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A Palavra de Deus: luz e alimento das Comunidades

3.2 Dom Giocondo: presença missionária e pastoral na Igreja

3.2.4 A Palavra de Deus: luz e alimento das Comunidades

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da catequese, da Palavra (monitor), do canto, da oração, dos direitos humanos etc. Mas são funções não vitalícias, pouco institucionalizadas, e em profunda igualdade entre elas (sem hierarquia verticalista). Por fim, vejo aí a Igreja dos vencidos, dos derrotados, mas não dos covardes e acomodados. É uma Igreja da resistência, da constância e da esperança, como era a Igreja do livro do Apocalipse. É uma Igreja que “não abre” e que morre de pé231.

Diante da nova realidade havia um ofício especial e fundamental, como era o de dar unidade a todos os serviços para que tudo crescesse na harmonia: é a função do presbítero na comunidade paroquial, a do bispo na comunidade diocesana e a do monitor na comunidade local e particular. O importante era ser sinal de unidade, tanto na organização como na transmissão da fé. Aos poucos, foram-se dando os passos necessários para a promoção e protagonismo dos leigos. Era o novo Povo de Deus caminhando junto com seus pastores.

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tempo, o povo começou a se sentir importante e capaz de procurar soluções para seus próprios problemas sem ter que esperar pelos outros. O povo queria ser protagonista de sua própria história. Começou, assim, a ser sujeito ativo de sua própria evangelização.

De fato a Bíblia é considerada como o núcleo fundante das CEBs. É o elemento identificador de seu caráter cristão e eclesial. Nas CEBs se verifica de modo transparente esta convicção da eclesiologia: de que a Igreja de Cristo se constrói ao redor e em cima da palavra de Deus. De que é esta que convoca a Comunidade, a cria e a recria. A CEB é Igreja exatamente porque se põe a ouvir a Palavra e a responder a ela dialogicamente233.

A Bíblia começou a ser o livro da Comunidade, onde a Palavra de Deus era lida, comentada, ouvida e confrontada pela própria Comunidade. Por isso, o livro sagrado passou a ser venerado e entronizado em todas as celebrações das Comunidades. Ganhou destaque e valorização por parte do povo, como ninguém jamais teria imaginado, prova evidente da mudança que a Palavra de Deus faz acontecer nos corações mais simples e humildes. Acabou formando a consciência de que todos eram Povo de Deus.

O povo sentia fome da Palavra de Deus. Reclamava quando faltava a explicação da Bíblia. Não cansavam de dar ouvidos e se queixavam quando não se falava da Palavra de Deus. Não cansavam de escutar e aprender, a seu modo e maneira, de tudo o que fazia referência à Palavra de Deus. Assim, foram capazes de doar-se pela causa do Evangelho e dos mais, pobres. “O povo está enxergando a liberdade e os seus direitos por intermédio da Palavra de Deus. O povo tem agora a coragem de gritar pela justiça. Conta que num grupo uma mulher abriu o livro e disse: Taqui nossa regra: quem morre calado é sapo debaixo do pé do boi (Maria Lúcia)”234.

A estreita relação Evangelho-vida que se promulgava fazia compreender que se devia partir da própria vida comunitária e seu ambiente, para depois passar a um âmbito maior da sociedade, acontecendo a mudança de vida desejada. “O Evangelho é vida, por isso temos que ligar os dois. Do Reino de Deus se fala partindo dos problemas do povo. E quando se fala dos problemas do povo, se fala da vida de Cristo (João Martins)”235. A fé fazia parte da vida, tanto pessoal como comunitária, adquirindo nova luz e abrindo novos horizontes, no meio da realidade opressora, cruel e injusta que o povo vivia. “É preciso dizer que nesses interiores, os encontros de Evangelho são encontros integrais. São raras, e mesmo únicas as oportunidades dos seringueiros se encontrarem, pois vivem dispersos na mata pelo sistema de colocação

233 BOFF, Clodovis. CEBs: A que ponto estão e para onde vão. Em: As Comunidades de Base em questão. São Paulo: Paulinas, 1997, p.279.

234 BOFF, Clodovis. Deus e o homem no inferno verde. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 19.

235 Ibidem, p. 111.

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(parte de um seringal explorada por uma ou mais famílias)”236. Assim, ligando a religião à vida cotidiana, tiveram condições de assumir seus problemas ordinários e, todos unidos, buscaram soluções para eles.

Com a chegada do Evangelho também se conseguiu um dos frutos especiais das CEBs: a reconciliação. As numerosas intrigas e inimizades, que existiam no meio do povo, eram o problema maior para ter uma vida comunitária. O Evangelho conseguiu restabelecer laços rompidos, recriando verdadeira fraternidade. As comunidades recobraram, assim, um novo vigor e ânimo. “É comum o pessoal contar a história de um lugar nesses termos: antes, todos eram desunidos, havia cachaçadas, violência, confusão; mas depois que o povo se reuniu para ler o Evangelho, todos ficaram mais unidos, um ajudando o outro, sem brigas, nem vícios, tudo na santa paz”237.

As paróquias se organizaram com muita criatividade, com encontros mensais dos monitores das colônias, mini treinamentos nas áreas, cursos bíblicos e reuniões semanais com os monitores residentes na cidade. Por sinal, foi o tempo em que começaram os treinamentos até nos seringais, exigindo-se para tanto, uma organização descomunal. A massa continuava sendo analfabeta e desconhecia totalmente a Bíblia. Mesmo assim, alguns monitores davam sinais de sabedoria e preparação para enfrentar os desafios que as Comunidades foram apresentando, no seu dia a dia.

Essa constatação é confortadora e produz alívio pastoral. Pois a Bíblia é o segredo da força das CEBs. É tida como seu coração. Como sua raiz. E se a raiz está sadia, então a árvore está salva. De fato, decai a Igreja à medida em que se afasta da Palavra. E, ao contrário, cresce à medida em que se aproxima dela. A Igreja se forma e se reforma pelo vigor da Palavra238.

Nas CEBs se fazia uma verdadeira articulação da vida sacramental, com a iniciativa e empenho de todos os membros da Comunidade, visando principalmente a transformação da vida. Os monitores, junto com a Comunidade, demonstravam, assim, um verdadeiro amadurecimento da fé, diante da grande passividade que viviam anteriormente.

Com o crescimento das Comunidades, e para manter a unidade e comunhão entre todos, houve que criar meios de articulação para poder chegar até os lugares mais recônditos e afastados. Os novos Meios de Comunicação Social foram fundamentais para que as Comunidades mantivessem seu espírito vivo e atuante.

236 Ibidem, p. 37.

237 Ibidem, p. 87-88.

238 Ibidem, p. 279.

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