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1. CONJUNTURA DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E

1.4. Violência sexual contra crianças e adolescentes é crime contra a vida

Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Parágrafo 4o. – “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. (Constituição Federal).

Art. 13 – “Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças ou adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”. (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA)

Art. 245 – “Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança e adolescente”.

Pena: multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (ECA).

A violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno complexo e suas causas são multifatoriais. É preciso estudar as diferentes formas de sua concretização, os seus diversos fatores e como eles se combinam em certos indivíduos, grupos sociais e culturais e, em certos momentos históricos, as causas dessa violência. Segundo Azevedo (1989), a violência doméstica contra a infância é uma violência interpessoal e intersubjetiva; é um abuso do poder disciplinar e coercitivo dos pais ou responsável; é um processo que pode se prolongar por meses e até anos; é um processo de completa objetalização da vítima, reduzindo-a a condição de objeto de maus-tratos; é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente enquanto pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade, a segurança; tem na família sua ecologia privilegiada. “Como esta pertence à esfera do privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional característica de sigilo”. A violência doméstica configura-se como:

Negligência: é uma forma de violência caracterizada por ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente em prover as necessidades básicas para seu desenvolvimento sadio. Pode significar omissão, em termos de cuidados diários básicos como alimentação, cuidados médicos, vacinas, roupas adequadas, higiene, educação e/ou falta de apoio psicológico e emocional. Normalmente, a falta de

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cuidados gerais está associada com a falta de apoio emocional e carinho que leva a criança a acreditar que não tem importância para os pais ou que eles não gostam dela.

Abandono: é uma forma de violência muito semelhante à negligência. Segundo o CLAVES - Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde, ele se caracteriza pela ausência do responsável pela criança ou adolescente na educação e cuidados da criança. O abandono parcial é a ausência temporária dos pais, expondo a criança a situações de risco. O abandono total é o afastamento do grupo familiar, ficando as crianças sem habitação, desamparadas, expostas a várias formas de perigo.

Violência psicológica: é um conjunto de atitudes, palavras e ações para envergonhar, censurar e pressionar a criança de modo permanente. Ela ocorre quando xingamos, rejeitamos, isolamos, aterrorizamos, exigimos demais das crianças e dos adolescentes, ou mesmo, os utilizamos para atender a necessidades dos adultos. Apesar de ser extremamente frequente, essa modalidade de violência é uma dos mais difíceis de serem identificadas e podem trazer graves danos ao desenvolvimento emocional, físico, sexual e social da criança.

Violência física: é o uso da força física de forma intencional, não-acidental, por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança ou o adolescente). Normalmente, esses agentes são os próprios pais ou responsáveis que muitas vezes machucam a criança ou adolescente sem a intenção de fazê-lo. A violência física pode deixar ou não marcas evidentes e nos casos extremos pode causar a morte.

Violência Sexual: consiste não só numa violação à liberdade sexual do outro, mas também numa violação dos direitos humanos da criança e do adolescente. É praticada sem o consentimento da pessoa vitimizada. Quando cometida contra a criança, constitui crime ainda mais grave. Pode ser classificada como intrafamiliar, extrafamiliar, e exploração comercial sexual.

Para a Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI (2002) a violência sexual contra crianças e adolescentes tem origem nas relações desiguais de poder. Dominação de gênero, classe social e faixa etária, sob o ponto de vista histórico e cultural, contribuem para a manifestação de abusadores e exploradores. A vulnerabilidade da criança, sua dificuldade de resistir aos ataques e o fato de a eventual revelação do crime não representar grande perigo para quem o comete são

condições que favorecem sua ocorrência. Há duas facetas da violência sexual, que se inter-relacionam, que precisam ser entendidas em suas especificidades: o abuso sexual e a exploração sexual.

A despeito da maior parte da literatura sobre a temática que trata os vários tipos de violência sexual de maneira indiferenciada, faremos uma distinção entre abuso sexual e exploração sexual comercial.

Abuso sexual: ato ou jogo sexual em que o adulto submete a criança ou o adolescente (relação de poder desigual) para se estimular ou satisfazer-se sexualmente, impondo-se pela força física, pela ameaça ou pela sedução, com palavras ou com oferta de presentes.

Exploração sexual: compreende o abuso sexual praticado por adultos e a remuneração em espécie ao menino ou menina e a uma terceira pessoa ou várias. A criança é tratada como objeto sexual e mercadoria. A exploração sexual comercial de crianças constitui uma forma de coerção e violência contra crianças, que pode implicar trabalho forçado e forma contemporânea de escravidão (Declaração aprovada no Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, Estocolmo 1996).

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, juntamente com outras normas e acordos internacionais, fez com que o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes deixassem de ser apenas um crime contra a liberdade sexual e se transformassem numa violação dos direitos humanos, ou seja, direito ao respeito, à dignidade, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável.

