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3 – UMA PROPOSTA DE LEITURA CULTURAL

No documento Leitura cultural no ensino de literatura (páginas 53-83)

No início deste trabalho, anunciamos que analisaríamos poemas para exemplificar o que vimos defendendo no decorrer dos capítulos, ou seja, uma proposta de leitura de textos literários que leve em consideração não só o estético, mas também o cultural, tendo sempre em vista a formação de um leitor crítico, ao qual damos o nome de leitor cultural (cf. GOMES, 2010). Para tanto, devemos partir de uma postura ideológica, e isso se manifesta já na escolha dos poemas. A opção por Jorge de Lima decorreu, principalmente, pela abordagem temática desenvolvida em Poemas negros (1947), que traz uma postura que, apesar de ambígua, põe em questionamento uma tradição literária de esquecimento do negro como formador da cultura brasileira. De acordo com Santos (2008), “o negro, até a literatura do século 19, só foi lembrado – quando lembrado – como escravo, não era pensado como ser constituinte e constitutivo da nacionalidade” (p. 15). Além desse caráter inovador, a escolha dos poemas “Retreta do Vinte”, “Bangüê” e “Foi mudando, mudando” decorreu também da possibilidade de intertextualidade temática e cultural que apresentam. Para o que pretendemos, eles facilitam a percepção da abordagem que queremos fazer e nos dão uma visão artístico-literária de relevante destaque no que se refere aos aspectos culturais neles envolvidos.

Como verificaremos, a leitura dos poemas leva em consideração aspectos relacionados à valorização da leitura do texto literário como uma prática imprescindível ao ensino de literatura. Nessa leitura, damos destaque à associação entre a forma e o conteúdo tratados nos textos literários de modo que exemplifique a proposta que aqui apresentamos. É notório que em poemas essa característica é mais evidente do que no texto em prosa, daí a escolha de tal gênero literário para análise. Além disso, pela abordagem que Jorge de Lima dá à cultura brasileira, a relevância em estar debatendo assuntos com um novo olhar sobre os estudos literários advém da oportunidade de utilizar conceitos dos estudos culturais como norteadores da leitura literária numa perspectiva politizada. O método de leitura escolhido – feito por meio dos estudos culturais – tem sua importância ao eleger uma posição política, acolhendo como objeto de estudo temas em que o negro, como excluído, esteja presente. É uma forma de trazer para os estudos literários acadêmicos uma discussão que traga o respeito às diferenças culturais e a formação de uma postura menos preconceituosa e elitista.

e particulares da cidade de Itabaiana/SE, os alunos têm uma abertura crítica para questões sociais. Isso pôde ser verificado quando apontaram como preferidas obras que traziam um debate de cunho social. Tal característica dos alunos pode ser aproveitada pelo professor de literatura para ampliar ainda mais a discussão e trazer outras questões relacionadas às minorias que lutam por um espaço de reconhecimento e respeito às diferenças. E um desses debates é o silêncio ao qual o negro foi submetido, tanto socialmente, culturalmente ou ainda quando falamos de sua representação na literatura, daí a escolha de tal temática para análise. Antes, porém, de fazermos a análise dos poemas, é preciso contextualizar o campo teórico que utilizaremos como método de abordagem da leitura dos textos literários. Passemos a ele.

3.1 – Aspectos teóricos da abordagem cultural

Após as discussões sobre leitura, formação de leitor, ensino de literatura e o contexto do ensino de literatura em Itabaiana/SE, pretendemos fazer alguns levantamentos teóricos que nortearão a pesquisa a partir daqui. Como nosso objetivo é apresentar uma proposta de inserção do texto literário na sala de aula que tome como perspectiva de leitura os estudos de cultura associados à estética do texto, de início discutiremos apenas aspectos teóricos – mas sempre destacando sua importância para o tipo de formação de leitores e de cidadãos que pode ser promovido na escola da educação básica – para depois os aplicarmos aos textos escolhidos. Mais especificamente eles servirão de base teórica para a leitura que fazemos nos próximos itens deste capítulo, por isso passamos a conhecer alguns dos conceitos.

Um dos pontos inicias de nossa discussão é a quebra ou desconstrução de binarismos que se criam socialmente a partir da imposição da ideologia de um grupo social sobre os demais: homem/mulher; branco/negro; heterosexual/homosexual etc.. Defendemos, assim, que a educação tem a função de questionar a forma como o poder se impõe, mas não de inserir em seu lugar um outro poder sem renovação, pois, se assim fizesse, não estaria construindo uma nova realidade, mas apenas alternando a posição dos sujeitos envolvidos na primeira. Nesse sentido, ao eleger a representação do negro na literatura (os poemas que analisamos trata dessa temática), não pretendemos enaltecer o negro para deixar de fora o branco, como seu inverso fora feito durante a história, mas reproblematizar esse dualismo. No aspecto da formação crítica, ao formar um leitor capaz de desconstruir as oposições binárias e reproblematizá-las, entretanto, é necessário, de início, que se inverta a hierarquia dicotômica,

uma vez que, de acordo com os que analisam a relação de poder presente nos dualismos, há sempre a sobreposição de um dos termos sobre o outro.

Um bom exemplo de como funcionaria a desconstrução é dado por Jonathan Culler em seu texto Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruturalismo (1997). Apesar de ser uma reflexão filosófica e não de leitura literária, o exemplo é bem ilustrativo. De início, segue o princípio de Derrida segundo o qual “desconstruir a oposição significa, primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia” (DERRIDA, 2001, p. 48). Vejamos que, ao fazer isso, não se tenta substituir os conceitos existentes por conceitos “mais verdadeiros”, como afirma Hall (2000), mas utilizar os mesmos, só que agora de forma invertida. Assim, para se fazer uma leitura desconstrutiva, é preciso trabalhar dentro dos termos do sistema, mas de modo a rompê-los. Nas palavras de Hall, é preciso colocá-los sob “rasura”. Isso significa que os termos, em sua forma original, não reconstruída, não podem ser utilizados mais para pensar. Entretanto, já que não tenham sido “dialeticamente superados e que não existem outros conceitos, inteiramente diferentes, que possam substituí-los, não existe nada a fazer senão continuar a pensar com eles” (Hall, 2000, p. 104), mas agora em sua forma desconstruída, isto é, não seguindo mais o paradigma em que foram gerados.

O exemplo que Culler dá é o seguinte: Se alguém sente uma dor, procura logo a causa da dor. Vendo um alfinete, relaciona a dor ao alfinete. Na relação entre os dois vem primeiro a dor e depois o alfinete; mas a dor, que é o efeito – portanto, posterior na ordem cronológica – torna-se a causa de procurar a causa da dor. Sendo assim, para se produzir uma sequência causal alfinete/dor é necessário que o elemento alfinete seja conhecido como causa apenas depois do efeito produzido, invertendo-se, portanto, a ordem. Concluímos, então, que a relação de causa e efeito não é algo dado como tal, mas resultado de uma retórica precisa ou de reversão cronológica (cf. CULLER, 1997, p. 100-101). De acordo com Derrida, “a necessidade dessa fase de inversão é estrutural; ela é, pois, a necessidade de uma análise interminável: a hierarquia da oposição dual sempre se reconstitui” (DERRIDA, 2001, p. 48, grifo nosso). Linguisticamente falando, Derrida questiona a posição estruturalista de Saussure e sugere que o significado está presente como um “traço”. A relação que se estabelece entre significante e significado10 não é fixa, pois o significado é produzido por um processo de

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Para a teoria saussuriana, significante e significado formam o signo linguístico. O significado corresponde ao conceito que está relacionado ao significante e este corresponde a uma imagem acústica ou gráfica que direciona para o conceito. Desse modo, pode-se dizer que o signo é uma entidade de duas faces, o significante e o significado, intimamente ligadas, que se reclamam reciprocamente quando nos comunicamos. Assim, ao falarmos ou escrevermos o significante galinha, logo criamos a imagem de uma ave de crista carnuda e asas curtas e largas, frequentemente criada em capoeiras ou em granjas e muito usada na alimentação humana. Essa parte conceitual é a outra parte do signo, o significado.

diferimento ou adiamento, ao qual Derrida dá o nome de différance. Assim, o significado, que, para o estruturalismo, parece determinado, é, na verdade, fluido, escorregadio, sem nenhum ponto de fechamento. Isso pode ser verificado quando consultamos o dicionário. Ao encontrar o significado do significante, não encontramos senão outro significante, que remete a outro e este último a um outro, numa cadeia interminável. Ao fechamento e à rigidez das oposições binárias, Derrida sugere a alternativa de que o significado está sujeito ao deslizamento (cf. WOODWARD, 2000. p. 53), isto é, ele é sempre adiado.

Na representação discursiva, a identidade passa a ser um significante e não um significado. E como tal não pode ser vista como um conceito pronto e acabado. Vimos que o significante apresenta significados deslizantes que levam a outros significantes. Da mesma forma a identidade não se apresenta de forma fixa. De acordo com Silva (2000), a identidade e a diferença “são o resultado de atos de criação linguística” (p. 76). Isso significa dizer que não são elementos naturais ou essências que simplesmente existem e que estão à espera de uma descoberta. Elas são produzidas no mundo cultural e social. E por serem produzidas podem ser modificadas, uma vez que, por serem definidas por meio da linguagem, caracterizam-se também pela indeterminação e pela instabilidade.

Já se acreditou que as pessoas pudessem ter suas identidades inalteradas. Contudo, os que defendem que na modernidade as identidades estão sendo fragmentadas argumentam que o que ocorreu com elas não foi somente sua degradação, mas seu deslocamento. Isso pode ser apontado através de rupturas ocorridas a partir do pensamento moderno. Hall (2006) aponta cinco dessas rupturas a que ele chama de descentramentos: os pensamentos de Karl Marx, de Sigmun Freud, de Ferdinand de Saussure, de Michel Foucault e o movimento feminista.

Pelo pensamento Marxista, os homens são os agentes da história, mas apenas sob as condições que lhe são dadas. Numa leitura posterior a Marx, isso foi lido da seguinte forma: já que os homens só podem agir com base nas condições que lhe são dadas, isto é, “pelas condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando os recursos materiais e de cultura que lhes foram fornecidos por gerações anteriores” (HALL, 2006, p. 34- 35), os indivíduos não poderiam ser considerados os fazedores da história. Os que defendiam essa leitura argumentavam que o marxismo deslocou qualquer noção de atividade individual. Dessa forma, ao excluir uma noção abstrata de homem no centro de seu sistema teórico, colocando em seu lugar as relações sociais, Marx deslocou dois postulados da filosofia moderna: o de que “há uma essência universal de homem e o de que essa essência é o atributo de cada indivíduo” (HALL, 2006, p. 35, grifo nosso). Esse foi o primeiro descentramento.

O segundo foi a descoberta do inconsciente por Freud. A ideia de que nossa identidade, sexualidade e estrutura dos desejos se formam tendo por base processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funcionam diferentemente da lógica racional, coloca em xeque o conceito do sujeito cognoscente e racional detentor de uma identidade fixa e unificada defendida pelo pensamento cartesiano. Posteriormente, Lacan vai dizer que a imagem da criança como ser unificado decorre da relação com os outros e é aprendido aos poucos, mas será sempre uma incompleta unificação, porque a identidade surge de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos pelo outro. Nesse sentido, a identidade é algo que se forma ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato ao momento do nascimento. É característica dela, portanto, estar sempre incompleta, estar sempre em processo.

