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Ações Afirmativas no mundo

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 34-37)

1.2 A discussão das Ações Afirmativas

1.2.1 Ações Afirmativas no mundo

Iniciaremos nossas análises nos situando no debate das ações afirmativas.

Este ponto torna-se essencial em nossa discussão já que um dos objetivos desta dissertação é analisar o impacto desta política pública dentro de um campo

específico do mundo da educação, a educação profissional. Para tal, traçaremos a trajetória desta política até chegarmos a sua configuração atual em que, há pouco mais de um ano, foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e sancionada uma lei federal, que obriga a implementação de cotas em todas as instituições de educação superior e institutos federais. Adentremos ao debate.

É usual para um amplo segmento da população associar o surgimento das ações afirmativas ao país norte-americano Estados Unidos da América. É verdade que o termo se popularizou no país em questão, mas o fato é que há registros históricos de ações de cunho compensatório em outros países em momento anterior à popularização do termo no país norte-americano.

Assim ocorreu na Índia em 1948, em um contexto de descolonização em que um sistema de cotas foi utilizado para incluir no mercado de trabalho e na universidade o que D'adesky chama de "classes atrasadas" (2003, p. 4). Dessa forma, diante do sistema de castas indiano, as cotas tinham por público-alvo os intocáveis (dalits), minorias religiosas e tribos. Em suma, surgiu na Índia este conceito de que grupos oprimidos devem possuir um tratamento diferenciado visando a equiparação a uma dada população em termos de acesso.

Santos (2012) também cita outros países que aderiram ao sistema de cotas, como a Malásia que instituiu esta medida de caráter compensatório em 1971, se assemelhando ao sistema indiano, cuja população se encontrava em situação de desigualdade se compararmos os chineses e indianos.

Outros países foram citados por Santos8, mas nos deteremos aqui a analisar o caso norte-americano, pois foi por influência deste que se deu o surgimento das ações afirmativas no Brasil.

Munanga (2003) nos diz que é a partir da década de 60 que se verifica o surgimento dos registros primeiros de aplicação de ações compensatórias nos Estados Unidos, que tinham como público-alvo os afro-americanos. O principal objetivo dessas medidas visava a inserção destes na dinâmica da mobilidade social

8 Outros países citados por Santos (2012: 403) na adoção de ações afirmativas foram: Bósnia (cotas para cargos públicos para mulheres); China (cotas para assembleia nacional de Pequim e ingresso na universidade); Macedônia (cotas para ingresso na universidade e no serviço público);

Zelândia (indivíduos descendentes de grupos polinésios e indígenas Maori com acesso preferencial para cursos universitários e bolsas), Eslováquia (ações afirmativas para grupos raciais e minorias);

Reino Unido (recrutamento igual de católicos e não católicos no serviço policial na Irlanda do Norte) e África do Sul (cotas para negros no mercado de trabalho).

crescente (MUNANGA, 2003, p. 117), e dentre esta mobilidade social destacamos o mercado de trabalho, o ensino superior e a imprensa. Esses setores tiveram de alterar o seu quadro de funcionários para garantir um mínimo de reserva de vagas para afro-americanos tanto no mercado de trabalho e na universidade, quanto nos programas de televisão.

Neste período, o país norte-americano era comandado pelo então presidente Lyndon B. Jonhnson, que possuía um discurso - no que se refere às ações compensatórias - inflamado por ideais de reparação. No período em questão o termo

"ações afirmativas" já existia, porém não no contexto de hoje, de reparação. Ferez (2007) nos ajuda a perceber isso ao analisar os dois principais documentos legais de regulação das políticas compensatórias, a Executive Order 10925 (1961) e o Civil Rights Act - Lei de Direitos Civis (1964)9. Nestes documentos, apesar de aparecer o termo "ações afirmativas", o que se percebe é um conteúdo pautado em um conceito de justiça social10. Segundo Ferez (2007), não há nos textos legislativos citados acima nenhuma referência à reparação no que diz respeito à perversidade ocorrida no passado contra afro-americanos.

Entretanto, volta a nos alertar o autor a não nos determos somente à letra fria dos textos. Junto aos textos legislativos, os Estados Unidos da América vivia um contexto de luta por direitos civis11, e isso deve ser levado em consideração em nossa análise. É o que observamos quando lemos esse trecho de Ferez:

Não podemos, contudo, nos fiar exclusivamente no texto e esquecer que a idéia de reparação era muito forte naquele contexto histórico do Civil Rights movement e de competição política acirrada entre democratas sulistas e republicanos racistas também do sul (ex: George Wallace). Em suma, não há dúvida que naquele contexto tanto a Executive Order 10925 quanto o Civil Rights Act foram interpretados como ações com o objetivo de remediar a discriminação histórica contra os negros nos EUA (RAWLS, 1993 apud FEREZ 2007, p. 06).

9 Segundo Moehlecke (2000: 26), a Executive Order 10925, criada ainda por Kennedy, criou a Comissão para Igualdade de Oportunidade no Emprego – EEOC. A Lei de Direitos Civis também criou uma comissão de igualdade no emprego e previa, em seu conteúdo, a proibição da

discriminação com base na raça ou nacionalidade em programas assistidos financeiramente pelos governos e vedava a discriminação com base na raça, cor, religião, sexo e origem nacional pelos empregadores.

10 Ferez explica que em um Estado de Bem Estar Social, mercado e Estado são autônomos e independentes e o valor da igualdade possui um teor meritocrático e passa a regular, de forma parcial, a sua operação, ou seja, “o Estado subtrai recursos do mercado através de taxas, impostos e tarifas, e os redistribui com a finalidade de promover uma igualdade maior” (5: 2006). Assim, ressalta Ferez que as ações afirmativas, deste ponto de vista, não podem ser consideradas inovações.

11 Em Marshall (1967), direitos civis compreendem as liberdades individuais do indivíduo, como o direito de ir e vir, de fé, direito à propriedade.

Desta forma, é essencial situarmos o protagonismo dos afro-americanos no movimento pelos direitos civis, que possui um papel de destaque principalmente a partir da década de 70. Também Moehlecke (2000) nos mostra que a União americana se constituiu em papel essencial na implementação e garantia das ações afirmativas.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 34-37)