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ERNAMBUCO

Nesse capítulo estão apresentados os modelos de Fortificação Moderna que podem ter sido utilizados como referências nas fortificações construídas em Pernambuco nos séculos XVI e XVII. Dos modelos apresentados nos tratados desse período, foram selecionados, aqui, apenas aqueles que apresentavam a configuração geométrica com formato de polígono quadrangular, uma vez que esses são os formatos utilizados nas fortificações construídas em Pernambuco. Esses modelos foram apresentados a partir das suas características físicas, detalhando a configuração geométrica e o material construtivo sugerido como o mais adequado para a sua construção.

Os dados técnicos seletivamente levantados e apresentados, nesse capítulo, têm o objetivo de fundamentar a análise comparativa dos modelos selecionados com as fortificações construídas em Pernambuco, presente no capítulo 6. Nesta análise comparativa, buscou-se averiguar se na construção das fortificações de Pernambuco foram seguidos os Tratados europeus.

Para realizar esse levantamento foram selecionados Tratados sobre Arquitetura e Fortificações publicados nos séculos XVI e XVII. Considerando o grande número de Tratados publicados na Europa no século XVI, procurou-se trabalhar com diversidade de origem, privilegiando aqueles disponíveis nas bibliotecas. Para os Tratados do século XVII, a seleção seguiu três orientações. Alguns tratados foram selecionados a partir das referências encontradas no Tratado de Luiz Serrão Pimentel, engenheiro português do século XVII; outros foram também selecionados segundo a diversidade e a disponibilidade nas bibliotecas. Para ampliar a diversidade das fontes, também foi selecionado um tratado da escola italiana de fortificação42, que apesar de não ter sido citado por Pimentel, faz parte da escola precursora dos estudos sobre a Fortificação Moderna na Europa.

Luíz Serrão Pimentel em seu tratado “O methodo Lusitanico de desenhar as fortificacoens das praças regulares e irregulares”, publicado, postumamente, em 1680, reuniu o conhecimento adquirido a partir de tratados estrangeiros, publicados em toda a Europa, para ensinar estudantes

42 O tratado selecionado foi o do engenheiro militar italiano Vicenzo Scamozzi, por ter sido o primeiro tratado

a projetar fortificações regulares e irregulares, considerando as características do sítio43 (Moreau, 2011: p.57; Valla, 2007: p, 233-234; Cotta, s/d: p.3-6). A escolha por utilizar parte da mesma seleção de tratados de que se valeu Luís Serrão Pimentel em seu tratado, se justifica porque, a partir desse tratado, dentre outros, a escola portuguesa de fortificação foi estruturada (Valla, 2007: p. 231).

Em síntese, dentre os documentos apresentados a seguir, estão tratados das escolas italiana, alemã e holandesa:

Século XVI

 Tratado alemão: “Instruction sur la fortification des villes, bourgs et chateaux”. Albrecht Dürer. Nuremberga, publicado em 1527; e,

 Tratado italiano: “L’Architettura. Pietro Cataneo, publicado em 1567. Século XVII

 Tratado italiano: “L’ Idea della Architettura Universale”, Vicenzo Scamozzi, publicado em 1615;

 Tratados holandeses: “L’Architectura Militair e Moderne ou Fortification”, Matthias Dogen, publicado em 1648; e “La Nouvelle Fortification”, Nicolas Goldman, publicado em 1645.

Para a compreensão do conteúdo a ser apresentado, a seguir, foi preciso fazer algumas observações gerais. Os documentos que foram estudados se configuram como fontes primárias, pois são os tratados originais que foram publicados no século XVI e XVII, e evidenciam o diálogo do autor com o seu leitor, muitas vezes numa linguagem direta, na primeira pessoa do singular.

O conjunto de dados apresentado abaixo foi, portanto, o resultado de uma seleção, realizada a partir do inteiro teor dos tratados selecionados. Como não havia padronização entre os conteúdos, foi preciso estabelecer critérios para seleção de dados, a partir de um conjunto determinado de variáveis, enquanto categorias de entrada, para permitir compreender os modelos de fortificação apresentados, enquanto categorias de saída. De uma maneira geral, os

43 O conteúdo do Tratado de Pimentel é a compilação de manuscritos elaborados por ele enquanto titular da Aula

tratados não são documentos objetivos; para compreendê-los foram necessárias longas leituras de textos e desenhos carregados de impressões, crenças e posturas pessoais dos próprios autores, em busca da construção de dados objetivos que traduzissem as características físicas dos modelos e seus materiais construtivos.

