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UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA SOB O PRISMA DO DIREITO

4 RELEVÂNCIA DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

4.2 UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA SOB O PRISMA DO DIREITO

A preocupação de assegurar a defesa dos pobres em Juízo encontra suas origens na Antiguidade Clássica, antes mesmo da Era Cristã, representando um dever moral e meritório do homem piedoso. Destarte, este dever moral cedeu lugar a uma obrigação jurídica, ou seja, um dever honorífico, impondo-se, legalmente, aos advogados o patrocínio das causas dos pobres247.

Esta premissa fora adotada em nações como Inglaterra, Bélgica, Holanda, França, Alemanha e Itália.

247 Santo Ivo, patrono dos advogados, tornou-se santo precisamente porque, apesar de insigne advogado, defendia os pobres (e dele se dizia, justamente, que foi advocatus sed non latro, res Miranda populo!...) – (advogado, mas não ladrão, coisa admirada pelo povo).

A partir da concepção do Estado Social (Welfare State), passou-se a dar um novo enfoque a questão assistencial, instituindo-se na Inglaterra um sistema mais avançado de acesso à Justiça, mediante os serviços do legal advice (consultoria extrajudicial) e legal aid (patrocínio judicial), prestados por profissionais liberais, devidamente remunerados pelo Estado.

Conquanto no Brasil a assistência jurídica será em regra prestada pela Defensoria Pública, a Lei nº 1.060/50248 determina que nas cidades onde não exista Defensor Público, a Ordem dos Advogados do Brasil procederá a designação de um advogado para o exercício deste mister, e não havendo seccional da Ordem nesta cidade, caberá ao Magistrado fazê-lo.

Interessante ainda, esclarecer que a Lei nº 8.906/94249 garante ao advogado que

preste serviços ao juridicamente necessitado, tem direito a ser remunerado pelo Estado. Neste caso, o referido munus é obrigatório250, ressalvadas as hipóteses previstas na Lei nº

1.060/50251. Ademais, o advogado que dispuser a patrocinar o beneficiário da assistência

judiciária, não havendo impedimento da Defensoria Pública, o causídico fica impedido de cobrar de seu assistido os honorários correspondentes, e também não poderá exigir do Estado tal pagamento.

248 Art. 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados, nos termos da lei. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 7.510, de 04.07.1986, DOU 07.07.1986, DOU 07.07.1986) Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento, dentro do prazo de 72 (setenta e duas) horas.

§ 2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas seções estaduais ou subseções municipais.

§ 3º. Nos municípios em que não existem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado. Consulta realizada no site www.planalto.gov.br, em 05 de junho de 2011.

249 Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 1º. O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado. Consulta realizada no site www.planalto.gov.br, em 05 de junho de 2011.

250 Art. 34. Constitui infração disciplinar:

XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeada em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública; (...).

251 Art. 15. São motivos para a recusa do mandato pelo advogado designado ou nomeado: 1º. estar impedido de exercer a advocacia;

2º. ser procurador constituído pela parte contrária ou ter com ela relações profissionais de interesse atual; 3º. ter necessidade de se ausentar da sede do juízo para atender a outro mandato anteriormente outorgado ou para defender interesses próprios inadiáveis;

4º. já haver manifestado, por escrito, sua opinião contrária ao direito que o necessitado pretende pleitear; 5º. haver dado à parte contrária parecer escrito sobre a contenda.

Parágrafo único. A recusa será solicitada ao juiz, que, de plano, a concederá, temporária ou definitivamente, ou a denegará. Consulta realizada no site www.planalto.gov.br, em 05 de junho de 2011.

Hodiernamente, é comum em algumas cidades brasileiras, a assistência jurídica ser exercida por advogados pagos pelas Prefeituras, entretanto, tais profissionais não pertencem a carreira da Defensoria Pública, não gozando das prerrogativas legais conferidas aos Defensores.

Na França a defesa dos direitos dos hipossuficientes é feita por advogados, livremente escolhidos pelo beneficiário, sendo que essa escolha pode ocorrer mesmo antes do deferimento da assistência judiciária (artigo 25 da Lei nº 91-647, de 10 de julho de 1991). Se a parte não tiver efetuado a escolha, o Bureau d‟aide juridictionnelle (estabelecido na sede de

cada tribunal de “grande instance”) notificará o presidente da Ordem dos Advogados ou o

presidente do organismo profissional correspondente, para que designe advogado ou o oficial público ou ministerial encarregado de prestar a assistência devida.

