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Uma via de explicitação do Ser: a linguagem teórica manifesta a dimensão

3 A PROPOSTA DE PUNTEL COM A FSE: RECUPERANDO A

3.2 A sistemática compreensiva como investigação da dimensão fundamental

3.2.3 Metafísica como sistemática estrutural

3.2.3.1 Uma via de explicitação do Ser: a linguagem teórica manifesta a dimensão

Neste sub-tópico apresentaremos uma via de acesso/explicitação/chegada ao Ser. Os argumentos empregados em EeS e SeD indicam três vias, porém para os interesses de nossa empreitada aqui nos damos por satisfeitos em apresentar apenas uma via. No próximo capítulo, quando abordamos a tese da expressabilidade exporemos, em linhas gerais, outra via. A explicitação do Ser que aqui temos em vista é resultado de uma metafísica estrutural que se desenvolve sobre as características mais fundamentais da linguagem determinada no escopo da FSE 119.

Como mostramos a linguagem que EeS elabora é uma linguagem expositiva e as sentenças declarativas têm uma função fundamental uma vez que é por elas que um teórico é elevado ao universo do discurso. A estrutura desses tipos de sentenças pode ser formalizada atribuindo um operador teórico, assinalado, por exemplo, “T X é o caso que ”. Neste caso, ‘X’ não é o sujeito, mas um indicativo geral de um campo que é articulado de modo indireto – pois não nos damos conta de que ele é articulado quando expressamos sentenças teóricas – e irrevogável em toda e qualquer sentença teórica. É pelo uso do operador teórico nas sentenças declarativas (teóricas) que podemos explicitar uma dimensão pressuposta por todo e qualquer empreendimento teórico.

O empreendimento teórico, ao visar explicitar a inteligibilidade de algo, desempenha indiretamente o papel de expressar o élan existente e inquebrantável entre a dimensão do compreender e a dimensão do algo a ser compreendido e, nesse sentido, a linguagem atinge estruturalmente as coisas mesmas por estar determinada pela dimensão fundamental que une a esfera do compreender e do algo a ser compreendido, ou na linguagem de Puntel, estrutura e Ser. Isso porque a linguagem efetivada por falantes já se move numa dimensão absolutamente fundamental e necessária para que o empreendimento teórico, o qual visa inteligibilidade, seja satisfeito.

Neste plano sistemático teórico é aclarado o sentido absolutamente “objetivo” das sentenças teóricas, isto porque não se trata de levar em conta quaisquer atitudes de sujeitos cognoscentes, pois este ideal pressuporia que sujeitos se elevassem ao plano universal; antes, o que temos é a análise profunda das estruturas teóricas com as quais teorizamos algo. É

119 A escolha desta via não é acaso ou fruto do espírito arbitrário do autor desta dissertação. Antes a escolha se

deu pela sutileza com a qual Puntel caracteriza essa via, segundo ele esta via “é de certo modo a mais imediata e elegante. Ela consiste na explicitação da dimensão universal do Ser pressuposta pelo operador teórico [...]”. In. PUNTEL, Lorenz B. A Filosofia e a questão de Deus: um novo enfoque sistemático. p. 377, 378.

justamente o resultado desta investigação que nos garante a objetividade e a certeza de que nossas sentenças alcançam a dimensão do real, permitindo-nos inferir que “em todo e qualquer enunciado teórico (mesmo no “menor”), ao qual é (ou deve ser) anteposto o operador “X é o caso de tal modo que...”, é o mundo (como um todo ou em recortes) que se expõe, mostrando-se em sua estruturalidade” (EeS, p. 539) 120.

A tese defendida por Puntel sugere que, por exemplo, na sentença prima “T ‘X é o caso que chove’”, ‘X’ aparece na sentença teórica não como referência a algum sujeito, mas se nos revela como um indicativo geral da dimensão que pressupomos e articulamos em todas as sentenças declarativas que têm por objetivo elevar o sujeito à condição de inteligir algo 121. O operador teórico é examinado e considerado como o designador da dimensão originária ou primordial, já que é pressuposta em toda e qualquer atividade teórica, isto porque: i) esta dimensão abrange todos os casos que são dados no universo do discurso, uma vez que ela é articulada quando visamos inteligir algo; e ii) se esta dimensão abrange todos os casos que estão dados no universo do discurso, ela se nos apresenta, ao ser tematizada, como aquela dimensão que apontamos com a designação de universo ilimitado do discurso, visto que só o ilimitado universo do discurso abarca a dimensão do que é tematizável no universo do discurso (limitado) (Cf. SeD, p. 179).

