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A força de trabalho – o sujeito da construção civil no Brasil

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 49-53)

1.3. O setor da construção civil no Brasil: a força de trabalho e as novas

1.3.2 A força de trabalho – o sujeito da construção civil no Brasil

coletivas tornam-se fragilizadas. Este fato está relacionado ao crescimento do desemprego e conseqüentemente o número crescente de mão de obra sobrante, Assim, o chamado discurso de garantia de direitos, aumento salarial e melhores condições de trabalho ficam em segundo plano e, em seu lugar, são colocadas palavras de “colaboração” e ajuste à lógica das necessidades da empresa.20

Nesse sentido, é ilustrativa a entrevista de uma assistente social da construção civil, falando sobre o sindicato da categoria.

“Hoje em dia o sindicalismo já não é mais o mesmo. Também sofre com a terceirização. O procedimento adotado pelo sindicato é o seguinte: vamos manter pelo menos os empregos que já temos, os postos de trabalho da construção civil.

Então, existe uma relação mais amistosa do sindicato com os patrões. Não tem mais o carro de som na construtora falando palavras de ordem. Isso mudou um pouco. Hoje as empresas procuram o sindicato quando elas têm problemas em diminuir o quadro drasticamente e o sindicato reage, buscando soluções com a empresa para manter esses postos de trabalho, muitas vezes, abrindo mão de certas conquistas, certas garantias, dissídios salariais chegando a um patamar mais baixo do que era reivindicado anteriormente.”21

Toda essa problemática tem amplo significado social para uma parte de assistentes sociais envolvidos nesse campo. Diante da responsabilidade de enfrentamento do processo de reestruturação que vem atingindo a indústria da construção civil, há também alterações no mercado de trabalho do assistente social e nas demandas a seu exercício profissional. É importante analisar as expressões dessas questões, assim como as estratégias e técnicas operativas que vêm sendo utilizadas pelo assistente social, para enfrentar as dimensões e conseqüências dessas alterações, que atinge particularmente o campo da construção civil.

dados do Estudo Setorial da Construção Civil/SENAI (1995). Cerca de 48% dos operários da construção civil são procedentes de outros Estados como Piauí, Paraíba, Maranhão, Alagoas, Bahia e Minas Gerais, onde os salários são mais baixos. Parcela significativa desse contingente migratório de trabalhadores com baixa ou nenhuma escolaridade (dessa mão-de-obra contratada, 70% é constituída por serventes, não possuindo qualquer qualificação profissional), sobretudo da região norte e nordeste do Brasil. Nascidos em outras regiões, esse trabalhador vem para as grandes cidades atrás de uma oportunidade de emprego e melhoria de sua condição de vida, conforme Coutinho (1980). “Lá em casa tem muita gente, a terra não dá muita coisa não, também não tem serviço que dê pra necessidade, o negocio era buscar qualquer coisa pra viver, daí que eu vim” (Ibid. id: 53). Desejam em conseguir dinheiro e realizar de ajudar a família. “O que vale não é o que eu ganho. Eu acho que ta tudo na questão de ter trabalho certo. Posso fazer algum e mandar pra minha família. Aqui não gasto, moro na obra e tudo mais”. (id: 57).

De modo geral, na percepção dos assistentes sociais do ramo, esses trabalhadores não se vêem como sujeitos sociais inseridos num processo de exploração, nem de fragilização da unidade familiar.

Neste sentido, pode aplicar-se a essa população de trabalhadores da construção civil a análise realizada por Iamamoto (2001) sobre os trabalhadores da agroindústria canavieira. Ambos possuem alguns traços comuns, ilustrados na citação a seguir. Entre eles, destacam-se o da “modernidade arcaica”, referida por essa autora, caracterizada pela extensiva jornada de trabalho, a superexploração e as precárias e sofridas condições de trabalho e de vida ”nos marcos das desigualdades do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira” (Yasbek, 3ª capa. In Iamamoto, 2001).

Os assalariados já consolidados na condição de proletários “livres como pássaros”

(...), apenas dispõem de sua força de trabalho para vender como requisito para a obtenção dos meios de vida. (...) Neste sentido, já se encontram permanentemente inscritos na condição de proletários, ainda que com inserção eventual e intermitente no mercado local, regional ou nacional de força de trabalho, através de contratos eventuais, com diferentes níveis de formalização (...)

(...) trabalhadores assalariados, não qualificados, que são migrantes, oriundos de pontos diversos do país, cujo ingresso no mundo fabril passa pela intermediação do mercado nacional da força de trabalho. Enquanto operários migrantes são também operários por tempo determinado, residentes em alojamentos (...), especialmente construídos para tal fim. (...) Dentre eles, existem aqueles já consolidados na condição operária, encontrando-se em constante deslocamento no espaço nacional

na busca de uma possibilidade de emprego, ainda que por tempo determinado.

Acumulam experiências nos mais diferentes tipos de trabalho em suas trajetórias de vida. Essa classe operária errante representa a “infantaria ligeira do capital” (...), que, conforme os seus interesses, é deslocada de um lado para outro. (Ibid: 149, 150 e 151)22.

A força de trabalho da construção civil no Brasil é composta basicamente por uma população masculina, sendo 94,15% constituída de homens e apenas 5,85%

de mulheres. Em relação ao nível de escolaridade, a mão de obra masculina apresenta as características gerais do setor, com 71,75% tendo até a 4ª série completa. Destes, 44,12% são analfabetos ou têm até a 4ª série incompleta. Entre as mulheres, 29,29% tem escolaridade até a 4ª série do 1º grau completa, abaixo do desenho da estrutura de escolaridade do setor. Destas, pouco mais da metade são analfabetas ou não completaram a 4ª série do 1º grau. Com escolaridade acima do 1º grau, em geral, tem-se 49,68 % 23.

