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É clarividente que a separação dos poderes foi um importante mecanismo de organização e limitação do poder político, e basicamente visualiza o impedimento da concentração de funções a uma única estrutura organizacional.

Ao se falar na repartição dos poderes, não se pode deixar de lembrar a manifestação de Montesquieu58:

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes; o de fazer as leis, o de exercitar as resoluções publicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.

Os postulados fundamentais de sustentação da separação dos poderes são três:

O primeiro consiste na diferenciação de estruturas organizacionais estatais. É necessário configurar diferentes conjuntos de órgãos organizados entre si por vínculos de cunho hierárquico. Cada uma das estruturas organizacionais é dotada de uma margem de autonomia, o que significa ausência de subordinação á outra. Depois é necessária a diferenciação entre funções estatais, o que se faz em vista de sua consistência material. Classicamente, são identificadas três funções diversas: a legislação, a jurisdição e a administração. O terceiro postulado consiste em atribuir a cada estrutura

56 Cavalcanti, Themistocles Brandao. Teoria do Estado. p.135;

57 Cavalcanti, Themistocles Brandao. Teoria do Estado. p.135;

58 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 172.

organizacional (Poder) um tipo de diverso de função. Assim, o Poder Judiciário é investido da competência jurisdicional, o Poder legislativo é titular da competência legislativa ou legiferante e o Poder executivo desempenha a competência administrativa ou executiva.59

Ante a fragilidade humana na busca do poder, não convinha que as mesmas pessoas que possuem o poder de legislar tenham também o poder de executar as leis, pois estas poderiam se isentar da obediência às leis que elaboraram, adequando, pois, a lei a sua vontade quando da execução desta.

Com o advento da Revolução Francesa esta teoria tornou-se, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 expressar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.

Deve-se levar em consideração que existem várias teorias de separação dos poderes. Ela é adotada em praticamente todos os países, mas com configurações e modificações próprias de cada país. Então, evidentemente, todos compartilham a impossibilidade da separação absoluta das funções.

Uma vez organizado o Estado, este passa a responder civilmente por atos de seus agentes. Tal tema será abordado no capítulo seguinte.

59 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito administrativo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 23/24.

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O Estado é um ente figurado, constituído para desenvolver uma prolixidade de funções atreladas aos três grandes poderes de legislar, de administrar e de jurisdicionar. Sabe-se que ele é movimentado pela força humana, mas com personalidade jurídica própria. Desta forma, como todo ser humano está suscetível a cometer erros, boa parte dos atos estatais são imperfeitos, deixam a desejar, ou ainda, causam dano a outrem.

Sobre este enfoque Cahali60 elucida que:

No desenvolvimento das funções que lhe são próprias e na realização dos fins colimados, o Estado desdobra-se em organismos e órgãos, estruturando-se segundo uma aparelhagem complexa, sem prescindir, todavia, do elemento humano, da pessoa física, na execução daquelas tarefas: são seus agentes, seus funcionários, seus servidores, seus prepostos, aos quais delega atribuições ou poderes de agir, de tal modo que os atos por estes praticados representam atos da própria entidade estatal.

Assim como os demais indivíduos, o Órgão Estatal é titular de direitos e obrigações na esfera civil. Ele possui responsabilidade sob os danos resultantes de seus comportamentos, ainda que não haja um contrato firmado entre ele e o ofendido, sempre que um ato comissivo ou omisso do Estado gera um dano, nasce à responsabilidade de ressarci-lo.

Para aprofundarmos no assunto, importa esclarecer como ocorreu a evolução de tal instituto.

60 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 15.

2.1 ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Na busca em indicar quando despontou os primeiros ideais constituintes da responsabilidade civil, é necessário retroceder ao princípio da civilização humana, ocasião em que o homem, convivendo em grupo, agia por vingança coletiva contra o ofensor que lesava outro integrante61.

Mais tarde, no período em que vigorava a Leis das XII Tábuas, a vingança adquiriu caráter privado, sob o enfoque trazido pela Pena de Talião, em que a lesão causada era reparada por outra lesão de igual natureza62.

Avançando no tempo, constatou-se que a fórmula “olho por olho, dente por dente” apenas resultava duplo dano, ou seja, aquele causado à vítima e ao ofensor, razão pela qual se deixou em desuso a retaliação e foi adotada a composição entre as partes, uma forma mais prudente de reparação63.

Consoante Diniz64, a composição surgiu para que “reparasse o dano mediante a prestação de poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), a critério da autoridade pública, se o lesado fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res pública), e do lesado, se tratasse de delito privado”, nas situações em que o prejuízo incidia contra os interesses de particulares.