Esses profissionais são reembolsados pelo Estado, reembolso esse que será eventualmente complementado pelo pagamento suplementar, a cargo do assistido, em caso de ajuda judiciária parcial (artigo 35 da Lei nº 91-647, de 10 de julho de 1991). É também facultado que tal cobrança seja feita da parte adversária sucumbente que não tenha sido beneficiária da assistência judiciária (artigo 37 da Lei nº 91-647, de 10 de julho de 1991).

Por sua vez, na Suécia subsiste um sistema misto, na qual, a parte que necessitar de assistência judiciária ou jurídica em geral, poderá indicar um advogado particular, um advogado vinculado a instituição pública de assistência judiciária – defensor público – ou uma empresa jurídica particular, ou ainda qualquer outra pessoa que julgar habilitada para lhe dar assistência, que será nomeada pela Comissão. Em certos casos referentes às liberdades pessoais e direito de ir e vir, a nomeação do defensor será feita mesmo sem requerimento do interessado. Aquele que efetuar a prestação do serviço terá sempre direito a ser remunerado razoavelmente pelo trabalho, tempo e outras despesas, honorários esses que serão fixados pela própria Corte que apreciou o caso patrocinado, ou pela Comissão de Assistência Jurídica Pública, nas situações que não forem a juízo.

Conforme artigo de autoria de Theodoro J. Lidz252, sob o título “The Defender Services Program for the United States Federal Courts”, o autor destaca a missão dos

serviços dos Defensores Públicos no sistema Norte-Americano, que seria de assegurar os direitos garantidos pela Sexta Emenda e pela ―Criminal Justice Act‖, e outras legislações que garantem os direitos dos cidadãos, para aqueles que ―não podem se dar ao luxo‖ de contratar advogado. Destarte, caberia ao serviço Defensorial: a) manter a credibilidade no compromisso

252 O texto na íntegra é encontrado na obra de Cléber Francisco Alves e Marília Gonçalves Pimenta, Acesso à justiça em preto e branco: retratos institucionais da defensoria pública, p. 139/142.

de que a nação deve garantir a igualdade de todos; b) assegurar o bom funcionamento de preceitos constitucionais, tais como o contraditório, que garantam a plena aplicação da lei.

A Sexta Emenda a Constituição Norte-Americana, garante ao acusado em processo criminal, o direito de ser defendido por advogado/defensor, e em 1964 o “Criminal Justice Act‖, passou a reconhecer e determinar uma compensação aos advogados que representavam os hipossuficientes, no entanto, tal remuneração de início não era alta. Em 1970, passou-se a determinar o surgimento de determinadas organizações advocatícias em determinados distritos judiciais federais, na qual, anualmente não menos de 200 (duzentos) profissionais, se inscreviam para compor tais organizações.

Hoje, existem 73 (setenta e três) organizações federais de defesa, empregando mais de 2.400 (duas mil e quatrocentas) pessoas e atuando em 83 (oitenta e três) dos 94 (noventa e quatro) distritos judiciais federais. Há dois tipos de organizações federais de defesa, a organização pública federal de defesa – composta por servidores federais, e a organização comunitária de defesa – organização de advogados sem fins lucrativos, recebendo subsídio estatal. Juntas, totalizam mais de 10 mil defensores/advogados representando a maioria dos indivíduos que são acusados nas cortes federais norte-americanas.

Por sua vez, o sistema Argentino é destacado por Silvina Manes em seu artigo “Los

sistemas de Defensa Publica em La Argentina: Uma Breve Vision Critica”253, cuja mesma ressalta que a Constituição Argentina consagra expressamente, com absoluta amplitude, o direito de defesa da pessoa, instituindo destarte, o Ministério Público da Defesa, sendo órgão federal, mas coexistindo com outros sistemas de defesa pública, organizados nas províncias Argentinas.

A maior diferença apontada entre o sistema federal de defesa e os sistemas adotados nas províncias, implica na necessidade de unificar critérios básicos que deveriam reger as estruturas destas instituições, reconhecendo suas autonomias, e de acordo com o artigo 120 da Constituição Argentina, deve-se resguardar a independência do sistema de defesa pública (não pertencer a nenhum poder Estatal, imunidades e intangibilidade de remuneração), autonomia funcional e financeira (orçamento próprio).

E culmina a mesma, destacando que a defesa é um direito de todos os cidadãos, mas também uma obrigação do Estado, afirmando ainda que todas as províncias platinas deveriam resguardar sistemas de defesas públicas, e inobstante este fato, não se pode excluir a

253 O texto na íntegra é encontrado na obra ALVES, Cléber Francisco e PIMENTA, Marília Gonçalves. Acesso à justiça em preto e branco: Retratos institucionais da defensoria pública. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2004, p. 143/156.

consciência de que todos os advogados e os demais operadores do direito, devem prover de forma efetiva, o acesso à Justiça.

4.3 NATUREZA JURÍDICA E PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA