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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.6 UMA VISÃO MAIS GERAL

Diante dos resultados aqui apresentados, podemos dizer que, em geral, as duas cidades compartilham o fato de não ser frequente a realização do artigo definido. Essa constatação ganha respaldo nos gráficos 1 e 4 deste capítulo repetidos nos gráficos 7 e 8, a seguir:

Gráfico 7: Resultado porcentual total de presença versus ausência de artigo definido no município de Carnaíba

Gráfico 8: Resultado porcentual total de presença versus ausência de artigo definido no município de Serra Talhada

17% 83% Presença Ausência 17% 83% Presença Ausência

Olhando para os resultados gerais dos dois municípios, poderíamos dizer que estamos diante de uma mesma comunidade de fala, haja vista que as duas cidades desfavorecem a realização do artigo de forma significativa. Assim, notamos que tanto em Carnaíba, quanto em Serra Talhada a variante predominante é aquela onde os contextos de possessivos e de antropônimos não são antecedidos pelo determinante em análise. Dessa forma, as duas cidades compartilham de traços linguísticos que as aproximam entre si e as distanciam de outras comunidades como a do Rio de Janeiro (cf. SILVA, 1998).

Todavia, é interessante lembrarmos que não é “regra” que comunidades diferentes não compartilhem de semelhanças. Além das divergências, podem existir semelhanças entre diferentes comunidades de fala. Guy (2000, p. 21) afirma que:

(...) o modelo de comunidade de fala implica graus de semelhança e diferença lingüísticas, bem como distribuições concentradas, cruzadas ou sobrepostas de traços compartilhados por falantes. Assim, uma comunidade de fala local, com características localmente distintas, pode, no próximo nível ascendente, compartilhar características dialetais regionais, a seguir, pertencer a uma comunidade de fala nacional mais ampla e, finalmente, no nível mais alto, participar de uma comunidade internacional de falantes de uma mesma língua. (...) e os falantes compartilhariam o maior número de características com seus vizinhos imediatos, seguidos por compatriotas regionais e nacionais.

Em Pereira (2011), vimos que a baixa frequência de artigo definido diante dos contextos de antropônimos e possessivos é uma característica da região do sertão do Pejeú, uma vez que as quatro cidades analisadas pelo autor apresentaram um nível baixo de ocorrência. Em nosso estudo, mostramos que, tomando por base a variável dependente, há uma preferência pela variante sem artigo definido diante dos contextos. Assim, tanto Carnaíba, quanto Serra Talhada, que pertencem a região do sertão do Pajeú, estão compartilhando a característica local da região de não favorecer a realização do artigo diante de antropônimos e de pronomes possessivos. Isso nos faz lembrar a discussão feita no capítulo 2 sobre a comunidade de fala ser um tipo de boneca russa, onde uma comunidade se encontra dentro de outra maior, que, por sua vez, também é encaixada dentro de outra maior e assim por diante, fazendo com que as comunidades compartilhem semelhanças.

Mas, também, é importante olharmos para o que as variáveis independentes nos mostraram:

Quadro 91: Variáveis linguísticas e extralinguísticas com significância no contexto de Antropônimo nos dois municípios

Cidade analisada

Variável com significância para o GoldVarb X Linguística Extralinguística Carnaíba  Tipo de preposição  Função sintática  SN isolado  Referência do antropônimo --- Serra Talhada  Tipo de preposição  Função sintática  SN isolado  Referência do antropônimo  Sexo  Escolaridade

Quadro 92: Variáveis linguísticas e extralinguísticas com significância no contexto de pronomes possessivos nos dois municípios

Cidade analisada

Variável com significância para o GoldVarb X Linguística Extralinguística Carnaíba  Tipo de preposição  Função sintática  SN isolado  Sexo  Faixa etária Serra Talhada  Contexto preposicionado  Tipo de preposição  Função sintática  SN isolado  Sexo  Faixa etária

É interessante que olhemos para os dois contextos em separado, já que os resultados das influências das variáveis foram diferentes nos dois contextos: os possessivos, nos dois municípios, foram sensíveis às mesmas variáveis – excetuando-se o contexto preposicionado –, tanto as variáveis de ordem linguística, quanto aquelas de ordem extralinguística, diferentemente dos antropônimos. Diante de antropônimos, o resultado de significância de variável extralinguística mostrou uma disparidade entre os municípios.

