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Umberto Eco: noção de leitor-modelo

No documento marcada e referenciação (páginas 30-33)

CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.4 Umberto Eco: noção de leitor-modelo

como em: X, em sentido próprio, figurado; X, não no sentido...; X, nos dois

sentidos; X em todos os sentidos do termo; X, é o caso de dizê-lo, se ouso dizer; etc.

Aos tipos de não-coincidências acima referidos relacionam-se os exteriores teóricos convocados pela autora na tessitura de sua tese. O primeiro tipo apóia-se no dialogismo bakhtiniano, ―muito sensível ao heterogêneo relacionado às pessoas e ao peso sócio-histórico das palavras‖ (1998, p.147); apóia-se, ainda, na concepção lacaniana do sujeito não- coincidente consigo mesmo, radicalmente clivado em relação a um inconsciente que o determina. Para tratar da não-coincidência do discurso com ele mesmo, a autora aciona o dialogismo bakhtiniano ―pelo qual toda palavra, por se produzir no meio do já-dito de outros discursos, é ‗habitada‘ pelo discurso outro‖ (TEIXEIRA, 2005, p. 162). Nesse aspecto, Authier-Revuz (1991) recorre à noção pêcheutiana de interdiscurso, pois ela sustenta o princípio fundamental ―de que toda palavra é determinada por isso que fala, em outro lugar, antes e independentemente‖ (TEIXEIRA, 2005, p. 162). Os dois últimos tipos de não- coincidências são respeitantes ao real da língua – de um lado, como forma, como espaço de equívoco, de outro. Dessa forma, são tratados sob a égide da psicanálise lacaniana.

Vemos que seja sob a denominação de heterogeneidade, seja sob a de não- coincidência do dizer, o chamamento de exteriores teóricos se faz necessário para compor um estudo da enunciação que considera que o atravessamento do discurso ―pelos outros‖ é condição mesma desse discurso.

1.4 Umberto Eco: noção de leitor-modelo

Para apoiar nosso posicionamento, convocaremos a noção de leitor-modelo de Umberto Eco, por julgarmos que seu pensamento acerca dessa entidade respalde nossa visão frente a formas não prototípicas de marcação.

O nome de Umberto Eco é, sem dúvida, ponto de referência no campo de estudos do leitor. Foi em Obra Aberta (1962) que Eco começou a discutir o papel do destinatário na atualização e interpretação do texto. Segundo ele, não dispunha, naquele momento, ainda, de instrumentos suficientes para analisar teoricamente a estratégia textual: como o texto estimulava e regulava a participação do leitor.

Após seu encontro com o Formalismo e com a Linguística Textual, escreve Lector in

discussão. Nele, afirma que todo texto demanda a participação de seu destinatário. E isso por dois motivos: para ser atualizado, fazer a correlação expressão-código e também por estar repleto de espaços em branco, não-ditos, que devem ser preenchidos. Para ele, o texto é um ―mecanismo preguiçoso‖, precisa de alguém que o ajude a funcionar.

Falar que um texto é preguiçoso é invocar o próprio funcionamento da linguagem, sua não-transparência. Eco admite que a língua não se reduz a um código, ―não é uma entidade simples, mas, frequentemente, um complexo sistema de regras‖ (ECO, 1979, p. 56) e que não basta a competência linguística para decodificar uma mensagem, para constituir sentido (interpretar). Além dela, deve haver ―uma competência circunstancial diversificada, uma capacidade de pôr em funcionamento certos pressupostos, de reprimir idiossincrasias, etc., etc. (sic)‖ (ECO, 1979, p. 56).

Quando o autor produz um texto, faz uma hipótese sobre como este será lido, que caminhos o leitor deve percorrer, faz uma previsão de como será esse leitor. A essa instância, Eco chama leitor-modelo. Ele deve se mover no nível da interpretação da mesma forma que o autor o fez no nível gerativo10. Para tanto, estratégias são tomadas. Para organizá-las, o autor do texto ―deve assumir que o conjunto de competências a que se refere é o mesmo de seu leitor‖ (ECO, 1979, p. 58). Eco ressalta que não se trata de esperar que o leitor-modelo exista, mas que trabalhe o texto de forma a construí-lo.