Ainda, segundo a pesquisa do SENAI (ibid) 36,72% dos trabalhadores desse campo possuem faixa etária entre os 20 anos e 29 anos e 29,67% estão na faixa etária de 30 a 39 anos (ibid). Tal fato tanto pode indicar oportunidades de passagem para outros setores como o excessivo desgaste que reduza as oportunidades de emprego.

Laurell e Noriega, utilizados por Freire (2003), associam o conceito de desgaste às cargas biológica e psíquica, ou seja, a extensa jornada, as condições de trabalho e o sofrimento psíquico do trabalhador. O desgaste é entendido como

perda da capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica. Ou seja, não se refere a algum processo particular isolado, mas sim ao conjunto dos processos biopsíquicos’ . Origina-se da interação das cargas negativas – tais como posição incômoda, alternância de turnos, ruído, tensão nervosa por pressões e alto ritmo – que se potencializam entre si, na concretude de cada processo singular, expressando o nexo entre o social e a saúde, na perspectiva de ruptura com o caráter predominantemente aistórico da biologia humana e com o pensamento positivista dominante acerca dos processos psíquicos. (Laurell e Noriega, 1989:115)

Lucia Freire (1999) acrescenta ainda que os efeitos da reestruturação produtiva sobre a saúde do trabalhador têm relação com que denomina “desgaste

22 Essa autora utiliza a classificação de “infantaria ligeira do capital”, de Marx (1985:224), que assim identifica essa população nômade. Iamamoto também refere-se às classificações similares de “novos nômades”

(Singer, 1975), membros das “hostes errantes” (Oliveira, 1981) e “operários em trânsito” ou “operários de temporada” (Kautsky, 1968).

social”, através das múltiplas formas de gestão da força de trabalho, desde a pressão para a intensificação do ritmo de trabalho e a ameaça do desemprego.

Desse modo e com base na minha experiência de campo analisa que o desgaste associado ao esforço físico e psíquico na construção civil, contribui para a redução do tempo de serviço dos trabalhadores inseridos nesse setor.

Olha, como positiva [a terceirização] acredito que para a empresa é lucro. Agora, eu acho, assim, que, para o próprio funcionário, para o trabalhador, eu não vejo [como boa]. Com toda essa fiscalização do Sindicato dos trabalhadores, de ser cumprida e tudo, mas eu digo assim, essa rotatividade é muito grande. Antes, você, eu tiro pela B [empresa pesquisada], eles mantiveram os mestres de obras, tem quinze anos, tem dezesseis, tem vinte anos, e antigamente se mantinha um servente dez, quinze anos na empresa, até se aposentar. E, hoje, esse servente não. Hoje em dia, ele está aqui, está lá e é muito mais desgastante. (assistente social entrevistada).

Quanto ao tempo de serviço, os dados levantados no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) apontam uma altíssima rotatividade da força de trabalho na indústria da construção civil. Os números demonstram que 43,13% dos trabalhadores exercem o trabalho de 0,0 a 5,9 meses de tempo de serviço e mais de 64% do total não completam um ano de carteira assinada. Na faixa de um a três anos de serviço, este percentual é de 23,15%; de três a cinco anos cai para 6,03%

de cinco a 10 anos tem-se somente 4,25% e com mais de 10 anos 2,08%. Tal realidade reforça a análise no parágrafo anterior.

Outro ponto importante analisado é à diferença sociopolítica de comportamento dos trabalhadores nas empresas. A construção civil pode ser diferenciada dependendo do espaço de trabalho, quando se refere ao comportamento do trabalhador, e da organização política local. A empresa determina o espaço de trabalho e a reprodução social do trabalhador. O produto dessa reprodução social, difere o comportamento.

Conforme Iamamoto (1998), as instituições integra as diferentes particularidades do trabalho. O trabalhador que não detêm os meios de trabalho, que, portanto, vende a sua força de trabalho, diferencia-se em função do tipo de empresa. Assim, a realidade dos trabalhadores das obras de construção civil no município do Rio de Janeiro é diferente, por exemplo, de um trabalhador de

23 As estatísticas da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 1991, mostram uma realidade equivalente:

64,18% dos trabalhadores da construção civil estudaram apenas até a 4ª série do 1º grau, sendo que mais da metade deles não completaram essa série ou são analfabetos.

construção civil em uma fábrica no município de Volta Redonda, conforme constado em Freire (1998:volume II, 294). Desse modo, os chamados “condicionantes” das instituições são, segundo Iamamoto:

Elementos constitutivos desse trabalho (...) [que] conformam o ‘terreno que viabiliza a realização do trabalho’. (...) [Portanto] não podem ser encarados como componentes “externos” ao trabalho profissional, mas, ao contrário, contribuem para moldá-lo tanto material quanto socialmente (Iamamoto, 1998:100)

No caso da Construção Civil, percebem diferenças entre o trabalho das empresas pesquisas e entre a atuação do Sindicato dos trabalhadores mencionado na tese de Freire (1998: volume II, 294). Um sindicato politizado e articulado com outras categorias.

A organização política na construção civil no Rio de Janeiro, apesar de ainda apresentar o discurso do comprometimento com os direitos sociais e trabalhistas, encontra-se fragilizado junto a sua categoria. Em alguns casos, são bastante flexíveis com as empresas no acordo coletivo anual.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 49-53)