Mais tarde, o Estado tornou a composição em compulsória, passando a exercer de forma exclusiva a função de fixar o valor dos prejuízos, neste período, não havia distinção entre a responsabilidade civil e penal, sendo que a composição servia como remédio para solucionar ambos os casos65.

Em crescente análise, a Lex Aquilia apontou as bases da responsabilidade extracontratual. Ela reforçou a medida de reparação pecuniária do dano, e a partir de sua edição, o conceito de culpa foi tracejado, o que propiciou ao

61 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 23. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009. p. 10.

62 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3. ed. São Paulo: saraiva, 2005. p.10.

63 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 11.

64 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

65 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

lesante a isenção da responsabilidade nos casos em que ele houvesse agido sem intenção. Ademais, passou-se a analisar o patrimônio do ofensor, a fim de que ele pudesse arcar com o valor exigido como ressarcimento, aplicando-se uma poena específica para o dano que deu origem.66

Sobre o assunto Gagliano e Pamplona Filho67 ensinam que:

Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, porém, com a edição Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual. Constituída de três partes, sem haver revogado totalmente a legislação anterior, sua grande virtude é propugnar pela substituição das multas fixas por pena proporcional ao dano causado. (...) Com efeito, regulava ela o damnum injuria datum, consistente na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea, sem justificativa legal. Embora sua finalidade original fosse limitada ao proprietário de coisa lesada, a influência da jurisprudência e as extensões concedidas pelo pretor fizeram com que se construísse uma efetiva doutrina romana da responsabilidade extracontratual.

Assim, na busca por resoluções mais equitativas, o valor da prestação pecuniária – que era a mesma para todos os casos – começou a analisar dois pressupostos para ser estipulado, quantificava-se em concordância com o valor venal da coisa deteriorada e sua quantia estimada no decorrer de trinta dias anteriores ao delito 68.

Adiante, as sanções da referida lei foram aplicadas aos casos de omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. No período da Idade Média, a concepção de dolo e de culpa no seu stricto sensu tomou forma, o que ocasionou a distinção da responsabilidade civil e penal.69

66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

67 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 11-12.

68 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 21.

69 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

O berço da conceituação doutrinária da responsabilidade civil foi à obra do jurista francês Domat, teoria que logo foi concebida pelo Código Civil francês e demais legislações que estabeleceram a culpa como pressuposto70.

Por fim, a responsabilidade civil se assemelhou à concepção contemporânea quando seu estudo compreendeu que não bastava apenas garantir a reparação das hipóteses de culpabilidade, ou seja, de ênfase subjetiva, mas também das circunstâncias que ocasionavam o simples risco de prejuízo, estendendo sua área de incidência para acontecimentos que dispensavam a efetivação da culpa.71

Neste enfoque, esclarece Lima72:

O movimento inovador se levanta contra a obra secular; a luta se desencadeia tenazmente e sem tréguas; Ripert proclama Saleilles e Josserand ‘os síndicos da massa falida da culpa’, e, a despeito das afirmações de que a teoria do risco desfaleceu no ardor de seu ataque, seus defensores persistem na tarefa, e as necessidades econômicas e sociais da vida moderna intensa obrigam o legislador a abrir brechas na concepção da teoria clássica da responsabilidade.

Ambas, porém, continuarão a subsistir, como forças paralelas, convergindo para um mesmo fim, sem que jamais, talvez, se possam exterminar ou se confundir, fundamentando, neste ou naquele caso, a imperiosa necessidade de ressarcir o dano, na proteção dos direitos lesados.

Assim, frente à fundamentação de tal teoria, as legislações modernas optaram por ampará-la, sem desprezar a teoria da culpa, fato ocorrido, inclusive, em nosso ordenamento jurídico73.

Não obstante o Estado se tratar de um ente figurado hábil a cometer equívocos por meio de seus agentes públicos, a medida sob seus indivíduos não era a mesma aplicada contra si, ele não aderiu primordialmente à concepção de que suas ações também resultariam em ressarcimento, o dever

70 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

71 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 12.

72 LIMA, Alvino. Culpa e risco.p. 41.

73 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. p. 13.

estatal de reparação dos danos causados aos particulares foi uma construção mais tardia, ocorrida ao longo da sua salutar estruturação.

Sob a égide Farias74 esclarece que:

A responsabilidade civil do Estado passou por processo mutativo na medida da evolução da sociedade e do Estado. Inicialmente, o Estado era concebido como irresponsável visto estar ele acima do Direito. Da irresponsabilidade evoluiu-se para a responsabilidade com culpa (subjetiva), chegando, finalmente, à responsabilidade sem culpa (objetiva).

À luz do doutrinador Paul Duez , apud Cahali75 esquematiza o processo em fases:

a) numa primeira fase, a questão inexistia; a irresponsabilidade aparece axioma, e a existência de uma responsabilidade pecuniária da Administração é considerada como entrave perigoso à execução dos seus serviços; na ordem patrimonial, os administradores têm à sua disposição apenas uma ação de responsabilidade civil contra o funcionário; b) numa segunda fase, a questão se põe parcialmente no plano civilístico: para a dedução da responsabilidade pecuniária do Poder Público, faz-se apelo às teorias do Código Civil, relativas aos atos dos prepostos e mandatários; c) numa terceira fase, a questão se desabrocha e se desenvolve no plano próprio do direito público; uma concepção original, desapegada do direito civil, forma- se progressivamente no quadro jurídico da faute e do risco administrativo.

Destarte, o instituto da responsabilidade civil sofreu evolução no tempo e no espaço, por meio das diversas teorias ao seu respeito que foram criadas, conforme análise a seguir.

2.2 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Convém advertir, precipuamente, que a terminologia e estruturação utilizadas pela doutrina para discorrer sobre a evolução histórica das

74 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

p. 421.

75 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 19/20.

teorias da responsabilidade do Estado possuem divergências, optou-se por adotar para este trabalho, a divisão que se passa a expor:

2.2.1 Teoria da irresponsabilidade do Estado

Em meio ao período em que vigorava os estados absolutos, é cediço que a primeira teoria crescente foi a da irresponsabilidade do Estado.

Em tal momento histórico, altamente autoritário, não havia separação entre a figura do Estado e do soberano, o qual, inclusive, possuía uma feição divinizada. Assim, o particular que sofresse gravames decorrentes dos atos estatais resignava-se, suportando exclusivamente o custo, sem qualquer proteção de seus direitos76.

Em meio à soberania vigente, pairava pelo Estado uma autoridade incontestável perante os súditos, sendo que ele exercia a tutela do Direito, não podendo, então, agi contra si. O Marco da época são os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong) e o de que aquilo que agrada o príncipe tem força de lei (quod principi placuit habet legis vigorem) 77.

Descreve Maffini78 que existiam “algumas exceções à realidade relatada, as quais, contudo, deveriam estar expressas em textos legais e eram consideradas benesses outorgadas pelo Estado”.

Assim, apesar do Estado não arcar com o prejuízo, ou seja, viger a irresponsabilidade estatal, o ressarcimento recaía sobre os atos dos seus agentes, acabando por admitir a responsabilização individual do agente estatal, desde que demonstrado o seu dolo e culpa79.

Em tese, os danos eram ressarcidos pelos agentes, mas na prática, a satisfação material ao dano causado não logrou êxito por dois fatores: “O primeiro decorre do fato de os servidores de classe média ou baixa não disporem de

76 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 2. ed. São Paulo: 2007. p. 206.

77 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009. p.

640

78 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. p. 206.

79 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.402.

recursos financeiros e nem patrimoniais, em regra, para suportarem suas despesas”.

O segundo fator obstaculizando “decorria do fato de que nem sempre a autoridade administrativa competente autorizava o processamento do servidor, condição essencial para instauração do processo”, apregoa Faria80.

À luz de Medauar81, por muitos séculos prevaleceu a teoria da irresponsabilidade, e para sua mantença, várias concepções foram levantadas justificando o prevalecimento estatal e sua isenção, dentre as quais: “o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender o interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do Estado, poder incontrastável, impede seja reconhecida sua responsabilidade”.

Ponderar tal teoria nos tempos atuais seria um retrocesso, uma concepção primitiva, neste enfoque, Cahali82 diz que “até mesmo nas legislações, o princípio da irresponsabilidade está inteiramente superado, pois até mesmo os dois últimos países que a sustentavam – Inglaterra e Estados Unidos – acabaram por abandoná-la”, tornando-se “ponto axiomático, incontestável por qualquer escritor”.

E fatalmente isso passou a ser observado “com a evolução da sociedade e a busca de preservação dos direitos individuais do homem, aspecto aliado à submissão do Estado de Direito, deixou de prevalecer à irresponsabilidade estatal ante os atos causadores de prejuízo ao homem.” esclarece Bruno83.

“Foi no século XIX que a tese da irresponsabilidade ficou superada. Porém, ao admitir-se, inicialmente, a responsabilidade do Estado, adotavam-se os princípios do Direito Civil, apoiados na idéia de culpa; daí falar-se em teoria civilista da culpa”, diz Di Pietro84.

80 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. p. 626.

81 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno.12. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 365.

82 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p. 19.

83 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. p. 402.

84 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 640.

Por esta análise, a evolução do Estado Absolutista para Estado de Direito acabou por reconhecer uma nova fase na história, o implemento da responsabilidade estatal, ainda limitada, através da teoria civilista.