Ora, conforme salientamos acima, esta dimensão é identificada como o ser primordial ou universal. Isto significa que a dimensão absolutamente universal do Ser é indicada pelo “X” do operador e não se limita ao ser objetivo, oposto à dimensão estrutural, pois esta dimensão abrange todos os casos específicos – por ser comum a cada um – que são tematizados atual ou possivelmente em todos os casos do universo do discurso 122. Mas será que de fato haveria esse ponto comum em todos os casos específicos?

120 Observe que a palavra mundo tomada nesta citação está vinculada ao ser em sentido objetivo e também ao ser

em sentido primordial.

121 “[...] é preciso observar, no entanto, que, em português, diferentemente de outras línguas ocidentais, como o

inglês, o alemão, o francês etc., não ocorre, em expressões como “chove”, “faz calor”, “é o caso que...”, uma partícula usual nessas línguas “it”, “es”, “il” ... Porém, deve-se ter em mente que tal partícula é tacitamente pressuposta também nas referidas locuções em língua portuguesa. Para indicar esse fato, poder-se-ia formular: “(...) faz calor”, “(...) é o caso” etc. e, para deixar ainda mais claro este ponto, que como se verá, é de suma importância, pode-se introduzir uma variável universal, indeterminada, como, por exemplo, simplesmente “X”. Assim se obteria: “X faz calor”, “X é o caso de tal modo que...” etc. Pode-se, então, de um modo um tanto ousado, atribuir às partículas impessoais “es” (em alemão), “it” (em inglês) etc. e “X” (em português) uma função e um significado especiais.” In. EeS 538. O leitor deverá observar que os exemplos indicados valorizam as interpretações do autor de EeS e, nessa perspectiva, as formulações visam dar conta das especificidades teóricas indicadas nesta citação.

122 Uma observação se faz necessária: “O sujeito cognoscente não aparece explicitamente na sentença teórica;

mas isso não significa que ele esteja ausente de modo completo. O que acontece é notável: já que o sujeito universal é o sujeito elevado à perspectiva universal, a menção explícita do SU é inteiramente redundante; o SU, que é o sujeito destituído de todas as particularidades, é simplesmente identificado com a perspectiva universal.”

Na passagem que será reproduzida abaixo, Puntel finda suas considerações sobre a viabilidade de um suposto fator que estrutura todos os conteúdos do universo do discurso, fator este que é expresso pelo “desvelamento” do operador teórico e a dimensão a qual ele denota.

Este ponto consiste em que todos esses “casos” são primordial e fundamentalmente “casos que são, casos de Ser”, modos daquele ponto comum, que está na base de todos os pontos comuns, na medida em que os haja, a saber, do Ser. Caso alguém quisesse contestar essa tese, deveria ser capaz de mencionar um ponto comum ainda mais fundamental ou ainda mais original. Não se vislumbra como isso poderia ser possível. É preciso dizer que “Ser”, nesse caso, não significa só o assim chamado Ser atual, mas também o Ser possível. Dessas análises decorre que o uso simples do operados teórico, até mesmo no caso da mais simples e modesta sentença declarativa, revela e explicita a dimensão universal, a dimensão do Ser primordial (SeD, p. 180-181).

Posto isso, é inegável que na assunção programática da FSE é necessário defender e argumentar a favor desta unidade fundamental e inquebrantável entre a dimensão do compreender e a dimensão da coisa a ser compreendida, ou seja, entre a teoricidade e o universo do discurso 123. Tal necessidade não é uma arbitrariedade do teórico, mas uma exigência da reflexão que iniciou delimitando o que pressupomos quando dizemos que podemos conhecer algo, passou pela especificação dos componentes do quadro teórico que dispomos e com o qual pretendemos legitimar nossas teorias e terminou por destacar a necessária interligação das dimensões que, de modo abstrativo eram tomadas separadas, perfazem a dimensão do compreender e da coisa a ser compreendida. A possibilitadora de tal relação é a dimensão fundamental que Puntel denomina Ser 124.