Segundo Santos (2010), no Guia Escolar, a complexidade da violência sexual demanda ações urgentes e enérgicas, capazes de interromper a reprodução do ciclo de violência. Análises dos casos examinados mostram as seguintes situações:

• Algumas crianças são vitimizadas quando ainda são muito pequenas. Embora os casos de abuso sexual se concentrem na faixa etária entre 7 e 14 anos, mais de um terço das notificações de abuso sexual envolvem crianças de 5 anos ou menos (Azevedo e Guerra, 1997).

• A violência sexual doméstica frequentemente ocorre dentro de casa, no âmbito da vida privada, num ambiente em que a criança deveria, supostamente, sentir-se protegida. Como o lar é um espaço privado, a criança e o que acontece dentro de casa estão envolvidos numa atmosfera de segredo familiar e social. Nessas

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situações, é comum que o ocorrido seja mantido em segredo. Em parte, porque as relações de afinidade e consanguinidade entre crianças/adolescentes abusados e os agressores gera a complacência de outros membros da família. Além disso, o abusador normalmente tem poder moral, econômico e disciplinador sobre a criança abusada.

• Há reincidência do abuso. Os abusadores não se limitam a abusar de uma única pessoa ou da mesma pessoa uma só vez. A ocorrência de abuso pode limitar-se a um único episódio; o mais comum, porém, é que a prática se repita várias vezes e durem meses ou anos.

• Essa é uma forma de violência da qual há altos índices de impunidade. Como já dito, na maioria das vezes, o abusador é um membro da família que exerce importante posição de autoridade moral, afetiva e econômica, favorecendo o estabelecimento de um “pacto de silêncio” entre os membros do grupo familiar. • Uma das consequências desse tipo de violência é à saída de muitas crianças e adolescentes para a rua. Muitas crianças fogem de casa por causa de agressão física, ameaça ou abuso sexual.

O abuso sexual intra e extrafamiliar pode se expressar de diversas formas: 1) Abuso sexual sem contato físico

São práticas sexuais que não envolvem contato físico: O assédio sexual caracteriza-se por propostas de relações sexuais. Baseia-se, na maioria das vezes, na posição de poder do agente sobre a vítima, que é chantageada e ameaçada pelo autor da agressão. O abuso sexual verbal pode ser definido por conversas abertas sobre atividades sexuais destinadas a despertar o interesse da criança ou do adolescente ou a chocá-los. Os telefonemas obscenos são também uma modalidade de abuso sexual verbal. A maioria deles é feita por adultos, especialmente do sexo masculino. Podem gerar muita ansiedade na criança, no adolescente e na família. O exibicionismo é o ato de mostrar os órgãos genitais ou se masturbar diante da criança ou do adolescente ou no campo de visão deles. A experiência, contudo, pode ser assustadora para algumas crianças e adolescentes. O voyeurismo é o ato de observar fixamente atos ou órgãos sexuais de outras pessoas, quando elas não desejam serem vistas e obter satisfação com essa prática. A experiência pode perturbar e assustar a criança e o adolescente. Nas relações sexuais entre adultos, o voyeurismo pode ser uma pratica sexual consentida. A pornografia. Essa forma de abuso pode também ser enquadrada

como exploração sexual comercial, uma vez que, na maioria dos casos, o objetivo da exposição da criança ou do adolescente é a obtenção de lucro financeiro.

2) Abuso sexual com contato físico

São atos físico-genitais que incluem carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal. Podem ser tipificados em: atentado violento ao pudor, corrupção de menores, sedução e estupro. Os conceitos sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes envolveram significações diversas no transcorrer dos tempos. Visando minimizar os casos de violação de direitos para este segmento foi desenvolvido o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente - SGD. É o sistema responsável pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, preconizados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O sistema se apoia em três eixos: a promoção e a defesa dos direitos e controle social. Ele é composto pela família, organizações da sociedade (instituições sociais, associações comunitárias, sindicatos, escolas, empresas), Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e diferentes instâncias do poder público (Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública).

De acordo com o ECA (art. 86), o Sistema de Garantias deve ser colocado em prática por meio de políticas de atendimento articuladas e resultantes de ações governamentais e não governamentais. Neste sentido,

detalharemos a seguir a Rede de Proteção e Atendimento que se organizou na cidade de Porto Alegre.

Os contextos nos quais ocorrem os abusos sexuais, conforme descrito por Intebi (2008), os contextos nos quais ocorrem os abusos sexuais podem ser categorizados como:

entre duas pessoas – quando o abuso ocorre apenas entre o autor e a criança ou adolescente, sendo o contexto mais frequente.

em grupo – quando o abuso ocorre na forma de sexo grupal. Em geral, crianças e adolescentes são recrutados por pedófilos que os compartilham com outros de forma individual ou coletiva.

durante ritual – quando a interação sexual com a criança ou adolescente ocorre como parte de um ritual. Trata-se de uma situação recentemente descoberta e bastante polêmica, em razão de algumas pessoas duvidarem de sua existência, mas, sobretudo, pela dificuldade de comprovação.

2. A REDE DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO EM CASOS DE VIOLÊNCIA