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D. Paz – Ai ! nem me fales em conferência de Yalta que daí para cá é que os meus sofrimentos se agravaram.

2.7. Isto é teatro…e do bom! 134 : O regresso ao Teatro do Povo (1952-1955)

2.7.8. Um renovado colaborador: Francisco Ribeiro

Para fazer rejuvenescer o Teatro do Povo foi convidado Francisco Ribeiro substituindo Alberto Ghira na função de director artístico/encenador. A propósito deste convite, aqui fica o excerto de uma esclarecedora carta de Ribeirinho dirigida a Beatriz Costa, datada de Dezembro de 1952, que revela a liberdade de que dispôs para renovar o projecto:

Em Março deste ano fui convidado pelo Secretariado Nacional de Informação para retomar a direcção do Teatro do Povo, dando-me toda a liberdade para reforma-lo, readapta-lo e orienta-lo. Depois de dois meses de estudo pormenorizado, comecei em Maio a dirigir todos os trabalhos e apresentei nos primeiros dias de Agosto um grupo de jovens artistas num espectáculo vicentino…158

157 Por exemplo em C.S. «Inauguração da nova temporada do Teatro do Povo» in Diário de Notícias

(14/08/55).

Não foram encontrados documentos que permitam esclarecer se o SNI teria fornecido indicações, ainda que vagas, para a renovação do projecto ou se, efectivamente, a autonomia de Francisco Ribeiro terá sido total. Tal como já ficou assinalado atrás, existiram aspectos conjunturais que terão, directa ou indirectamente, contribuído para definir as novas linhas de orientação do Teatro do Povo. No início deste sub-capítulo ilustra-se como José Manuel da Costa se refere à renovação do Teatro do Povo como sendo obra sua, o que mesmo que não seja verdade implica uma forte adesão à forma como o empreendimento havia sido então gizado. De facto, na já referida carta a Beatriz Costa, Francisco Ribeiro sugere a ideia de uma apropriação do sucesso da iniciativa pelo Secretário Nacional da Informação:

O Salazar assistiu ao 1º programa e ficou louco. Quis felicitar-me pessoalmente, fez afirmações do maior entusiasmo, concedeu mais verba para que a época se prolongasse mais um mês, o diabo! O Secretário Nacional de Informação, não sei se conheces, é o Dr. José Manuel da Costa, e que foi secretário do Presidente do Conselho vários anos, radiante com o seu próprio triunfo […]

159

Contudo, pode dizer-se com segurança que, no essencial, as características desta renovação terão sido sobretudo da responsabilidade do seu director artístico160. Terá sido, portanto, da responsabilidade de Francisco Ribeiro a selecção de repertório, a reformulação do elenco, a escolha de uma nova arquitectura teatral e de novos colaboradores plásticos. Por seu lado, o SNI terá, naturalmente, continuado a chamar a si a definição dos itinerários e o contacto com as chefias locais.

Novamente se questiona a razão pela qual Francisco Ribeiro terá sido convidado para desempenhar as funções de director artístico do Teatro do Povo. O percurso realizado até então seria uma justificação, mas, mais uma vez, as relações interpessoais não terão sido, porventura, factor despiciendo nesta matéria, nomeadamente a relação de amizade entre António Lopes Ribeiro e José Manuel da Costa. Tratava-se de uma relação que remontava, segundo a documentação consultada,

159 Idem

160 Graça dos Santos aponta também Jorge de Faria como tendo sido igualmente responsável pela

participação na mudança de rumo do projecto (SANTOS 2004 : 199). Não foram, todavia, encontrados documentos que comprovem esta afirmação. No entanto, tal como no início deste capítulo ficou indicado, é verdade que Jorge de Faria criticou o estado a que tinha chegado o Teatro do Povo em 1951 e, sendo um homem ligado à iniciativa desde o seu começo é crível que tivesse alguma influência sobre a sua evolução.

ao período em que aquele Secretário Nacional da Informação exercia funções de chefe de gabinete de Salazar161.

Em matéria de relações interpessoais não deverá ser também menosprezada a proximidade do chefe da 3ª secção do SNI, Francisco Laje, com a família Ribeiro. Abre-se um breve parêntesis para focar a atenção neste funcionário do SNI que foi também um homem de teatro e que assumiu, por força das suas funções, grande parte do trabalho administrativo e de gestão corrente relativos ao Teatro do Povo. Francisco Laje foi dramaturgo, actor, director da revista Teatrália, uma efémera publicação periódica do período da República. A sua influência na mudança de rumo do projecto poderá não ter sido desprezível, apesar de, ou pela razão de nele ter estado envolvido desde o seu arranque, não só como administrativo do SNI, como também na qualidade de dramaturgo com Ressurreição e a peça que escreveu em co-autoria com Francisco Ribeiro O pão que o diabo amassou 162. Nesta nova fase Francisco Laje escreveu, juntamente com António Lopes Ribeiro e Francisco Ribeiro, o Arremedilho de Guimarães. No entanto, esta figura nem sempre foi um apoiante indefectível de António e Francisco163, pelo que a hipótese da interferência deste funcionário na escolha do encenador para director artístico do «novo» Teatro do Povo deverá ser manuseada com cautela.

