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4. O Percurso metodológico

4.2. Um estudo de caso Etnográfico

Dentro da abordagem qualitativa, uma série de métodos e instrumentos pode ser utilizada. Este trabalho pode ser caracterizado como um estudo de caso - voltado para a análise da aplicação de um programa específico numa escola específica. E também é um estudo etnográfico, por utilizar instrumentos e formas de análise comuns à pesquisa antropológica, procurando o estabelecimento de um contato bastante próximo com o campo de pesquisa e permitindo a interferência do mesmo em meu planejamento. Para que uma pesquisa seja considerada

[...] um estudo de caso etnográfico é preciso, antes de tudo, que preencha os requisitos da etnografia e, adicionalmente, que seja um sistema bem delimitado, isto é, uma unidade com limites bem definidos, tal como uma pessoa, um programa, uma instituição ou um grupo social. O caso pode ser escolhido porque é uma instância de uma classe ou porque é por si mesmo interessante. De qualquer

maneira o estudo de caso enfatiza o conhecimento do particular. O interessante do pesquisador, ao selecionar uma determinada unidade, é compreendê-la como uma unidade. Isso não impede, no entanto, que, ele esteja atento ao seu contexto e às suas inter- relações como um todo orgânico, e à sua dinâmica como um processo, uma unidade em ação (ANDRÉ, 2011, p. 31).

Nessa modalidade, o pesquisador se envolve com uma comunidade específica, como, por exemplo, a escola escolhida para a coleta de dados, e procura descobrir suas estruturas, o que está explicitamente ou implicitamente exposto, tomando, é claro, o devido cuidado não incorrer em deslizes éticos. O etnógrafo

[...] envolve-se na vida própria da comunidade com todas suas coisas essenciais e acidentais. Mas sua ação é disciplinada, orientada por princípios e estratégias gerais. De todas as maneiras, sua atividade, sem dúvida alguma, está marcada por seus traços culturais peculiares, e sua interpretação e busca de significados da realidade que investiga não pode fugir às suas próprias concepções de homem e do mundo. O valor científico de seus achados, porém, dependerá, fundamentalmente, do modo como faz a descrição da cultura que observa e que está tratando de viver em seus significados. [...] a função do etnógrafo, assim, “não é estudar a pessoa, e sim aprender das pessoas (TRIVINÕS, 1987, p. 121).

Uma das principais justificativas para realizar um estudo de caso etnográfico, se deve ao fato de que ao longo de minhas leituras sobre o PROUCA, senti a necessidade de realizar uma imersão no campo de pesquisa para analisar, de uma forma mais aprofundada, como uma escola se organiza para utilizar os laptops educacionais. Nas publicações relacionadas à temática novas tecnologias e educação é comum os autores realizarem observações de campo num curto espaço de tempo, optando por focar suas análises de dados nas entrevistas e/ou grupos focais, geralmente aplicados a professores e alunos, quando não, se restringem a análise de documentos.

Desse modo, optei por realizar uma pesquisa em que a riqueza de situações vivenciadas em sala de aula e nos demais espaços da escola pudessem vir mais à tona, permitindo um melhor entendimento de como diferentes atores agem quando trabalham com os "uquinhas". Acredito que tal opção pode vir a contribuir com a produção de materiais em que as práticas dos sujeitos sejam mais explicitadas.

O meu primeiro desafio foi escolher a instituição a ser pesquisada, já que, um trabalho de tal envergadura, exige um contato diário com o campo de pesquisa. No

início tinha o objetivo de investigar como escolas situadas no interior do estado de Pernambuco trabalhavam o PROUCA. A motivação para tal tipo de estudo se deu pelo fato de que nessas localidades, o Programa possibilitou mudanças significativas no cotidiano dos estudantes, principalmente "fora dos muros das escolas". É o caso da cidade de Caetés-PE, onde todos os alunos matriculados em escolas públicas receberam laptops educacionais, gerando novas.

Em relação a Caetés, vale aqui citar o exemplo da retomada dos espaços públicos: as praças da cidade figuravam como os melhores pontos para se conectar à internet. Então, vários adolescentes e jovens se dirigiam para tais espaços com seus "uquinhas", se reunindo para navegar na internet em grupo ou então se revezarem no uso de seus computadores, com outras pessoas que não tinham tais dispositivos portáteis. Com esSa movimetação, a Praça Frei Damião passou a ser chamada de Praça da Internet (SOUZA; ABRANCHES, 2011; SOUZA, 2011; CARVALHO; AVALES 2012).

Mas, a dificuldade para ficar um longo período nas cidades do interior de Pernambuco, sem contar o próprio clima de descontinuidade que tomou conta do PROUCA, ao longo de 2011, ocasionado pela extinção da Secretaria de Educação à Distância - o que deixou muitos gestores, professores e até mesmo os formadores das universidades sem nenhuma informação sobre o Projeto - me motivou a escolher uma escola situada nos perímetros da Região Metropolitana do Recife. Em tal região, três escolas foram contempladas com o Programa: Escola Raquel Germano, em Paudalho; o Colégio de Aplicação da UFPE, em Recife, e a Escola Municipal General Emídio Dantas Barreto, também em Recife.

Para o processo de escolha estabeleci contato com as três instituições, o que se deu via telefone; conversei com membros da equipe de formação e avaliação do UCA-PE e também realizei visitas às próprias escolas. As escolas Raquel Germano e o Colégio de Aplicação tiveram atrasos para implementar o PROUCA, o que, em certo aspecto, inviabilizaria a pesquisa. Já a Escola General Emídio Dantas Barreto estava com toda infraestrutura em funcionamento, e, segundo as sondagens iniciais, todos os alunos usavam os laptops educacionais periodicamente.

Mas, uma particularidade sobre a Escola General Emídio Dantas Barreto me causava certo receio: o fato dos alunos não terem autorização para levar os "uquinhas" às suas casas. Ainda nas primeiras semanas de contato com esta escola, tinha uma forte convicção de que a possibilidade de manusear os laptops

educacionais na esfera domiciliar era trivial para o bom andamento do PROUCA. Pelo menos essa era minha hipótese ao verificar que nas cidades do interior de Pernambuco tal prática contribuiu para a mudança na postura dos docentes e discentes. Sem contar que a possibilidade de manusear os computadores em casa é um dos principais diferenciais do Programa. A pergunta que me veio à mente foi: valeria investir numa pesquisa em um dos pilares de uma política pública educacional voltada para disseminação das novas tecnologias não era cumprido?

Optei então por realizar mais algumas sondagens antes mesmo de oficializar a escolha do campo em que coletaríamos nossos dados. Relatei à direção da EGEDBA o meu interesse em realizar uma pesquisa sobre como o PROUCA é trabalhado nas escolas, mas ainda não tinha o campo definido. Acordamos então que eu passaria uma semana observando as aulas e outras vivências na instituição para daí decidir se a mesma seria o “meu” campo de pesquisa. A equipe gestora foi extremamente receptiva e sem maiores burocracias me franqueou o acesso aos espaços da Emídio Dantas.

Durante cinco dias realizei o processo de sondagem do campo. Foi possível perceber que o meu receio não fazia o menor sentido: o trabalho com o PROUCA não só era bem efetivado, como também o fato dos computadores permanecerem na escola trouxe muitos ganhos, como, por exemplo, a garantia de que todos os estudantes, das séries iniciais ao EJA, usassem os "uquinhas".

Estava diante de um caso bastante rico e bem promissor em termos de possibilidades de análise. O fato da EGEDBA se situar numa região com altos índices de criminalidade, onde áreas inteiras são tomadas pelo tráfico de drogas, levou à comunidade escolar a refletir sobre a possibilidade dos "uquinhas" serem levados para casa. Vale citar que são comuns os relatos de moradores do bairro com casas na região “a” que não podem passar pela região “b”, sob o risco de serem executados, uma “lei” imposta por grupos de traficantes rivais. á houve situações em que as aulas da escola tiveram de ser suspensas em decorrência da ameaça de confrontos armados.

Pesa ainda o fato da EGEDBA se situar relativamente distante das moradias dos alunos, o que os obrigam a realizar um trajeto longo para ir ou voltar das aulas. Nesses percursos, é comum ocorrerem assaltos, inclusive a professoras e gestoras. Como liberar o uso dos laptops educacionais em casa sabendo que os alunos podem ser vítimas de violência, inclusive por portarem tais dispositivos?

Apesar de conhecer as dificuldades enfrentadas pelos habitantes de Santo Amaro, até mesmo por outras experiências profissionais que já tive oportunidade de vivenciar nesta localidade, o link entre “violência” e “PROUCA” não fora formado por mim. oi a sondagem ao campo de pesquisa que permitiu o “despertar” para tal situação e perceber a riqueza do trabalho desenvolvido na Emídio Dantas.

Em relação a outras escolas vinculadas ao Programa, esta situação de violência é bem específica, sem contar os caminhos que o trabalho da gestão, envolvendo toda a comunidade escolar, percorreu para manter o Projeto funcionando, a sua maneira, permitindo experiências pedagógicas extremamente ricas e inovadoras.

Para a realização da sondagem, organizei um roteiro de observação com dois aspectos a serem observados, bastante abrangentes, procurando entender diferentes esferas da EGEDBA. Foram elas:

Tabela 6 - O trabalho com o PROUCA na EGEDBA - Como são realizadas as atividades com o “uquinha”

- A organização da Escola para o trabalho com os “uquinhas”

Partindo desse exercício de sondagem, que incluiu uma imersão ao campo de pesquisa, não só escolhi a escola para a coleta de dados, mas também optei pelos instrumentos a serem utilizados na pesquisa, mais especificamente o estudo de caso, dando margem para entender o contexto particular da instituição em questão, assim como também tal contexto influi nas dinâmicas da escola. O trabalho etnográfico emergiu como o recorte, o caminho que darei a tal estudo, ou seja, um trabalho pautado nas observações e vivências com os sujeitos da pesquisa.

Com esta observação inicial, não procurei responder as questões presentes no roteiro inicial, mas sim direcionar meu olhar em situações vinculadas aos objetivos de pesquisa, permitindo uma visão mais apurada na escolha do campo de trabalho.