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Vulgarização da teoria econômica

Engels (1975a, p. 4) denuncia a emergência de um materialismo abstrato, distante das contradições concretas, na explicação do desprezo e humilhação dos homens, ou seja, o ‘sofrimento dos cristãos’. Trocou-se Deus pela natureza como algo absoluto, inevitável, para os efeitos da economia sobre os destinos dos homens. Assim, a Economia Política, em vez de levar adiante um exame revolucionário das contradições econômicas, preferiu adaptar-se à época burguesa em ascensão. Por isso, os clássicos representam um progresso apenas intermediário em comparação aos mercantilistas.

Ao longo de toda a história do capitalismo até os dias que correm, há, na teoria convencional, em suas diversas versões, essa tentativa de naturalização da economia. Soa como uma interdição sábia a qualquer intervenção política contrária aos interesses burgueses. Engels desnuda a teoria clássica, como um esforço de embelezamento da economia, através da exaltação dos ganhos dos consumidores, o que hoje se chama princípio da soberania do consumidor, e dos festejos do mercado como laço de concórdia entre nações e indivíduos.

Sobre a distinção entre Econômica Política científica e Economia vulgar, Marx (1988b, nota 32, p. 76) afirmou:

E para esclarecer de uma vez por todas, entendo como Economia Política Clássica toda economia desde William Petty, que investiga o nexo interno das condições de produção burguesas como antítese da economia vulgar, que apenas se move dentro do nexo aparente, rumina constantemente de novo o material já há muito fornecido pela economia científica oferecendo um entendimento plausível dos fenômenos, por assim dizer, mais grosseiros e para o uso caseiro, da burguesia, e limita-se, de resto, a sistematizar, pedantizar e proclamar como verdades eternas as idéias banais e presunçosas que os agentes da produção burguesa formam sobre seu mundo, para eles o melhor possível.

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A contribuição de Engels para a crítica da economia política

A Economia Política só teve um caráter científico até David Ricardo, conforme o julgamento de Marx, no posfácio do livro um de O Capital (1988a, p. 22-23). Assim, a economia passou a ter um caráter vulgar, a partir de 1830, quando a luta de classes começou a se manifestar com mais clareza. As categorias econômicas passaram a ser apresentadas já diretamente embrulhadas com o véu do contrabando ideológico do interesse de classe da burguesia.

O autor do Esboço expõe um raciocínio parecido com a classificação de Marx sobre a Economia Vulgar, mas atacando, de certa forma, até o próprio Ricardo: “Enquanto Smith e Malthus só se encontraram com fragmentos soltos, os economistas posteriores já tinham ante si todo o sistema acabado, estavam à vista todas as conseqüências, apareciam bem de relevo as contradições” (ENGELS, 1975a, p. 5). Houve um curso, um processo de vulgarização, isto é, crescente ideologização burguesa da Economia Política. Ricardo teria sido mais culpado pelo retrocesso científico do que Smith, enquanto John Stuart Mill teria contribuído mais para a deturpação interessada da Economia do que Ricardo.

Em termos epistemológicos, essa intuição de Engels tem grande importância. Ela mostra um sentido de escalada irrealista, crescente superficialidade ou incessante reducionismo. que acompanham o desdobramento do pensamento econômico dominante. E isso é confirmado cada vez mais, ao longo do tempo. Na Economia Política, a tentativa de naturalização dos fatos econômicos, desprendendo-os do contexto social e histórico, foi repelida por Marx e Engels. Com base na concepção materialista da história, não era possível compreender o próprio sistema capitalista como algo natural, eterno, fim da evolução da humanidade.

Desde os tempos dos fundadores do marxismo até hoje, as coisas só pioraram no terreno da teoria econômica dominante. Como se sabe, a acumulação de capital, nos dias que correm, passou a ser compreendida como uma dádiva da natureza, conforme o automatismo do mercado, desde que cada indivíduo não seja cerceado em sua atividade, seu empreendedorismo e auto-interesse por causa de intervencionismo estatal, populismo e monopólios sindicais. Então, vejamos, a seguir, brevemente, essa crescente abstração da teoria econômica em face da realidade sócio-econômica vigente no sistema capitalista.

A escola neoclássica, surgida a partir dos anos 1870, sobretudo com Leon Walras, William Stanley Jevons e Carl Menger, abandonou o enfoque da Economia Política sobre a determinação do valor a partir do trabalho. Encobriu ou deturpou-se a investigação dos problemas da

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Renildo Souza

distribuição do produto entre as classes sociais, esquecendo-se das preocupações de Ricardo. Simplificaram as dificuldades de demanda efetiva, apesar dos primeiros alertas de Thomas R. Malthus. Mesmo o equilíbrio geral de Walras e a teoria quantitativa da moeda sancionam visões reducionistas dos problemas gerais da produção e circulação na economia.

Da teoria clássica, são ampliadas e radicalizadas, pelos autores neoclássicos, as concepções de naturalização, harmonia, equilíbrio da economia. No contexto neoclássico, a análise marginalista aparece como expressão das premissas da racionalidade e do comportamento maximizador do homo economicus. Assim, as preferências do consumidor entronizam o papel decisório central decorrente da escolha do indivíduo na condução da economia. Como microeconomia da determinação de preços, a teoria foi reduzida, na verdade, a um formalismo quantitativista para meramente descrever o funcionamento dos mercados. A macroeconomia é simplificada como agregação de mercados. A auto- regulação dos mercados promoveria a estabilidade macroeconômica.

Tem sido longa a história da vulgarização do pensamento econômico, conforme as idéias dominantes. O keynesianismo destoou, parcialmente, dessa decadência, reconheceu o desemprego involuntário e os desajustes econômicos, mas gerou a ilusão da ação estatal ser capaz de evitar as crises do capitalismo. A partir dos anos 1970, houve um novo recrudescimento da vulgarização da Economia, com o monetarismo de Milton Friedman e, depois, a chamada escola das expectativas racionais de Robert Lucas. Esse último representaria os chamados novos clássicos, como se fosse o regresso radicalizado e piorado da Economia Clássica. Volta-se à aversão a qualquer intervenção estatal, supondo a racionalidade ilimitada dos indivíduos e santificando a auto- regulação dos mercados.