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3.1 Nova forma de ser Igreja no Brasil

3.1.3 Eclesiologia das CEBs

A Gaudium et Spes sublinhava a missão da Igreja que consiste em sentir-se verdadeiramente solidária com o gênero humano e com sua história, pois não devia existir realidade alguma, verdadeiramente humana, que não encontrasse eco no seu coração (GS 1).

E elencava as aspirações mais universais e profundas do gênero humano (n. 9 e 10), procurando entender a universalidade da Igreja em sua capacidade de corresponder universalmente a elas (n. 11), pois a Igreja não atua a partir de fora, mas a partir de dentro,

203 LIBÂNIO, Frei Alberto. O que é Comunidade Eclesial de Base. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, p.17.

204 BOFF, Leonardo. Teologia à escuta do povo. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 41, fasc. 161, março de 1981, p. 75.

205 BOFF, Leonardo. Op. cit. 1986, p. 35.

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abraçando a todos os homens, quer creiam ou não, ajudando-os a perceber sua vocação integral, na construção de um mundo mais de acordo com a dignidade do ser humano, com o objetivo de uma fraternidade universal (n. 91).

As Comunidades Eclesiais de Base não se podiam considerar como mais um movimento dentro da Igreja. Tratava-se de algo mais transcendental para a própria Igreja, a partir da sua vivência de Povo de Deus. Elas tentavam encarnar, a partir da fé, a vida comunitária nas suas próprias condições sociais, políticas e econômicas. Nelas se podiam encontrar as marcas das primeiras comunidades cristãs: a fé apostólica, a fração do pão, a comunhão de bens e as orações. E também, a alegria pela perseguição por causa da fé, a coragem da palavra e a pregação itinerante206.

As CEBs queriam ser a Igreja visível, que se constituía a partir de quatro elementos:

fé, celebração, comunhão e missão. A fé é a grande característica das CEBs. A referência maior dessa fé era a Palavra de Deus, tendo como espelho a prática de Jesus, com total confiança na força e ação do Espírito que conduzia o povo pelas trilhas da nova sociedade:

Evangelho na vida e a vida inspirada no Evangelho.

Uma Igreja não vive só de fé, mas principalmente das celebrações da fé. As CEBs davam às celebrações uma criatividade maior, uma simbologia e até uma participação renovada. Nas celebrações, principalmente na eucarística, eram muito valorizadas as procissões, ganhando destaque a cruz, o círio pascal, a Bíblia, assim como outros objetos simbólicos da vida do povo e levados por pessoas simples até o altar. Começaram a renovar a liturgia por dentro, com o novo modo de ser Igreja, com o jeito diferente de rezar, com seus cânticos nascidos da vida iluminada no Cristo, com poesias e símbolos gerados no quotidiano da vida. As celebrações sacramentais deixaram de ser fatos da vida estreitamente pessoal de cada um, e adquiriram um valor comunitário importante. Sem dúvida, a música e a cultura popular trouxeram uma grande riqueza para celebrar melhor a fé.

A eclesialidade das CEBs inclui, além da fé e da celebração, a comunhão. A proclamação da paternidade de Deus e da fraternidade universal de todos os seres humanos, sem exceções, era a linha marcante de todas as Comunidades. Era necessário chegar à comunhão na vida comunitária e à partilha de bens de todos os que professavam a mesma fé.

Nas CEBs, em geral, tudo era partilhado e todos se interessavam pela causa dos outros, principalmente os mais necessitados. Mutirões de trabalho e de ajuda eram uma constante na

206 BOFF, Leonardo. Op. cit. 1986, p. 89.

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vida comunitária. Foi um grande avanço na vida eclesial e uma valiosa contribuição na prática da vida cristã.

Por fim, o último elemento fundamental da eclesialidade, e como consequência dos anteriores, era constituído pela missão e pelo serviço aos homens no mundo. As Comunidades eram o solo adubado para o nascimento de homens e mulheres que tinham coragem de enfrentar sistemas iníquos, todo tipo de injustiças e tentar estabelecer uma nova ordem na sociedade, à procura de uma nova terra. Era a nova missão do cristão, que devia continuar fora do templo, para a construção de um mundo mais solidário e fraterno.

As CEBs incentivavam a organização e a luta pela igualdade, a dignidade e o respeito pela vida e seus direitos. Era o novo cristão-cidadão, com os pés no chão, que devia lutar por seus direitos e, ao mesmo tempo, comprometia-se também pela vida dos irmãos de caminhada. Vida e ações que levavam, às vezes, até o derramamento de sangue e a doação da vida. Esses fatos conferiam a dignidade e a grandeza da Igreja que se inseria nas bases mais humildes e sacrificadas, como uma luz de esperança para toda a Igreja. Muitos membros das CEBs foram martirizados por assumir com Jesus a defesa da vida, anunciando e testemunhando os valores do Reino207.

Por serem seguidoras do Evangelho e assumirem as causas do Mártir Jesus de Nazaré, podemos afirmar que as CEBs são cotidianamente marcadas pelo martírio, que vai acontecendo na vida do povo, por assumirem com Ele e com eles e elas, nossos Mártires, as causas da Justiça, da Paz, da terra livre, da vida justa, da ecologia integral208.

A Igreja encontrou duas realizações principais de sua missão: na profecia e na pastoral. Através da profecia a comunidade cristã devia anunciar a proposta de Deus, revelada em Jesus Cristo e denunciar as forças contrárias ao Reino. E, pela pastoral, devia acompanhar todas as pessoas na sua realidade e situações concretas, animando, promovendo a vida plena, criando comunidades de fé, esperança e caridade209.

Para tudo isso acontecer, era de grande importância que a comunidade aprofundasse, em termos de vivência e de uma práxis nova do relacionamento comunitário, os valores

207 Tanto no Brasil como na América Latina, muitos mártires estavam intrinsicamente ligados a uma comunidade Eclesial de Base: Santo Dias; Pe. Gabriel Maire, Dorcelina de Oliveira Folador, Raimundo “Gringo”, Sebastião Rosa da Paz, Vilmar de Castro, Monsenhor Romero, Lázaro Condor.

208 PEREIRA DA SILVA, Antônio Carlos. CEBs e os mártires da caminhada. Em:

http://www.portaldascebs.org.br/publica%C3%A7%C3%A3o/artigos-e-entrevistas/cebs-e-os- m%C3%A1rtires-da-caminhada. Acessado no dia 22/06/2017.

209 BOFF, Leonardo. Op. cit. 1986, p. 89.

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imprescindíveis do cristianismo: fraternidade, mútua ajuda, solidariedade, partilha e participação nas decisões dos assuntos de interesse da comunidade.

Era necessária também uma mística da fé, da adesão a Jesus Cristo, presente na comunidade, e ao seu Espírito, manifestado através dos diferentes serviços. Criar convicções de fé profundas e inabaláveis, capazes de suportar dificuldades e perseguições, pois sem ela o fiel não teria forças para suportar confrontos, perseguições, e até prisões por causa de seu engajamento, fundamentado na fé. Essa mística não podia ser esquecida, nem substituída pelo engajamento social, nem pelos direitos humanos. Devia estar sempre presente, para alimentar a fé, criar força e coragem, e tornar presente Jesus Cristo ressuscitado.

Essa mística, junto a um grande espírito missionário, fez possível que também no Acre se assumisse como própria a causa do Reino, fazendo acontecer a nova realidade das Comunidades, através de seu principal inspirador e incentivador, o Bispo que tinha participado no Concílio Vaticano II, Dom Giocondo M. Grotti.