A apresentação dos tratados foi estruturada, portanto, em duas partes: a descrição da configuração geométrica dos modelos em geral, com o detalhamento dos modelos possíveis de terem sido utilizados em Pernambuco; e a apresentação dos materiais construtivos sugeridos. Neste sentido, conforme já foi referido anteriormente, as variáveis consideradas para a configuração geométrica dos tipos de fortificação foram:

 Principais itens que compõe uma fortificação;  Formatos da fortificação;

 Dimensões e proporções;  Tipos de fortificação; e,

 Inclinação da escarpa exterior do reparo.

Outra particularidade dos tratados, também considerada nas análises, são as diferentes unidades de medidas lineares utilizadas em cada tratado, dependendo da cidade de origem do autor. Foi preciso utilizar tabelas para a conversão das medidas apresentadas. Essas tabelas foram retiradas do livro Systema Legal de Medidas, publicado em Lisboa, em 1864, onde estão apresentadas tabelas de redução das medidas das possessões portuguesas na América, Ásia, África e Oceania, como também de alguns lugares da Alemanha e de outros Estados.

TRATADOS E SUAS UNIDADES DE MEDIDA REDUÇÃO EM

METROS

L’ Idea della Architettura Universale. Vicenzo Scamozzi. Medidas de Veneza

Passo= 5 pés 1,7387

Pé agrário = 4 pés 1,3909

0,37474

L’Architectura Militair e Moderne ou Fortification. Matthias Dogen Amsterdã

Vara antiga (El) 0,6878

Pé do Rheno, de 12 pollegadas 0,31385

La Nouvelle Fortification. Nicolas Goldman Amsterdã

Pé = 11 pollegadas = 44 quartos = 88 oitavos 0,2831

Tabela 1. Valores das tabelas de redução de medidas para o sistema métrico-decimal dos tratados estudados e apresentados neste capítulo. Fonte: Da Graça, 1964. p. 155-188.

A partir do inteiro teor dos tratados, foram extraídos dados mais objetivos que possibilitam a identificação de modelos de fortificação. No entanto, em função da necessidade de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco, apenas serão apresentados os modelos de fortificações com configurações geométricas semelhantes às de Pernambuco, que podem ser assim resumidas:

 Fortificações de formato quadrangular, abaluartadas, cujas dimensões dos lados do polígono interno variam de 48 a 83 m;

 Fortificações de formato quadrangular, não abaluartada, cujas dimensões dos lados variam de 12 a 23 m;

 Fortificações de formato quadrangular com os lados fletidos, formando uma estrela, cujas dimensões dos lados variam de 12 a 23 m.

Em síntese, os dados apresentados foram padronizados a partir das mesmas variáveis para permitir a comparação com as fortificações construídas em Pernambuco, cujo levantamento físico para a realização deste estudo, seguiu os mesmos procedimentos para obter o mesmo padrão de dados. Através da preparação de dados comparáveis foi possível, no capítulo de análise, verificar se os modelos aqui identificados, afiliados a três diferentes escolas, foram referência para a construção das fortificações pernambucanas.

4.1 TRATADOS DO SÉCULO XVI

Como já foi apresentado no Capítulo1, os Tratados sobre Arquitetura publicados no século XVI já buscavam o aprimoramento das estruturas de defesa a partir dos conhecimentos matemáticos e geométricos, com o objetivo de se defender das armas de fogo. Esses Tratados apresentam um tipo de fortificação que passou a ser chamado de Fortificação de Transição.

4.1.1 INSTRUCTION SUR LA FORTIFICATION DES VILLES, BOURGS ET CHATEAUX

Albrecht Dürer. Nuremberga, 1527

O tratado de Dürer44 é sobre a maneira de construir fortificações. No entanto, como Durer não era um homem de guerra, suas ideias sobre como construir uma fortificação foram aprimoradas

44 Albrecht Durer foi pintor e escultor alemão nascido em Nuremberg, em 1471 (onde faleceu em 1528). Realizou

viagens pela Alemanha, Itália e Países Baixos e se interessou pelos aspectos teóricos da arte. Publicou tratados inspirados nas teorias de Leon Battista Alberti e Vitrúvio. É considerado um grande artista alemão do período

com base na experiência prática de homens de longa prática bélica (Dürer, 1527. p. 5). O Tratado não está divido em partes, trata-se de um texto corrido que apresenta projetos. São eles:

(i) três projetos de torreões para serem construídos nos cinturões de muralha; (ii) projeto de um castelo para servir de residência a um príncipe, contendo três

cinturões de muralha concêntricos, fossos e torreões;

(iii) projeto de um castelo situado entre uma grande superfície de água e um rochedo elevado, pensado para poder controlar o acesso a partir dessa estreita passagem; (iv) projeto de melhoria de uma antiga vila fortificada, para que esta possa fazer

frente aos ataques com artilharia moderna; e,

(v) projeto de um suporte em madeira e metal para peças de artilharia moderna.

A. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA