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3 VALORES HUMANOS BÁSICOS: SEU CONTEÚDO E SUA ESTRUTURA

3.3 Valores humanos e sua estrutura de relações

A Teoria dos Valores Humanos Básicos, de Schwartz (1994), identifica dez tipos de valores distintos motivacionalmente, reconhecidos dentro e entre as culturas: poder, realização, hedonismo, estimulação, autodeterminação, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança. A principal característica da Teoria refere-se às estruturas das relações dinâmicas entre os dez valores que ela explicita. A teoria postula o argumento de que ações expressivas de qualquer valor têm conseqüências práticas, psicológicas e sociais que talvez causem conflito ou sejam compatíveis com a busca de outros valores.

A estrutura circular na Figura 3 retrata o padrão total das relações entre os valores postulados pela Teoria. Segundo Schwartz e Boehnke (2004), o arranjo circular dos valores representa um continuum motivacional. Quanto mais próximos estiverem quaisquer dois valores em ambas as direções em volta do círculo, mais similares são suas motivações

latentes, e, quanto mais distantes quaisquer dois valores, mais antagônicas suas motivações. A afirmação do continuum motivacional é especialmente importante para relacionar as prioridades dos valores a outras variáveis.

Figura 3 – Estrutura teórica de relações entre valores. Fonte: Schwartz (2005).

A estrutura circular na Figura 3 revela o padrão de relações teóricas de conflito e congruência entre tipos motivacionais. Quanto mais próximos dois tipos motivacionais estão, em qualquer uma das direções ao redor do círculo, mais semelhantes são suas motivações subjacentes. Quanto mais distantes, mais antagônicas são suas motivações subjacentes. Tradição e conformidade estão localizadas em um mesmo campo porque elas compartilham o mesmo objetivo motivacional amplo. Conformidade está mais para o centro e tradição mais para a periferia. Isso significa que valores de tradição conflitam mais fortemente com valores opostos. As expectativas ligadas a valores de tradição apresentam-se mais abstratas e absolutas do que as expectativas baseadas em interações dos valores de conformidade (SCHWARTZ, 2005).

A Teoria declara que as ações dos valores apresentam conseqüências psicossociais que podem gerar conflito ou ser compatíveis com a busca de outros valores. A estrutura circular mostra que ações as quais expressam valores de hedonismo estão propensas a entrar em conflito com aquelas que expressam os valores de tradição, e vice-versa, e ações sob o parâmetro dos valores de autodeterminação estão propensas a conflitar com a manutenção dos valores de conformidade, e vice-versa.

Universalismo Benevolência Conformidade Tradição Segurança Realização Poder Hedonismo Autodeterminação Estimulação Autopromoção Abertura à mudança Conservação Autotranscendência

Ressalta-se que há uma distinção entre os valores de conformidade e tradição. Schwartz (2005) assinala que os valores de conformidade implicam a subordinação a pessoas com as quais alguém está em freqüente interação; enquanto isso, os valores de tradição implicam subordinação aos objetos mais abstratos - costumes religiosos e culturais - e às idéias.

Localização central versus periférica em um círculo reflete tipicamente as diferenças entre os construtos no nível da sua abstração, proximidade a si mesmo ou prevalência na interação cotidiana (LEVY, 1985 apud SCHWARTZ; BOEHNKE, 2004). Em todos os três aspectos, os valores de tradição estão mais propensos a se localizarem na periferia do que os valores de conformidade. Quanto mais na periferia está um valor, menos positiva é a sua correlação com os valores do lado oposto do círculo. A localização periférica da tradição, por conseguinte, significa que ela é menos compatível do que a conformidade com o hedonismo e os valores de estímulo.

Segundo Schwartz (2005), os tipos motivacionais estão organizados em duas dimensões bipolares: uma contrasta abertura à mudança e à conservação. Essa dimensão captura o conflito entre a ênfase no pensamento e ações independentes do indivíduo, que favorecem a mudança (autodeterminação e estimulação) e auto-restrição submissa, preservação de práticas tradicionais e proteção da estabilidade (conformidade, tradição e segurança). A segunda dimensão contrasta autopromoção com autotranscendência. Essa dimensão apreende o conflito entre a ênfase na aceitação dos outros como iguais e a preocupação com seu bem-estar (universalismo e benevolência) e a busca pelo próprio sucesso relativo e domínio sobre os outros (realização e poder). O hedonismo tem elementos tanto da abertura à mudança quanto de autopromoção.

Schwartz (1994) trata os quatro tipos de valores de ordem superior (abertura à mudança, conservação, autopromoção e autotranscendência) meramente como caminho para descrever a estrutura dos valores de forma mais simples. Contudo, Schwartz e outros pesquisadores usam estes quatro tipos, mais do que os dez valores, para prever comportamentos e atitudes (PORTO, 1998; TAMAYO, 2000b).

O conjunto, em particular, dos quatro tipos de valores de ordem superior, é mais significativo conceitualmente do que as combinações alternativas. Portanto, os valores adjacentes dos tipos de ordem superior estão associados mais fortemente uns com os outros substancial e empiricamente do que eles estão com os valores adjacentes advindos de outros tipos de ordem superior. Por exemplo, os dois valores de autotranscendência (universalismo e benevolência) estão mais fortemente correlacionados do que o universalismo está com

autodeterminação (também adjacente, mas ao tipo de ordem superior chamado iniciativa à abertura) ou do que benevolência está relativamente a conformidade (adjacente, mas um valor de conservação). Pesquisas empíricas evidenciaram esta idéia em um teste formal, ao especificar um modelo, no qual as correlações entre os valores de ordem superior são mais fortes do que as correlações destes valores com valores adjacentes de outros tipos

(SCHWARTZ; BOEHNKE, 2004).

A determinação da capacidade preditiva dos valores e o estabelecimento da sua relação funcional com o comportamento e com as atitudes constituem um desafio para os pesquisadores. Desde 1970, existe a convicção de que é possível predizer o comportamento das pessoas com bases nas prioridades que elas concedem aos valores. Rokeach (1973, p.122, tradução da autora) assinala que "o conhecimento dos valores de uma pessoa nos deveria permitir predizer como ela se comportará em diversas situações experimentais e da vida real".

Os princípios de congruência e conflito podem não ser, somente eles, os que organizam a estrutura dos valores. Conforme Schwartz (2005), outro princípio se refere ao interesse a que serve a consecução do valor. Tipos motivacionais à esquerda da Figura 3 (autodeterminação, estimulação, hedonismo, realização e poder) servem precipuamente a interesses dos indivíduos, enquanto tipos motivacionais à direita (benevolência, tradição e conformidade) a interesses dos outros ou da coletividade. Tipos motivacionais na fronteira (universalismos e segurança) têm componentes que atendem a ambos os tipos de interesses. Triandis (1995) interpreta esse conceito como distinção entre valores individualistas e coletivistas.

Conforme preconiza Smith e Schwartz (1997 apud SCHWARTZ, 2005), as dimensões que distinguem as culturas diferem daquelas que distinguem os indivíduos. Os itens de valores congruentes ou conflitantes no sistema motivacional dos indivíduos podem-se alocar de forma diferente na ênfase dada pela cultura, que caracteriza as sociedades. Por exemplo, humildade e capacidade têm significados motivacionais conflitantes para os indivíduos: o primeiro serve a interesses coletivos, o segundo a interesses individuais. Ambos, porém, têm lugar em uma orientação cultural que legitima uma organização hierárquica, em vez de igualitária, das instituições sociais.