Para além da redefinição do projecto, Francisco Ribeiro ficou encarregue da encenação dos espectáculos, mas foram-lhe igualmente atribuídas funções de direcção para resolução de todo o tipo de questões que surgissem localmente, tais como a liquidação de pequenas importâncias, estabelecimento de contactos e a distribuição de convites a entidades e personalidades locais. No entanto, Francisco Ribeiro, nos anos em que não participou como actor nem sempre acompanhou a caravana do Teatro do Povo, tendo sido substituído por Armando Cortez (em 1952 e 1953) e Ruy de Carvalho

161A relação estreita de António Lopes Ribeiro com José Manuel da Costa pode ser testemunhada por

alguma correspondência existente na Torre do Tombo (PT/IAN/TT SNI Cx 2197), ou com a carta que capeia a exposição feita ao SNI para candidatar o projecto Teatro-Escola a um subsídio do Fundo de Teatro (PT/MNT/FT/Pasta 27).

162 A estas peças sucederam-se ainda Maio Moço (1942) e Chapelinho de Penas (1950). Francisco Laje

escreveu ainda dois argumentos para os bailados Verde Gaio : O homem do cravo na boca (1941) Festa

no Jardim (1947).

163As reticências de Francisco Laje em relação aos irmãos Ribeiro são testemunhadas pelo parecer dado

na sequência da exposição de Francisco Ribeiro a Salazar que adiante será mencionada. Naquele parecer, uma vez que os irmãos Ribeiro também se haviam candidatado à exploração do Teatro Nacional D. Maria II, levanta dúvidas quanto à capacidade de Ribeirinho levar a bom porto o projecto de prolongamento do funcionamento do Teatro do Povo para além da época estival no Teatro da Trindade (Informação de Francisco Laje para o Secretário Nacional da Informação com data de 18 de Setembro de 1952 (PT/MNT/FT/Pasta 27).

(em 1954)164. Aliás, como já foi observado em 2.2., Ribeirinho, entre 52 e 53, acompanhou, isso sim, a Companhia de Comédias Vasco Santana no período de Verão. A verdade é que Francisco Ribeiro voltara com outro estatuto. Apesar da opacidade da linguagem formal dos ofícios institucionais, nota-se que era então tratado pelos funcionários do SNI com uma deferência, que não é observável para o período de 36 a 40. Continuará no entanto a ser chamada a atenção para os relatórios dos espectáculos que não chegam ao Palácio Foz ou que chegam sempre atrasados165.

O que importa sobretudo realçar é que o envolvimento neste projecto permitiu a Francisco Ribeiro, como adiante se verá, realizar alguns dos seus anseios enquanto homem de teatro. Por outro lado, a forma como a figura em questão respondeu ao desafio que representou a renovação do Teatro do Povo parece reflectir uma certa permeabilidade à acção dos movimentos de renovação do teatro português e espelha, seguramente, mais uma vez, o seu cosmopolitismo teatral e o seu carácter deestudioso.

É perceptível em diversos documentos o interesse de Francisco Ribeiro nesta iniciativa. Talvez a manifestação mais expressiva desta constatação seja a carta dirigida ao Conselho Teatral, já referida e descrita por Graça dos Santos na qual expressa a sua revolta pela extinção do Teatro do Povo (SANTOS 2004: 184-185).

Por outro lado, apesar do seu interesse no Teatro do Povo, a participação de Francisco Ribeiro no projecto não era pura filantropia. Os seus préstimos eram bem recompensados pecuniariamente. A diferença entre o seu vencimento e o dos outros colaboradores era avultada166. Esta diferença e o carácter excessivo do salário do director artístico são, aliás, notados pelo Secretário Nacional da Informação na informação interna que extingue o Teatro do Povo167.

Tendo asseguradas por parte do Estado as condições necessárias para a consecução do projecto, esta segunda incursão no Teatro do Povo ofereceu a Francisco Ribeiro a possibilidade de trabalhar um repertório clássico ou de inspiração clássica de uma forma mais continuada e com uma qualidade apreciável.

164 Existem alguns documentos relativos a estas substituições na Torre do Tombo (PT/IAN/TT SNI Cx

2859).

165 Esta questão apresenta-se na carta de Francisco Laje dirigida a Francisco Ribeiro datada de 26 de

Agosto de 1955 (PT/IAN/TT/SNI Cx5624).

166 Enquanto os actores melhor remunerados recebiam 3.900$00 mensais brutos, o director artístico

auferia 10.000$00 mensais brutos.

167 Informação interna de José Manuel da Costa datada de 25 de Maio de 1955. (PT/IAN/TT SNI Cx