Com o pensamento de que não somos os “autores” das afirmações que fazemos nem dos significados que produzimos na língua, Saussure inaugura o terceiro descentramento. Para ele, a língua é uma sistema social e não individual, portanto preexiste aos falantes. Ao falar uma língua, o falante não só expressa seus pensamentos, como também ativa uma enorme quantidade de significados que já estão presentes na língua e nos sistemas culturais. Por decorrer das relações de similaridade e diferença que as palavras têm umas com as outras, os significados são “deslizantes”, isto é, não são fixos. Assim, só sabemos que cadeira é cadeira pela relação que fazemos dela com outro objeto que ela não é. A identidade funciona da mesma forma. Sou quem sou por não ser outro. Dessa forma, “o significado é imanentemente instável: ele procura o fechamento (a identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença)” (HALL, 2006, p. 41). De acordo com filósofos da linguagem influenciados pela teoria de Saussure, como Derrida, apesar de se tentar fixar o significado de uma forma pronta, ele está sempre escapulindo, subvertendo assim a tentativa de criar mundos fixos e estáveis.

Como quarto descentramento, Hall ressalta a obra do filósofo francês Michel Foucault sobre o poder que vigia e regula a sociedade e o indivíduo. As condutas sociais e individuais relacionadas a tudo – saúde física e mental, trabalho, felicidade, práticas sexuais, vida familiar etc. – são mantidas no mais estrito controle pelo poder dos regimes administrativos e do conhecimento especializado. A função é produzir um ser humano dócil. Entretanto, embora o poder disciplinar seja decorrente de novas instituições coletivas, “suas técnicas envolvem uma aplicação do poder que ‘individualiza’ ainda mais o sujeito” (HALL, 2006, p. 43). Daí advém o paradoxo de que “quanto mais coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual” (HALL, 2006, p. 43).

Na década de sessenta, juntamente com as revoltas estudantis, as lutas pelos direitos civis e os movimentos revolucionários, surge também o movimento feminista. Para os proponentes da concepção de que o sujeito da modernidade tardia está identitariamente deslocado, o feminismo é o quinto descentramento. Tal movimento cria um impacto nas relações identitárias, tanto do ponto de vista teórico, quanto em seu aspecto de movimento social. Ele questiona a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e o “público” e abre uma discussão contestatória a respeito da forma como eram vistas a divisão doméstica do trabalho, a família, a sexualidade etc. Além disso, enfatizou o questionamento de como somos formados e politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação. Iniciado como um movimento de contestação à posição social da mulher, o feminismo “expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero” (HALL, 2006, p. 46).

Os cinco descentramentos possibilitaram uma reviravolta na forma de ser do homem e de seu modo de ver o mundo. A identidade passou a ser conceptualizada ou construída na comparação com outra ou outras identidades, estabelecendo-se a partir daí as relações de diferença. Assim, defendemos que tais aspectos não podem deixar de entrar na formação escolar dos futuros administradores públicos, profissionais das mais variadas qualificações, indivíduos das mais distintas e possíveis manifestações identitárias. Efetivar a educação de forma a dar a oportunidade de uma formação eclética, que torne possível o respeito às diferenças, levará a sociedade ao avanço não só cultural como também proporcionará uma convivência harmoniosa entre aqueles que, apesar de se complementarem e precisarem do diferente para serem o que são, portam-se como inimigos.

Levar tais ideias para a sala de aula é uma forma de aprimoramento cultural, social e intelectual do aluno. Se, de acordo com o inciso III do art. 35 da LDB, uma das finalidades do ensino médio é “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”, necessitamos de uma abertura muito maior no que diz respeito à formação da capacidade crítica desse educando. Para que isso se cumpra, é necessário que se execute uma educação reflexiva desde o início desse nível de ensino. Sendo assim, os conteúdos tradicionalmente estabelecidos pelas diretrizes nacionais ao invés de serem estudados como verdades absolutas, devem ser reproblematizados, para que se atinja o objetivo de formação do pensamento crítico e autonomia intelectual do aluno. Tal perspectiva nos leva a refletir de que forma isso pode ser feito ou até mesmo em quais disciplinas essa finalidade pode ser alcançada com maior proveito e mais abertura para a discussão.

De antemão, deparamo-nos com a necessidade de formação de leitores críticos que se insiram num novo contexto social de questionamento a respeito da realidade que se nos apresenta. Nesse sentido, apesar de em todas as disciplinas haver a possibilidade de discussões acerca das problemáticas humanas, destacamos a história, a filosofia, a sociologia e a literatura como disciplinas potenciais. Por ser nossa área de atuação e de pesquisa, defendemos que nas aulas de literatura essa tarefa pode ser inserida com maior êxito, uma vez que ela trata do humano e pode abrir um leque de discussões por meio dos textos literários.

Sendo a formação crítica e reflexiva um dos pilares da educação contemporânea, como, então, formar cidadãos com tais características senão reproblematizando tudo que nos foi imposto socialmente como verdades absolutas? Aquilo que parece natural, normalizado, pode vir a ser questionado, discutido e ensinado como uma construção social. Historicamente foram construídos os preconceitos tanto étnico-raciais, comportamentais, relacionados a escolhas culturais, ou até mesmo em relação à orientação sexual das pessoas. Sob o alicerce de uma sociedade extremamente patriarcal, a mulher, por muitos e muitos séculos, foi colocada à margem das decisões sociais. Sua participação se configurava como um ser vivo destinado apenas para a reprodução, o cuidado da casa, dos filhos e do esposo. Não podia, assim, manifestar-se ou participar da vida social. Tais aspectos só podem ser entendidos pelo paradigma da construção social de tais realidades, uma vez que a própria noção de gênero é questionável. O que entendemos comumente por masculino e feminino não pode ser necessariamente chamado de gênero. Gênero é, antes, o que construímos, sentimos e conquistamos nas relações sociais. Tal construção se dá pelo contraste da alteridade, ou seja, pelo confronto com o outro. Entretanto, um dos mais sérios problemas na definição do conceito de gênero está na associação que se faz, em geral, entre sexo biológico e gênero social. Para Grossi (1998), o sexo é uma categoria relacionada à diferença biológica entre homens e mulheres, e o gênero remete à construção cultural de atributos de masculinidade e feminilidade. Nesse sentido, a identidade de gênero é uma categoria pertinente para se pensar o lugar do indivíduo no interior de uma cultura (cf. GROSSI, 1998, p. 15), e essa forma de pensar passa inevitavelmente pelo ensino. A escola tem o papel fundamental de introduzir uma consciência crítica já na formação inicial do aluno e reproblematizar tais realidades na prática da sala de aula.

É de grande importância para a leitura que pretendemos fazer dos poemas de Jorge de Lima – “Retreta do Vinte”, “Bangue” e “Foi mudando, mudando” – entendermos os conceitos que se relacionam às identidades. Como trataremos de aspectos culturais envolvidos no poema, podemos chamar à discussão os aspectos relacionados às identidades nacionais de

modo que tenhamos uma visão geral de como elas dependem uma da outra para se configurarem como tais. A construção do conceito de identidade nacional feita por Kathryn Woodward no texto “Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual” (2000) aponta para as relações que devem ser estabelecidas entre uma identidade e outra. Para ela, “a identidade é relacional” (p. 9), portanto marcada pela referência e comparação com o outro. Para defender seu ponto de vista, Woodward analisa as identidades de dois países que entraram em guerra entre si: a Croácia e a Sérvia. Diz ela:

A identidade sérvia depende, para existir, de algo fora dela: a saber, de outra identidade (Croácia), de uma identidade que ela não é, que difere da identidade sérvia, mas que, entretanto, fornece as condições para que ela exista. A identidade sérvia se distingue por aquilo que ela não é, ser um sérvio é ser um “não-croata”. A identidade é, assim, marcada pela diferença (WOODWARD, 2000, p. 9).

Dizer que a identidade é conceptualizada ou construída na comparação com outra ou outras identidades, estabelecendo-se a partir daí as relações de diferença, não significa dizer que a identidade é oposta à diferença, mas que uma depende da outra para se formar. Assim,

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