Eco (1979), quando advoga em favor de uma entidade pressuposta que emerge de todos os textos - o leitor-modelo -, refere-se a uma tal entidade abstrata, construída pelo texto que constitui, em verdade, um conjunto de condições de êxito11, textualmente estabelecidas, para a leitura desse texto. Cabe, aqui, a ressalva de que o leitor-modelo de que fala o autor não se confunde, em hipótese alguma, com o leitor empírico - entidade concreta que se depara com o texto.

Os meios de que se dispõe para ―selecionar‖ um dito leitor-modelo são múltiplos: a escolha de uma língua, que exclui quem não a lê; a escolha de um tipo de enciclopédia; a seleção lexical. Eco adverte que, muitas vezes, há erros de previsão, motivados por análises infundadas ou preconceitos culturais. Lembra, também, que os textos podem ser classificados em abertos ou fechados dependendo da forma como as estratégias foram trabalhadas. Os últimos cerceiam o leitor, dão pouco espaço a ele. Os primeiros são mais "preguiçosos", pedem mais a participação do leitor.

10 Nível gerativo concerne ao percurso gerativo de sentido (termo da Semiótica), que é uma sucessão de

patamares, cada um dos quais susceptível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz os sentidos, que vai do mais simples (nível discursivo) ao mais complexo (níveis narrativo e fundamental).

Assim como Eco, assumimos que o texto postula a cooperação do leitor como condição própria de atualização. Podemos dizer melhor: o texto é um produto cujo destino interpretativo deve fazer parte do próprio mecanismo gerativo. Gerar um texto significa executar uma estratégia de que fazem parte previsões dos movimentos de outrem - como, aliás, em qualquer estratégia. É relevante, neste ponto, ratificar que a previsão de um leitor- modelo não significa apenas ―esperar‖ que ele exista, mas significa, também, mover o texto de modo a construí-lo. O texto não apenas repousa numa competência, mas contribui para produzi-lo.

É fato que nenhum texto é lido independentemente da experiência que o leitor tem de outros textos. Desse modo, se aceitamos a proposta do leitor-modelo, estamos aceitando, também, o fato de que, no momento em que dissimulamos que é nosso o discurso do outro, a partir de procedimentos intertextuais conscientes, por exemplo, é nesse momento mesmo que instituímos uma instância cuja competência intertextual tornará possível o alcance semântico pretendido. Não estamos, com isso, dizendo que, em não se tendo a ―adequação‖ de tal competência, determinada interpretação será rejeitada – afinal, ela existe como potencialidade virtual; um texto é um universo aberto em que o intérprete pode descobrir infinitas interconexões. Com efeito, o ato da leitura de um texto é uma transação difícil entre a competência do leitor (seu conhecimento de mundo) e o tipo de competência que um dado texto postula, a fim de ser lido de forma econômica. É relevante salientarmos que não estamos falando do texto como entidade autônoma. As intenções comunicativas do enunciador, seus desejos inconscientes são considerados, mas desde que haja um percurso mínimo (textual) que sinalize nesse sentido.

Face ao exposto, como estamos defendendo que os mecanismos de mostrar, apontar a presença do outro na superfície textual de modo que essa presença se nos apresente marcadamente, o chamamento dessa instância proposta por Eco nos parece interessante na medida em que acreditamos que, quando há consciência na escolha de certos termos, nas marcações de heterogeneidade, é apostando na visão de um certo leitor-modelo que o autor mostra as heterogeneidades no discurso, por meio de certas marcas que, por não serem aquelas clássicas, não trazem consigo a garantia inequívoca de que serão reconhecidas por todos, o que não faz, absolutamente, com que o fenômeno deixe de estar ali, ponderação imprescindível para os objetivos deste trabalho.

No documento marcada e referenciação (páginas 30-33)

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