• Nenhum resultado encontrado

UMA FELICIDADE EXTRAVAGANTE

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA MODERNA 1.3.1 Designer e tipógrafo

4) Nas iluminuras, textos e imagens não se justapõem, mas são dispostos em lugares separados no espaço da página, e a

2.3. UMA FELICIDADE EXTRAVAGANTE

A revolução do nosso presente é, com toda certeza, mais que a de Gutenberg. Ela não modiica apenas a técnica de reprodução do texto, mas também as próprias estru- turas e formas do suporte que o comunica a seus leitores. (CHARTIER, 1994, p. 187).

O aparecimento da internet possibilitou acesso fácil a um con- teúdo virtualmente ilimitado de informações. Hoje é possível ter acesso a dados, opiniões, etc. sobre praticamente qualquer assunto das regiões mais variadas do mundo. E isso se passa en- quanto se está simplesmente sentado em frente a um computa- dor com conexão à rede mundial.

Essa possibilidade, provida pela tecnologia digital, parece ser ao menos parte da concretização de um sonho antigo do ho- mem: o de agregar todos os livros publicados e todos os textos escritos pela humanidade, superando, inclusive, a legendária bi- blioteca de Alexandria que, por maior que fosse, poderia forne- cer somente uma amostra parcial do que fora produzido pelas civilizações (CHARTIER, 1994, p. 193).

A partir do momento em que os textos “são numerizados ou, em outras palavras, convertidos em textos eletrônicos, to- dos os textos existentes, sejam eles manuscritos ou impres- sos, é a universal disponibilidade do patrimônio escrito que se torna possível” (CHARTIER, 1994, p. 193). Chartier ainda cita Borges para reforçar que a ideia de uma Biblioteca Universal que contenha todos os livros, pode, em um primeiro momen- to, provocar uma “felicidade extravagante”, possibilitada pelas bibliotecas sem muros e sem lugar, possibilidade que não nos parece mais tão distante tendo em vista as possibilidades ofe- recidas pelas tecnologias digitais (CHARTIER, p. 193). Mas, em um segundo momento, pode suscitar a relexão sobre os riscos dessa “felicidade”, uma vez que “cada forma, cada suporte, cada estrutura da transmissão e da recepção do escrito afeta-lhe profundamente os possíveis usos, as possíveis interpretações” (CHARTIER, p. 193).

Essa felicidade “extravagante” talvez tenha sido vivencia- da também, em menor medida, no período que sucede Gu- tenberg no momento em que ele consegue encontrar a liga ideal para fundir tipos móveis que suportassem a prensa para tiragens de impressão em larga escala. Essa invenção ajudou6

6 Chatier (1994, p. 186) alerta nos de que na cultura oriental (China, Coreia, Japão) o uso dos ca- racteres móveis já eram conhecidos e foram inventados bem antes de Gutenberg, porém com uma técnica limitada, descontínua e muitas vezes confiscada pelo imperador e pelos mostei- ros. Mas esses dados não significam a ausência de uma cultura do impresso em larga escala.

a disseminar o livro impresso e em sua esteira uma quanti- dade de informação diferenciada para um público amplo de leitores. Esse processo levou séculos para acontecer, mas, em um determinado momento, ajuda a desencadear, segundo Chartier, um novo estilo de leitura, visto pelo autor como uma revolução:

Outra revolução da leitura é a que diz respeito ao estilo de leitura; na segunda metade do século XVIII, à leitura intensiva haveria de suceder outra, qualiicada de ex- tensiva. O leitor intensivo é confrontado com o corpus limitado e fechado de textos lidos e relidos, memoriza- dos e recitados, ouvidos e sabidos de cor, transmitidos de geração a geração. Os textos religiosos, e em primeiro lugar a Bíblia em países protestantes, são os alimentos privilegiados dessa leitura, fortemente marcada pela sa- cralidade e autoridade. O leitor extensivo, o da Lesewut, da ânsia da leitura que toma conta da Alemanha no tem- po de Goethe, é um leitor totalmente outro: ele consome muitos e variados impressos; lê-os com rapidez e avidez, exerce em relacão a eles uma atividade crítica que, agora, submete todas as esferas, sem exceção, à dúvida metódi- ca. (CHARTIER, 1994, p. 189).

Ora, se no século XVIII, a quantidade variada de impressos possibilitada pela impressão em larga escala forma um novo tipo de leitor, o que dizer sobre os leitores atuais, mergulhados em uma quantidade inindável de textos eletrônicos? Podería- mos fazer um paralelo entre os leitores intensivos e extensivos do século XVIII com os leitores de hoje? Essa questão nos parece importante não do ponto de vista da psicologia do leitor em relação ao texto, ainal nosso escopo se concentra na represen- tação gráica desses textos em suportes eletrônicos, mas como, considerando o modus operandi do leitor de hoje, essa quanti- dade enorme de informação chega até esse leitor e de que for- ma é representada para o seu entendimento.

Poderíamos especular que a falta de tempo típica da vida contemporânea, além da grande quantidade de informação visual e textual promovida pelos impressos, televisão, cinema e internet, reforçou uma espécie de leitor extensivo que lê, na maior parte do tempo, somente fragmentos de conteúdo. Os portais de conteúdo como uol e terra, ferramentas de redes sociais como facebook, twitter e orkut [16] reforçam nossa impressão.

