falada.

Refletir sobre língua falada e língua escrita implica em reconhecer a existência de características específicas a cada uma delas. Os dicionários, classicamente, como observamos no capítulo 1, tendem a descrever o padrão da língua e, ainda que se trate de um dicionário que se paute pelos usos (um dicionário descritivo), urge-se questionar de onde tais usos estão sendo recuperados.

Portanto, se a composição do corpus a partir do qual se compila um dicionário é feita, essencialmente, por textos escritos, faz-se necessário refletir se os etnofaulismos não poderiam estar sendo desconsiderados, não de forma intencional, mas porque o corpus não os contemplou a contento.

Devido justamente à escassez de grandes corpora que descrevam a língua falada no português do Brasil, tentamos demonstrar que uma rede social pode suprir essa carência, 73

justamente porque seus usuários valem-se de um grau de oralidade numa manifestação que se dá por meio da escrita. Dessa forma, se entendemos que a fala coloquial se faz mais presente na modalidade falada da língua, pressupõe-se que ao se apropriar do suporte eletrônico para

“[…] most of these slurs occur not in standard English, but in colloquial parlance and slang.”

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No caso do português brasileiro, a modalidade falada da língua está contemplada apenas por alguns poucos

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se comunicar e falar de fatos cotidianos, o usuário de uma rede social, como o Twitter, 74

também utilize tais sentidos depreciativos relacionados a nomes de povos.

Faz-se necessário, assim, investigar as relações que se estabelecem no eixo fala–escrita, de modo a verificar o hibridismo que pretendemos evidenciar. Sendo o Twitter uma ferramenta que permite a manifestação de um tipo de prática social no contexto daquelas que se estabelecem na Internet, cabe também procurar caracterizar tal gênero como um meio que objetiva algum tipo de interação. Isso porque, ao interagir, supõe-se que os atuantes nesse processo busquem reconhecer, um no outro, o assunto de que tratam, e partilham, por conseguinte, de um mesmo conhecimento que depende de informações sócio-históricas e culturais. No caso dos etnofaulismos, deve haver um conhecimento compartilhado entre aquele que escreve e aquele que lê, isto é, ambos devem saber que “português”, quando usado de maneira pejorativa, refere-se, na verdade, a uma pessoa que é “ignorante” ou “tola”. Logo, é importante pensar que tais participantes estejam inseridos numa mesma comunidade que compartilha não só a prática social de se usar uma rede social, mas também compartilha um conhecimento específico: o do sentido depreciativo relacionado a um determinado grupo étnico.

Para Marcuschi (2005), as modalidades oral e escrita não estão atreladas aos gêneros, e não são homogêneas ou dicotômicas, mas híbridas em alguns deles. Quando escreveu esse texto, há quase 10 anos, o autor tratou dos gêneros emergentes, que surgiram a partir dos diferentes recursos que a Internet dispunha à época. O autor buscou comparar os gêneros emergentes e aqueles já existentes como o e-mail e a carta, as salas de chat e as conversações (abertas ou fechadas), o blog e os diários pessoais. Contudo, quase dez anos se passaram e, desde então, outros gêneros surgiram, como o próprio Twitter e o Facebook, o que nos impele a questionar quanto a gêneros pré-existentes que poderíamos relacioná-los. Ambas as redes sociais mencionadas podem ser utilizadas para se estabelecer diálogos, mas muitas das postagens, que ali se fazem, parecem ser enunciados que se assemelham a frases escritas em 75

muros e ali deixadas para os passantes. 76

A rede social de micro-blogging Twitter permite que seus usuários criem uma “linha do tempo”, na qual são

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feitas postagens curtas (até 140 caracteres) que são visíveis para outros usuários em perfis públicos ou privados. Disponível em <http://www.twitter.com>. Acesso em 19 jun. 2013.

Por “postagem”, entende-se um tipo de publicação que é feita nas redes sociais com intuitos diversos. Desde

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comunicar um fato, uma notícia, uma história até um vídeo ou foto. A disponibilidade desse material fica a critério de quem faz a postagem. Pode-se, dessa forma, compartilhar de maneira pública ou privada (restrita apenas a pessoas previamente aprovadas).

De fato, o Facebook chamava o local onde essas “frases” eram inseridas de “wall” (em português, “mural”)

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Como observaram Demétrio e Costa (2013), a maneira como as pessoas se comunicam no Twitter pressupõe um modo de se referenciar a determinados objetos que correspondem a situações do contexto imediato de produção e assim “em muitos enunciados, nenhuma expressão referencial é empregada para remeter diretamente ao referente” (DEMÉTRIO; COSTA, 2013, p. 105), uma característica que é, de fato, peculiar da fala, uma vez que os enunciadores supõem que aqueles referentes sejam acessíveis a seus interlocutores.

Há uma marcada presença da oralidade na escrita, no plano fonético/fonológico e no plano morfológico/sintático, como apresentam Fusca e Luiz Sobrinho (2010). O que acreditamos é que essa presença também se verifica no plano semântico, dado que sentidos pejorativos de uma unidade lexical comum, como um etnofaulismo, tendem a ocorrer mais em textos com maior predominância de traços da oralidade do que em textos tidos como mais homogêneos.

Não é o objetivo desta pesquisa tratar à exaustão sobre a presença de traços, classicamente atribuídos à fala, num meio escrito. Essa questão constitui-se apenas como um aparato para que possamos confirmar ou não usos injuriosos relacionados a designações étnicas. Entretanto, tal investigação parece ser mais uma das que se abrem a partir deste trabalho.