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3 VALORES HUMANOS BÁSICOS: SEU CONTEÚDO E SUA ESTRUTURA

3.4 Valores humanos e comportamento nas organizações

Os valores são construídos socialmente pelos indivíduos, os quais se engajam em uma sociedade permeada por concepções ideológicas e culturais que influenciam seu

comportamento e, conseqüentemente, a estruturação dos valores. Dessa forma, os valores são influenciados pelos pensamentos filosóficos dominantes e pelas crenças e costumes presentes no cotidiano das pessoas. Conforme Rokeach (1973), os valores são crenças individuais sobre estados finais de existência e sobre comportamentos desejáveis, tendo como principal característica sua importância na dimensão individual e societária.

Na perspectiva de Kabanoff, Waldersee e Cohen (1995), os valores desempenham várias funções essenciais no ambiente organizacional, principalmente em relação à capacidade de descrever o que é importante para os empregados de forma individual e para a organização em âmbito global. Meglino e Ravlin (1998) postulam o pensamento de que os valores influenciam diferentes tipos de comportamento no trabalho e sinalizam situações de mudança organizacional.

As relações entre valores, atitudes e comportamento são delineadas desde as concepções iniciais acerca desses construtos. Rokeach (1973) considera que todas as atitudes humanas podem ser concebidas como expressivas de valores e, segundo Schwartz e Bilsky (1990), as concepções sobre valores norteiam atitudes e comportamento de todos os seres humanos em todas as culturas e épocas. Nesse sentido, convém salientar que, nas organizações, pode-se perceber que os comportamentos dos funcionários estão repletos de valores que embasam suas ações e atitudes perante as vicissitudes e desafios do mundo do trabalho.

As prioridades axiológicas influenciam o comportamento de forma sistemática. Schwartz (2005) assinala que existem diversos processos de ligação entre valores e comportamento, a seguir especificados.

A ativação de valores é o primeiro processo de ligação entre valores e o comportamento. Um valor poderá ser ativado, dependendo da capacidade cognitiva do ser humano para acessá-lo. Valores que se revestem de uma importância maior para os indivíduos apresentam maior acessibilidade. Nessa perspectiva, Verplanken e Holland (2002) desenvolveram estudos que demonstraram a necessidade de os valores serem ativados para afetar o comportamento.

Na concepção de Feather (1988), valores como fonte de motivação constituem o segundo processo que os liga a comportamento. As ações tornam-se mais atraentes quando promovem o alcance de objetivos valorizados. Os valores pessoais e as necessidades psicológicas e sociais induzem valências em ações possíveis.

A influência dos valores na atenção, percepção e interpretação de situações constitui o terceiro processo de ligação. O ser humano interpreta cada situação vivenciada à luz de seus

valores mais importantes, delimitando a direção da ação desejável para aquela situação peculiar. Dessa forma, prioridades axiológicas também influenciam o peso que o indivíduo preceitua para cada componente de valores. Consoante postulam Schwartz, Sagiv e Boehnke (2000), valores que apresentam elevada prioridade expressam metas consolidadas que motivam os indivíduos a buscar e responder aos aspectos de valores relevantes para a situação.

Os valores impactam a percepção e a interpretação de situações vivenciadas pelos indivíduos no seu cotidiano. Muitos contextos de trabalho exigem que sejam tomadas decisões técnicas e administrativas para a resolubilidade das questões operacionais. Nesses momentos peculiares, os valores guiam as decisões, corroborando a idéia de uma análise profunda dos fatores envolvidos em determinadas situações de trabalho. Nesse sentido, as prioridades axiológicas influenciam o significado que o indivíduo concede a cada componente de valores.

A influência dos valores no planejamento de ações é o quarto processo de ligação entre eles e comportamento. O ato de planejar constitui um valor essencial para a consecução de metas, pois o indivíduo, ao traçar as etapas a serem percorridas para a obtenção dos seus objetivos, está desempenhando uma função estratégica essencial, a qual resultará em êxito. Gollwitzer (1996 apud SCHWARTZ, 2005) postula a reflexão de que os objetivos mais importantes devem induzir uma motivação maior para que se planeje com esmero. Dessa forma, quanto mais prioridade é atribuída a um valor, mais provavelmente as pessoas devem formular planos de ação que possam levar à sua expressão no comportamento.

Gollwitzer (1996 apud SCHWARTZ, 2005) realizou experimentos que evidenciaram a relevância do planejamento, principalmente pela capacidade de aumentar a probabilidade dos comportamentos serem orientados por objetivos. Ao proceder ao planejamento das ações, os indivíduos devem estar focados nos aspectos positivos da ação desejada, em vez dos fatores que obstaculizem a realização das ações. Planejar fortalece a persistência em face de obstáculos e distrações, faz aumentar a disponibilidade para recomeçar atividades dirigidas para a meta depois de interrupções.

A Teoria dos Valores Universais, de Schwartz (1994; 2005), converge de forma consolidada para o estudo do impacto dos valores sobre o comportamento no trabalho. Esse modelo postula análises de prioridades axiológicas múltiplas e concorrentes, afluindo para o estudo da relação dos valores com o comportamento de maneira integrada, pois não é a prioridade dada a um determinado valor que influencia o comportamento, mas a interação dos múltiplos interesses representados pelos valores.

Os valores pessoais podem ser considerados como preditores do comportamento no trabalho e nas organizações. A relação entre os valores pessoais e do trabalho com o desempenho organizacional reveste-se de elevada significância. Boyatzis e Skelly (1995 apud TAMAYO et al., 2001) pesquisaram a existência de evidências de que mudanças de valores sociais têm impacto sobre a vida organizacional. Schwartz (1999) mostrou que há estreita relação entre os valores pessoais e os valores no trabalho. Ros, Schwarts e Surkis (1999) estudaram a influência das prioridades axiológicas da pessoa sobre a significação que ela atribui ao trabalho. Dois fatores das dimensões dos valores pessoais, autotranscendência e conservação, correlacionaram-se positivamente com o trabalho.

Estudos realizados por Tamayo (2000a) verificaram a relação entre as prioridades axiológicas do indivíduo e a satisfação no trabalho dentro de uma mesma cultura. Os resultados da pesquisa constataram que os valores de autotranscendência influenciam a satisfação com os colegas e que a prioridade conferida aos valores de conservação afeta a satisfação com a chefia e com a equipe. Tamayo (2000b) verificou o impacto das prioridades axiológicas dos trabalhadores de duas empresas da área de energia elétrica sobre o comportamento organizacional. Os resultados evidenciam que o comprometimento organizacional parece atender à motivação de conservação do status quo, de procura do bem- estar coletivo (valores de universalismo) e de obtenção de prestígio e controle de pessoas e recursos (valores de poder).

Pesquisa desenvolvida por Tamayo et al. (2001) verificou a influência das prioridades axiológicas e do tempo de serviço dos empregados sobre o comprometimento afetivo com a organização. A análise de regressão múltipla utilizada para testar o poder preditivo dos dez tipos motivacionais de valores revelou que tradição, poder, estimulação e universalismo foram os preditores axiológicos mais relevantes do comprometimento organizacional.

Tamayo (2005) estudou a relação de valores pessoais e organizacionais sobre o comprometimento organizacional, utilizando a abordagem teórica de Schwartz. Subjacentes aos valores individuais estão às motivações pessoais. Os escores obtidos nos tipos motivacionais de valores representam o perfil motivacional da pessoa. Este é definido com suporte na importância dada pela pessoa a cada um dos conjuntos motivacionais que orientam a sua vida.

Durante as duas últimas décadas, o esforço constante das organizações por inovações nas práticas de trabalho, produtos e serviços representou a busca pelo sucesso e eficiência (HARGADON; DOUGLAS, 2001). Nos ambientes de mudança constante, a habilidade de introduzir inovações é um componente crucial de efetividade. Dessa forma, é importante

identificar os fatores que afetam as diferenças individuais nas reações a novas tecnologias. Savig, Roccas e Halevy (2005) investigaram o impacto dos valores pessoais sobre a satisfação com técnicas inovadoras de aprendizagem. O trabalho de campo foi realizado em uma universidade de ensino a distância em Israel. Os autores pretendem que os valores de autodeterminação e universalismo são congruentes com ambientes de comunicação inovadores, mas valores de conformidade e tradição apresentam-se incongruentes em relação a esses ambientes.

Pesquisas realizadas por Tamayo et al. (1998) constataram o impacto dos valores pessoais sobre o comportamento de cidadania organizacional. Os resultados dos estudos evidenciaram que as prioridades no plano dos valores de autotranscendência, autopromoção, abertura à mudança e conservação têm influência significativa sobre vários fatores de cidadania organizacional. Porto (1998) investigou a capacidade preditiva das prioridades axiológicas e das culturas regionais brasileiras sobre os comportamentos de civismo nas organizações. Os resultados indicaram que os valores individuais influenciam os comportamentos de civismo, cujas motivações podem ser tanto sociocêntricas quanto individualistas. Os dados demonstraram que os fatores de autotreinamento e sugestões criativas apresentaram uma motivação de abertura à mudança. Este tipo motivacional é composto por valores de autodeterminação e estimulação. O fator criação de clima favorável à organização no ambiente externo relaciona-se com dois tipos motivacionais: autopromoção e autotranscendência. Os fatores cooperação com os colegas e proteção ao sistema apresentaram relação com o tipo motivacional autotranscendência, indicando que as pessoas que se preocupam com o bem-estar dos outros são mais favoráveis à prática desses comportamentos.

As evidências empíricas acerca da relação entre as prioridades axiológicas e os comportamentos humanos no âmbito organizacional consolidam a importância dos valores como norteadores da vida humana. Ressalta-se a relevância dessas pesquisas, as quais demonstraram o impacto dos valores pessoais sobre o comportamento de cidadania, foco deste estudo. Os pesquisadores fundamentaram-se na Teoria Universal dos Valores Humanos, de Schwarts (2005), buscando demonstrar o poder preditivo dos valores em relação às múltiplas facetas do comportamento nas diversas dimensões da vida.