O designer argentino de periódicos Mario García, autor da re- formulação gráica do jornal Folha de S.Paulo em 2006, enumera três pontos que caracterizam o leitor contemporâneo, inluen-

Figura 16

Telas do facebook e portal de notícias UOL. Fragmentos de informação. Disponível em <www.facebook.com> e <www.uol.com.br>. Acesso em 24/05/2011.

ciado pelas novas tecnologias: 1) A rapidez da vida “moderna”; 2) internet; 3) uma nova deinição do conceito de notícia:

1 | La rapidez de la vida moderna:

Como individuos nos vemos bombardeados por infor- mación-casi las 24 horas del día- y las noticias nos suelen llegar aún cuando no las busquemos. The New York Times llama a esta nueva cultura “always on”, térnimo que deine a los “lectores” como siempre conectados, ya sea a la com- putadora o al teléfono celular. La buena noticia es que los tradicionales y conocidos lectores de diarios, de libros y de revistas conviven con estas nuevas audiencias “siem- pre conectadas”. El fenómeno Harry Potter es el mejor testimonio de una compleja realidad. El lector promedio de esta literatura, mágica e impresa, tiene 14 años y lee el libro -de 700 páginas- en tan solo dos días y medio. Esto demuestra que, leer, se lee; pero somos más selectivos que nunca con aquello que vamos a leer.

2 | Internet:

Este nuevo medio, que nos seduce, envuelve y atrapa, ofrece información sobre múltiples temas, de manera rá- pida y consistente. Mejor aún, siempre está listo a que lo consultemos. Los cibernautas, tienen hábitos de lectura más rápidos que otros tipos de lectores: escanean, pasan por entre titulares e imágenes y lo quieren todo rápido, sintético y AHORA.

3 | La nueva definición del concepto de noticia:

Cuando se escribió uno de los primeros libros de texto de periodismo, en 1918, se deinió a la noticia como: Algo de lo que me entero hoy pero que no sabía ayer. La nueva deinición es, sin duda: Algo que entiendo HOY, pero de lo que me entere AYER. Como lectores, buscamos un análi- sis, una explicación. Y el periódico, impreso, es un medio eicaz para conseguirlo. (GARCÍA, 2006).

Interessante observar que García cita a leitura da obra Harry Pot- ter, que se tornou um fenômeno de vendas em material impresso, para corroborar que, mesmo mergulhado em imagens e em uma quantidade grande de informações, os leitores de hoje ainda leem materiais extensos (com eles, poderíamos fazer um paralelo com os leitores intensivos). Ainda assim, não se pode desconsiderar o ambiente saturado de imagens e informações promovidas pelos meios digitais, o que provoca quase uma simbiose entre o leitor extensivo e o leitor intensivo “contemporâneo”.

Ainda que suas posições apontadas nesses três itens pareçam seguir uma lógica mercadológica (principalmente para justiicar suas ideias dentro do que entende como conceito de notícia), o que poderia invalidar sua visão no âmbito de um trabalho aca- dêmico, importa observar que essa realidade digital faz parte do mundo de hoje e essas posições aplicadas em projetos são relexos desse ambiente, ou seja, é preciso compreender não só as estruturas e formas do suporte em que a informação aparece, mas também a maneira com que elas são expostas aos leitores, pois, como vimos nos capítulos anteriores elas também são uma espécie de “ordem de discurso” que irão balizar e iltrar aquilo o que pode ou o que é mais conveniente ser acessível para os lei- tores, sejam eles de jornais, livros ou revistas.

Seguindo nessas considerações, pareceu-nos importante analisar de forma sistemática aspectos objetivos da representa- ção gráica tal como vêm sendo empregados hoje em material impresso e nos tablets. Para tanto, foram estabelecidos critérios de análise baseados em premissas validadas em âmbito acadê- mico, como veremos no próximo capítulo.

C

omo consta da introdução a este trabalho, uma das questões envolvidas na pesquisa e elaboração desta dissertação residiu em seu enquadramento em uma categoria vá- lida de pesquisa acadêmica. Se por um lado parecia pouco adequado buscar enquadrá- -la nos moldes tradicionais, que empregam exclusivamente a argumentação textual, por outro o modelo practice-based research, que Hilary Kenna airma adotar para sua tese de doutorado em elaboração no Reino Unido nos pareceu demasiado arriscado. Por um lado por tratar-se de uma dissertação de mestrado, mais restrita em tempo e escopo. Por outro lado, como comentado na introdu- ção, a estratégia que parece ser usualmente empregada e va- lidada nas teses acadêmicas em áreas de prática projetual, ao menos em São Paulo, adotam um modelo que entretece, em diferentes proporções, considerações de fundo histórico/histo- riográico com artefatos projetuais variados. Estes artefatos são sempre um recurso imagético e projetual desenvolvido pelo pesquisador de modo a trazer à tona elementos essenciais à sua argumentação, que não poderiam ser abordados ou com- preendidos pela via textual.

O estabelecimento dos critérios de análise projetual de re- presentação, que pudessem ser válidos academicamente, se- guiram o io condutor proposto por Hilary Kenna a partir de sua leitura de Lev Manovich. A sessão seguinte aborda os aspectos envolvidos na construção dos critérios que pautaram as análises do capítulo 4.

3.1. HILLARY KENNA E EMIL RUDER: