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Para Maingueneau (2008b, p. 137) enunciado e texto “estão sempre imbricados” em um lugar social, ou seja, as análises enunciativo-discursivas têm de considerar todos os aspectos que unem a organização textual à situação de comunicação mediante um modo de enunciação. Por esse motivo, a enunciação é “o produto de um acontecimento único, que supõe um enunciado, um coenunciador, um momento e um lugar particulares”.

Maingueneau (2008a, p. 16-19) compreende o discurso como “integralmente linguístico e integralmente histórico” e, como “um sistema de regras que define a especificidade de uma enunciação”. O autor tem como um de seus principais pontos teóricos a tese do primado do interdiscurso sobre o discurso (MAINGUENEAU, 2008a).

Assim sendo, as análises têm de privilegiar o nível interdiscursivo, já que todo discurso é sempre habitado por outros. Por conseguinte, há espaços de trocas em que o “Outro” está introduzido no “Mesmo”, ainda que aquele não esteja claramente exposto em citações e perceptível na superfície linguística. O “Outro”, segundo Maingueneau (2008a, p.37), seria um interdito, ou seja, o dizível faltoso da interação discursiva. Dessa forma, afirma Maingueneau (2008a, p. 35- 37) no que tange à relação interdiscursiva “Mesmo/Outro”:

Reconhecer este tipo de primado do interdiscurso é incitar a construir um sistema no qual a definição da rede semântica que circunscreve a especificidade de um discurso coincide com a definição das relações desse discurso com seu Outro. No nível das condições de possibilidades semânticas, haveria, pois, apenas um espaço de trocas e jamais de identidade fechada. [...] O Outro não deve ser pensado como uma espécie de “invólucro” do discurso, ele mesmo considerado como invólucro de citações tomadas em seu fechamento. No espaço discursivo, o Outro não é nem um fragmento localizável, uma citação, nem uma entidade externa [...] ele se encontra na raiz de um Mesmo sempre já descentrado em relação a si próprio [...] ele é aquele que faz sistematicamente falta a um discurso e lhe permite encerrar-se em um todo.

Quando se tem essa noção das correlações enunciativo-discursivas, em que o interdiscurso precede o discurso, há um deslocamento na forma de apreender os objetos de análise. São nas relações interdiscursivas e não em discursos isolados que os enunciados emergem.

Para isso, o autor (2008a, p. 33) elabora uma tríade conceitual para tornar “menos grosseiro este termo muito vago” e opta por trabalhar e delimitar as condições de enunciabilidade no nível de um “universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo”, noções que abrangeriam de forma mais exata a ideia de interdiscurso e, consequentemente, o processo de interdiscursividade.

O primeiro é designado pelo autor (2008a, p. 33) de universo discursivo, que “é o conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem numa conjuntura dada”. É um conjunto finito e não pode ser apreendido em sua globalidade e serve como balizador ao analista do discurso para definir domínios que serão estudados.

O segundo é o campo discursivo, que “são conjuntos de formações discursivas que se encontram em concorrência, delimitam-se reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 34).

Para Fischer (2013) as formações discursivas funcionam como matrizes de sentido. Assim, Fischer (2013, p. 141) as descreve:

A formação discursiva deve ser vista, antes de qualquer coisa, como o princípio de dispersão e de repartição dos enunciados, segundo o qual se “sabe” o que pode e o que deve ser dito, dentro de determinado campo e de acordo com certa posição que se ocupa nesse campo. Ela funcionaria como uma “matriz de sentido”, e os falantes nela se reconheceriam, porque as significações ali lhes parecem óbvias e “naturais”.

No que diz respeito à noção de formação discursiva, Maingueneau opta por denominá-la, atualmente, de posicionamentos (MAINGUENEAU, 2010). As formações podem estar em confronto, aliança ou em uma neutralidade aparente dentro de seus universos discursivos.

Essa concorrência entre posicionamentos se constitui por “discursos que possuem a mesma função social”, mas divergem sobre o modo pelo qual ela deve ser preenchida” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 34).

Tal concorrência, segundo o autor, deve-se ao fato de os discursos estarem sempre em intercorrelações que podem se atrair, se dissipar, formar embates ou alianças e, ainda, podem estar em uma “aparente neutralidade”.

Portanto, Maingueneau afirmará que (2008a, p. 34), “é no interior de um campo discursivo que se constitui um discurso”, partindo desse princípio, diz que tais discursos poderiam ser descritos por regularidades mediante “formações discursivas já existentes”.

Contudo, irá dizer que as regularidades dos discursos não emergem da mesma maneira, já que esses são heterogêneos. Destarte, o recorte dos discursos em campos é uma abstração necessária. No entanto, o intuito não é definir zonas insulares, já que o interdiscurso tem primazia sobre o discurso.

Referente ao terceiro, o autor o conceitua de espaço discursivo (MAINGUENEAU, 2008a). Este são “subconjuntos de formações discursivas que o analista, diante de seu propósito, julga relevante pôr em relação”. O espaço discursivo é estabelecido pelo analista mediante conhecimento do campo discursivo e de hipóteses referidas por ele e fundamentadas sobre conhecimento dos textos e sobre um saber histórico, que serão confirmadas ou não na análise.

Ao segmentar o interdiscurso em três categorias analíticas, abre-se a possibilidade de descrições enunciativo-discursivas voltadas para a abrangência semântico-discursiva das constituições enunciativo-discursivas nos mais variados campos e espaços. Sendo assim, por considerar como objeto de análise as relações interdiscursivas e, não, discursos em si, isolados, Maingueneau (2008a) propõe a apreensão desses objetos mediante uma semântica global do discurso para dar conta dos múltiplos planos discursivos.

No próximo subitem descreveremos a ideia de semântica global desenvolvida por Maingueneau (2008a).