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3.4 A ESTRATÉGIA NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

3.4.1 Uma instituição de ensino é diferente de uma empresa

Muitos gestores e dirigentes de instituições de ensino ou de entidades sem fins lucrativos aplicam os conceitos e instrumentos de planejamento estratégico utilizados no mercado comercial e industrial, sem respeitar as características específicas das suas organizações. Katz (1964), Ellströn (2007), Fernandes (2014) e Weick (2009) explicam essa diferença a partir dos conceitos de organizações complexas, modelo anárquico ou sistema frouxamente articulado, respectivamente.

Katz (1964) define as instituições de ensino como “organizações complexas”, diferenciando-as das “organizações formais”. O autor caracteriza uma “organização formal” como uma instituição estruturada em um sistema hierárquico, na qual todas as unidades executam as suas tarefas em direção de metas e regras organizacionais únicas. Já a caraterística principal que diferencia uma organização complexa, para o autor, é a autonomia de cada uma de suas unidades ou elementos, ou “a independência das subunidades de uma organização do controle de outras partes ou até mesmo de toda organização” (KATZ, 1964, p. 433).

Em uma instituição de ensino, há autonomia relativa tanto dos professores e alunos quanto das unidades administrativas. Nesse sentido, Katz (1964) enumera dois tipos de autonomia das organizações complexas: a especialização e a estrutura autônoma.

Segundo o autor, a divisão do trabalho, na sociedade moderna, dá origem à especialização técnica, que por sua vez exige padrões de autonomia funcional. Essa autonomia possibilita que o especialista desenvolva o seu trabalho, que possa criar e contribuir funcionalmente, minimizando a interferência por parte de outros especialistas ou de seus gestores diretos ou indiretos. Em uma instituição de ensino, o maior exemplo de especialista é o professor, que necessita de um certo grau de autonomia para exercer a sua função em sala de aula. No ensino superior, essa situação é bem mais relevante, implicando inclusive um relativamente baixo grau de poder por parte da administração e uma maior ênfase na liberdade acadêmica.

Outro ponto relevante para Katz (1964) são as relações interdepartamentais. Quando a especialização funcional envolve departamentos ou pessoas que estão em níveis diferentes em uma hierarquia, a diferença de poder pode ser utilizada para pressionar por ações ou decisões favoráveis ao nível hierárquico mais elevado. Por isso, é necessário salvaguardar a autonomia dos subordinados em relação aos superiores.

Na mesma direção, Katz (1964) argumenta que a autonomia em organizações complexas também é afetada por agentes externos à organização. No caso das instituições de ensino, esses agentes externos são constituídos pela comunidade, pela família, pela própria concorrência ou negócio. Esses agentes tentam influenciar a autonomia, controlar tanto a administração quanto os professores.

O segundo tipo de autonomia, para Katz (1964), é o da estrutura autônoma, que também tem origem na divisão do trabalho. Ela parte do princípio de que as pessoas estão implicadas em relações múltiplas e vários compromissos sendo, simultaneamente, membros de muitas organizações sociais. O autor afirma que a maioria das organizações complexas deve adaptar-se ao fato de que seus funcionários participam ativamente de vários grupos para além dos limites da instituição, como associações de trabalhadores e instituições de classe (de acordo com a sua especialidade). Também deve ser considerado o fato de que essas associações podem afetar o seu trabalho dentro da organização, uma vez que suas regras e objetivos podem ser distintos.

Segundo Katz (1964), em uma instituição de ensino situada em uma sociedade competitiva, um certo grau de autonomia é um elemento essencial para o sucesso, uma vez que as escolas são organizações que prestam serviços especializados, e esses serviços são vitais e de interesse de muitos segmentos da comunidade. Um dilema atual é o de como trabalhar de uma forma eficaz sem ceder às pressões da comunidade.

Com conceitos muito semelhantes aos das organizações complexas de Katz (1964), em seu artigo “Quatro faces das organizações educacionais”, Ellströn (2007) explica as diferenças da estrutura organizacional das instituições de ensino a partir de quatro modelos organizacionais: racional, político, de sistema social e anárquico.

O modelo racional supõe que “as organizações podem ser caracterizadas em termos de um conjunto de objetivos ou preferências” (ELLSTRÖN, 2007, p. 451). Dessa forma, as instituições são concebidas como um meio de alcançar objetivos e metas claros e consistentes.

No segundo modelo, o político, a organização é formada por grupos ou indivíduos buscando interesses diversos, a partir do uso do poder da negociação e de acordos mútuos.

Já o modelo de sistema social, para Ellströn (2007), se caracteriza pela ação como resposta a estímulos do ambiente externo, de forma reativa. As ações não são intencionais, mas emergentes, em resposta às pressões do ambiente. Para o autor, essas organizações são fortemente influenciadas pela cultura organizacional.