Em se tratando apenas do contexto de possessivos, podemos pensar que estamos diante de uma mesma comunidade, haja vista que os dois municípios foram sensíveis às influências das mesmas variáveis e, nesse contexto, o número de ocorrência de artigo não se distancia muito. Assim, os dois municípios compartilham características sociais e linguísticas sobre o fenômeno.

Por outro lado, o contexto de antropônimo parece distanciar esses dois municípios. Das duas cidades analisadas, Serra Talhada parece ser a única localidade onde questões externas à língua interferem no sistema. Em Carnaíba, até onde nossa análise pôde chegar, as variáveis externas não foram consideradas significativas. Ora, então como pensarmos que estamos diante de uma mesma comunidade no que diz respeito ao antropônimo se as variáveis extralinguísticas não obtiveram significância, isto é, não interferiram em Carnaíba, mas foram significativas em Serra Talhada? Nesse contexto, os dois municípios compartilham da característica local de “bloquear” a realização, mas não partilham as características sociais sobre o fenômeno, comportando-se como comunidades diferentes.

Cientes da existência de um consenso entre os estudiosos da área sobre a dura tarefa de delimitar os limites de uma comunidade de fala (cf. RESENDE, 2006; WIEDEMER, 2008), parece-nos que, no que tange ao contexto de antropônimo, estamos diante de comunidades distintas, haja vista que, em Carnaíba, os possíveis efeitos das variáveis extralinguísticas parecem não existir, o que coloca esse município em um caminho oposto daquele seguido por Serra Talhada, onde o efeito das variáveis extralinguísticas acontece.

As evidências apresentadas neste trabalho acabam sugerindo que em um contexto de possessivos, as cidades compartilham das características e das restrições à variação. Em outro contexto, de antropônimos, as localidades se distanciam, apresentando-se como subcomunidades dentro de uma maior, como em Guy (2000).

Se o que estamos dizendo aqui estiver correto e os resultados não sofrerem alteração em pesquisas futuras nessas comunidades, as duas cidades estão seguindo uma predição da teoria da sociolinguística apresentada em Guy (2000, p. 31): “o número menor de traços que

distingue certas cidades reflete o status delas como subcomunidades distintas dentro da comunidade maior.”.

Essa conclusão de Guy (2000) decorreu de sua análise sobre o processo fonológico do apagamento do –s final e o processo morfossintático de marca variável de plural em quatro municípios gaúchos: Porto Alegre, Panambi, Flores da Cunha e São Borja. A partir de seu

corpus, o autor verifica que “em um nível, essas comunidades compartilham forte e

sistematicamente a maior parte das mesmas restrições à variação. (...) Em dois pontos, contudo, identificamos restrições que parecem receber um tratamento distinto por uma ou outra comunidade.” (Ibid, p. 31).

Portanto, as cidades aqui analisadas parecem andar em direção às conclusões obtidas em Guy (2000), pois as localidades se aproximam em um determinado ponto, mas se distanciam em outro.

Diante do que foi exposto durante toda a discussão deste capítulo e ciente da dificuldade consensual de delimitar comunidades de fala, levantamos o seguinte questionamento para pesquisas futuras realizadas na área: (a) com base no que foi apresentado, estamos, realmente, diante de uma mesma comunidade ou de duas comunidades linguísticas distintas? e (b) um único fenômeno seria capaz de traçar os limites que separam comunidades de fala distintas?