2.2.2 Teorias civilistas

A responsabilidade do Estado não foi inserida subitamente, sofreu desenvolvimento ao longo do avanço do direito para ter o alcance contemporâneo, a teoria civilista, etapa nesta evolução, compreende a teoria dos atos de império e gestão e a teoria da culpa civil.

Apesar de ser tripudiada nos dias atuais, a teoria civilista teve seu inegável mérito em outros tempos, face sua contestação inicial sobre o princípio da irresponsabilidade absoluta85.

“Essa teoria, com a distinção operada, buscou abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízos causados a terceiros. Passou- se a admitir a responsabilidade civil pelos atos de gestão e afastá-la pelos atos de império.”, percebe Paulo Magalhães da Costa Coelho, em virtude de que o Estado é dispare da pessoa do rei, que em tese, é insuscetível de cometer erros86.

Numa primeira fase distinguiram-se os atos do ente estatal em dois grupos para efeitos da responsabilização do Estado; nos atos de império e atos de gestão. Os atos de gestão eram praticados em condição igualitária com a coletividade, para a consecução e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços, assim, com aplicação do direito comum87.

“Tais como alienações, contratos, trocas, aquisições, em suma, atos que o Estado pratica como se fosse um particular administrando seu patrimônio.”, exemplifica Araújo88 acerca dos atos de gestão.

85CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p.22.

86 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 422.

87 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. p. 422.

88 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 718.

A respeito dos atos de império, tratavam-se da manifestação da soberania, da autoridade pública, como requisições e atos relativos à segurança da nação e sua defesa: em resumo, englobava todos aqueles que envolvessem uma parcela do exercício do poder soberano estatal, permitindo, obstando ou mesmo impondo algo aos membros dessa coletividade89.

Os atos de impérios garantiam a Administração Pública à coerção em detrimento dos particulares e a imposição unilateral, usufruindo de todas as prerrogativas e privilégios de autoridade, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, haja vista que os particulares não gozavam destas benesses90.

Nessa trilha de raciocínio, em virtude da equiparação com os particulares, os atos perpetrados pelos agentes público que ferissem direitos dos particulares, na condição de atos de gestão, aderiram à responsabilização estatal, desde que presente a culpabilidade. Já os atos de império escapariam ao domínio do direito privado, não sendo, por conseguinte, responsabilizado o Estado por prejuízos causados por seus agentes agindo nessa qualidade91.

“Em condições tais, agindo o Estado no exercício de sua soberania, na qualidade de poder supremo, supra individual, os atos praticados nessa qualidade, atos jure imperii, restariam incólumes a qualquer julgamento (...)”, frisa Cahali92.

No período de sua vigência, criou-se grande oposição a essa teoria, pois houve o reconhecimento de ser impossível dividir a personalidade do Estado93.

Ademais, a complexa conceituação das diferenças entre os atos de gestão e império causava grande dificuldade e confusão no enquadramento dos atos, quando possível, o que gerou o deslocamento do centro condicionante da

89 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 718.

90 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito administrativo. p. 422.

91 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 718.

92 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. p.22.

93 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 640.

responsabilidade pública para a culpa do ato, conforme já era adotado pelo Direito Civil, assim, bastava evidenciar a culpa do ato estatal para responsabilizá-lo94.

“O estágio da responsabilidade com culpa civil do Estado, também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob influência do liberalismo, que assemelhava, para fins de indenização, o Estado ao particular”, discorre Gasparini95.

Por esta análise, “procurava-se equiparar a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos (...)”, assim, “a doutrina civilista serviu de inspiração ao artigo 15 do Código Civil Brasileiro (de 1916), que consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado”, ressalta Di Pietro96.

A concepção de culpa e dolo trazida à época continua a mesma, referente ao Direito Privado. Encontra-se a noção de culpa quando o agente público age com imprudência, negligência, imperícia ou imprevisão e causa um prejuízo a alguém. Dolo designa a vontade consciente de agente público voltada a prática de um ato que sabe ser contrário ao Direito97.

Sem esquecer, que a culpa do servidor teria de ser provada pela vítima ou por quem legalmente lhe fizesse às vezes, desta feita a responsabilidade do estado e do servidor não atendia plenamente aos interesses das vítimas, visto necessitar de um conjunto probatório. Assim, a jurisprudência e a legislação, a reboque, nortearam para a culpa objetiva 98.

Sobre o enfoque, escreve Gasparini:

A solução civilista, preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça. De fato, exigia muitos dos

94 ARAÚJO, Edemir Netto. Curso de Direito administrativo. p. 719.

95 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 872.

96 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 641.

97 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 872.

98 FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito administrativo positivo. p. 626.

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