O quarto modelo proposto por Ellströn (2007) é o modelo anárquico. Para o autor, esse é o modelo que mais se aplica às instituições educativas. O modelo anárquico, ou o de sistema “frouxamente articulado” (WEICK, 2009), “é um recurso interpretativo quando existe falta de clareza de objetivos e há conflitos, paralelamente com ambiguidades relacionadas a procedimentos e tecnologias organizacionais” (FERNANDES, 2014, p. 7), e quando os elementos da organização são fracamente interligados e conectados uns aos outros (WEICK, 2009).

Para Ellströn (2007), esses quatro modelos correspondem a quatro dimensões da organização, e são complementares, não excludentes. Eles convivem na mesma organização, porém em tempos diferentes, com intensidades diferentes e em áreas organizacionais diferentes. O autor classificou as quatro dimensões a partir de dois aspectos: o de objetivos e preferências organizacionais e o de

transparência e clareza dos processos organizacionais e tecnologias, resumindo-os no Quadro 5:

Quadro 5 - As quatro dimensões da organização de Ellströn

Fonte: Ellströn (2007, p. 456)

De acordo com a clareza de seus objetivos e da estruturação dos processos organizacionais e tecnológicos, observa-se nas instituições a predominância de uma ou outra dimensão, que pode variar de acordo com o momento, a área ou unidade organizacional, os atores envolvidos, a temporalidade e inclusive os estímulos externos. Para Ellströn (2007), é como se a instituição escolar tivesse quatro faces, que mostraria de acordo com a circunstância, normalmente prevalecendo a dimensão anárquica.

Essa mesma visão é compartilhada no trabalho de Fernandes (2014), quando menciona dois modelos: o burocrático e o anárquico, e conclui que as instituições de ensino apresentam um comportamento dual, não seguindo exclusivamente um ou outro, mas ambos, de forma complementar. Segundo o autor, configura-se uma transição entre os dois modelos, entre uma escola

como organização burocrática, mecanicista, etc. vinculada a conceitos de articulação forte, certeza e ordem; para a escola como organização ambígua, de arena política, sistema debilmente articulado, etc. vinculada a conceitos de articulação fraca, disjunção, subjetividade e desordem. (FERNANDES, 2014, p. 9).

Essa mesma articulação é mencionada por Weick (2009), quando classifica as instituições de ensino como sistemas frouxamente articulados. Para o autor, as áreas são acopladas e respondem umas às outras, porém sem perder a sua identidade e a sua autonomia, o que muitas vezes ocasiona relações fracas e com

pouco envolvimento. Esse tipo de sistema fica evidente em várias situações, principalmente nos casos de:

a) fartura, ou seja, quando há mais recursos do que sua demanda;

b) situações em que diversas ações/meios podem chegar a um mesmo fim; c) falta de coordenação ou gerência sobre as atividades;

d) relativa ausência de regulamentos;

e) falta de respostas previstas para as situações do dia a dia por não haver uma análise de todos os efeitos das decisões tomadas;

f) pouco controle ou auditoria das atividades dentro do sistema educacional; g) descentralização;

h) delegação de atividades;

i) a constatação de que a estrutura de uma organização não está projetada para durar o mesmo tempo da atividade;

j) ocasiões em que, não importando as ações ou decisões tomadas, o resultado obtido é sempre o mesmo;

k) objetivos não muito claros ou divergentes entre as partes da organização. Weick (2009) enumera sete características que podem estar associadas ao acoplamento frouxo, tendo alta validade quando o foco são as organizações educacionais, e podendo estar relacionadas tanto a vantagens quanto desvantagens desse tipo de sistema:

a) a permanência e a manutenção de procedimentos e de pessoas;

b) maior facilidade de detecção de mudanças externas no meio ambiente, devido à independência entre os elementos e pelo fato de haver um maior envolvimento com o entorno em comparação com os sistemas mais rígidos;

c) maior adaptabilidade a mudanças, pelo fato de estarem pouco interligados, fazendo com que modificações locais afetem menos o sistema como um todo (como desvantagem, essa característica implica uma baixa padronização);

d) modificações locais mais rápidas e baratas do que quando o sistema é integrado, pois o sistema responde melhor a variações no ambiente; e) menor impacto no caso de ocorrência de problemas, uma vez que, pelo

fato de as áreas serem pouco interligadas: quando há um problema em uma, ele pode não afetar as outras partes da organização;

f) maior espaço para a autonomia dos atores, o que é importante no caso de professores, de aulas, de ensino;

g) custo menor pelo fato de haver menos níveis de coordenação, implicando uma estrutura menor e mais barata, mesmo que muitas vezes a alocação de recursos não seja racional.

Sistemas frouxamente articulados, organizações complexas ou modelos anárquicos: todos esses conceitos podem ajudar a explicar por que as instituições educacionais muitas vezes têm dificuldades em trabalhar com planejamento a mais longo prazo, diferente dos demais tipos de instituição.