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UM BREVE PANORAMA DA DISTRIBUIÇÃO DOS HOMICÍDIOS

4 VIOLÊNCIA LETAL E BIOPOLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO

4.1 UM BREVE PANORAMA DA DISTRIBUIÇÃO DOS HOMICÍDIOS

Para acompanhar a evolução da violência letal na Bahia, faz-se necessário situá- la no contexto brasileiro onde os homicídios têm atingido, a cada ano, taxas elevadíssimas. Ao longo dos últimos 30 anos o número de homicídios passou de 13.910 em 1980 para 49.932 em 2010, um aumento de 259% equivalente a 4,4% de crescimento ao ano (WAISELFISZ, 2012a).

O Brasil, no total desses 30 anos, já extrapolou a casa de um milhão de vítimas de homicídios. Este número de vítimas supera o de países que vivem em conflito armado no mundo. Tomando as mortes diretas em um total de 62 conflitos armados no mundo registrado entre 2004 e 20075, podemos dimensionar a magnitude da violência letal que assola o país. No Brasil, “país sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civis, enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos”, morreram 192.804 pessoas assassinadas. No mesmo período foram mortos 169.574 pessoas, nos 12 maiores conflitos mundial (WAISELFISZ, 2012a, p. 20).

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Estes são números apresentados no Mapa da Violência 2012, cujos dados foram extraídos da recente publicação Relatório sobre o Peso Mundial da Violência Armada – Geneva Declaration Secretariat.

Global Burden of Armed Violence. Suíça, 2008. www.genevadeclaration.org, consultado em 15/10/2011.

O Relatório constrói o quadro de mortes diretas em um total de 62 conflitos armados no mundo, registrados entre 2004 e 2007.

A distribuição da violência letal no país e nos estados apresenta características bem definidas. Por conta disso, é possível traçar o perfil da violência letal no país e na Bahia, levando em consideração a sua distribuição entre as regiões, os estados, as capitais e as diferentes faixas etárias e os grupos raciais. Vários estados com número de homicídios relativamente moderados ou baixos no início do período tiveram incrementos nos seus níveis de violência letal. Já os conhecidos como letalmente violentos na última década reduziram significativamente as suas taxas.

Tabela 1

Ordenamento dos estados por taxas de homicídio (em 100 mil). Brasil. 2000- 2010*

UF 2000 2010*

Taxa Pos Taxa Pos

Paraíba 15,1 20º 38,6 6º Paraná 18,5 16º 34,4 9º Ceará 16,5 17º 29,7 14º Rio Grande do Norte 9,0 24º 22,9 19º Maranhão 6,1 27º 22,5 21º

Fonte: Mapa da violência 2012. *2010: dados preliminares.

Estados como, Paraíba, Paraná, Ceará, Rio Grande do Norte ou Maranhão estão entre os que passaram a ostentar elevadas taxas de homicídios, no início da década. Por outro lado, os que inicialmente lideravam as estatísticas apresentaram quedas, como São Paulo e Rio de Janeiro, que passaram de 42,2 e 51,0 para 13,9 e 26,5, respectivamente.

Em 10 anos, o ranque nacional da violência letal entre os estados sofreu alterações relevantes. Um novo ordenamento se estabeleceu, por conta do crescimento severo entre os que ostentavam níveis moderados ou baixos de violência letal. Estados como Alagoas, Pará e Bahia que ocupavam o 11º, 21º e 23º lugar passaram para o 1º, 3º e 7º lugares.

Tabela 2

Ordenamento dos estados por taxas de homicídio (em 100 mil). Brasil. 2000- 2010*

UF 2000 2010*

Taxa Pos Taxa Pos

Alagoas 25,6 11º 66,8 1º Pará 13,0 21º 45,9 3º Bahia 9,4 23º 37,7 7º

Com efeito, semelhante padrão identificado na evolução dos homicídios nos estados, verifica-se nas capitais do país.

Tabela 3

Ordenamento das capitais por taxas de homicídio (em 100 mil). Brasil. 2000- 2010*

Capital 2000 2010*

Taxa Pos Taxa Pos

Maceió 45,1 8º 109,9 1º Salvador 12,9 25º 55,5 7º Belém 25,9 21º 54,5 8º

Fonte: Mapa da violência 2012. *2010: dados preliminares.

No quesito faixa etária, uma característica preocupante no panorama nacional é a concentração dos homicídios na população jovem. As taxas de homicídio mais elevadas concentram-se na faixa dos 15 aos 24 anos, estendendo-se de forma bastante intensa, também até os 29 anos. Segundo a “medida de vitimização juvenil”, que resulta da relação entre taxa de óbitos por homicídios população jovem e a taxa da não-jovem6, verificamos o quanto os homicídios estão concentrados na faixa jovem da população.

Tabela 4

Taxas de Homicídio Jovem, Não-Jovem e Vitimização Juvenil (%) por Homicídio. Brasil, 2000/2010*

INDICADOR 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Taxa Jovem 51,35 52,39 54,77 55,53 51,7 48,6 48,12 49,49 52,89 53,75 52,35 Taxa não-jovem 20,53 21,64 21,85 22,15 20,8 20,1 20,82 19,63 20,51 21,14 20,45 Vitimização Juvenil (%) 150,2 142,2 150,7 150,7 148,4 141,7 131,1 152,1 157,8 154,3 156,0

Fonte: Mapa da violência 2012.

Em todos os anos do período analisado, as taxas de homicídios juvenis têm sido mais que o dobro das taxas da população não-jovem. A partir de 2003, a vitimização juvenil apresenta uma queda, mas a partir de 2007 as taxas juvenis recuperam os antigos patamares, e até superam os níveis anteriores.

Fica explicito a gravidade, em maior ou menor medida, a vitimização juvenil em todas as regiões e estados brasileiros. Sem exceção, em todas as regiões, os homicídios juvenis são mais do que o dobre dos homicídios do resto da população. Em Rondônia, com menor vitimização juvenil em 2010, morrem 50% mais os jovens que os não-

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A população jovem compreende a faixa de 15 a 24 anos de idade e a não-jovem corresponde ao restante da população. Essa população é a que, ainda não chegou à juventude – a população de 0 a 14 anos – ou a que já passou dessa faixa: acima de 25 anos de idade. “Assim, o indicador de vitimização juvenil nos diz quanto maior é, em termos percentuais, a taxa de homicídios jovem com respeito às taxas não-jovens” (WAISELFISZ, 2012a, p. 70).

jovens. Em vários estados, como Amapá, Alagoas, Bahia, Espírito Santo e Distrito Federal, os homicídios jovens superam três vezes ou mais as taxas dos homicídios não- jovens.

No que tange a diferença racial, o número de homicídio no Brasil entre brancos e negros apresenta uma evolução de ordem inversa. Enquanto que entre os brancos houve uma queda de 25,5%, passando de 18. 867 em 2002 para 14. 047 em 2010, neste mesmo período, o homicídio entre os negros, aumentou 29,8%, passando de 26. 952 para 34. 483 vítimas. A evolução dos homicídios segundo a cor das vítimas tem sido extremamente desigual entre os estados. Os estados do Pará, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte ganham destaque pelos pesados aumentos da violência letal entre os negros. Nos três primeiros, os números de 2002 mais do que triplicaram em 2010. Na Bahia enquanto que a taxa de homicídio (por 100 mil habitantes) segundo raça/cor passou de 4,5 para 11,7 entre os brancos, no mesmo período destacado, passou de 12,5 para 47,3 entre os negros.

A taxa de vitimização dos negros7, que resulta da relação entre as taxas de homicídio de brancos e de negros, calculados para os estados, apresentam no seu conjunto um índice nacional de vitimização bastante elevado ao longo do período analisado. No ano de 2002 a vitimização negra foi de 65,4%, no ano de 2006 cresceu para 90,8% e, no ano de 2010 foi ainda maior: 132,3%. “Isto é, por cada branco vítima de homicídio proporcionalmente morreram 2,3 negros pelo mesmo motivo” (WAISELFISZ, 2012b, p. 14).

Nas capitais, em 2010, a vitimização negra foi 250%, quase o dobro da nacional, 132,3%. Os dados relativos às capitais da Paraíba e Alagoas são ainda mais gritantes. João Pessoa e Maceió têm uma taxa de homicídio entre os negros de 140,7 e 132,6 por 100 mil. O índice de vitimização negra entre as duas capitais é semelhante. Para cada branco em João Pessoa e Maceió morrem 29 e 26 negros, respectivamente. Em Salvador esse índice é 263, onde para cada branco morrem 3,6 negros (WAISELFISZ, 2012b, p. 26).

Diante desse breve panorama, fica evidente que a violência letal tem idade e cor. Diferenças significativas não se observam nas taxas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade. Desse ponto em diante ocorre um crescimento da violência letal

7Esse índice nos diz em que “proporção existe mais vítimas de homicídio negras do que brancas. Se a

taxa é zero, morre a mesma proporção de negros e brancos. Se o índice é negativo, morrem proporcionalmente mais brancos que negros. Se for positivo, morrem mais negros que brancos” (WAISELFISZ, 2012a, p. 20).

diferente para os dois grupos. Para os negros o incremento é marcadamente mais elevado. Entre “os 12 e os 21 anos de idade as taxas brancas passam de 1,3 para 37,3 em por 100 mil, aumentando 29 vezes. Já as taxas negras passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes” (WAISELFISZ, 2012b, p. 26).

Entre 2002 e 2010, a taxa de homicídio em cada 100 mil jovens brancos caiu de 40,6 para 28,3, o que equivale a uma queda de 30,1%. Já a taxa dos jovens negros não acompanhou esse movimento; ao contrário, cresceu, passando de 69,6 para 72 homicídios em cada 100 mil jovens negros. Esse movimento contraditório, de queda dos índices de homicídios brancos e aumento dos negros, expressa um crescimento significativo nos índices de vitimização dos jovens negros. Pois, se em 2002 morreram proporcionalmente 71,7% mais jovens negros do que brancos, em 2006 esse índice elevou-se para 108,6% e, em 2010, o índice se elevou para 153,9%. Isso quer dizer que em 2010 morreram “proporcionalmente 2,5 jovens negros para cada jovem branco vítima de assassinato, índice que pode ser considerado inaceitável pela sua magnitude e significação social” (WAISELFISZ, 2012b, p. 33).

As diferenças de mortalidade segundo idade e a cor dos indivíduos apresentam uma distribuição extremamente desigual quando desagregados os dados das diversas regiões e unidades do país. Em oito dos estados ultrapassam a preocupante marca dos gritantes 100 homicídios por cada 100 mil jovens negros. O estado da Bahia é o 7º, seguindo a ordem, que tem como antecessores Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso e Distrito Federal, e sucessor o estado do Pará. Nesse contexto, fatores locais ou regionais determinam situações muito diferenciadas tanto nas taxas de homicídio dos jovens pela sua cor, quando nos índices de vitimização dos jovens negros.