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CONCEPÇÕES QUE FUNDAMENTAM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO

O TRABALHO PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 CONCEPÇÕES QUE FUNDAMENTAM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ALFABETIZAÇÃO

A concepção de linguagem que sustenta as ações da professora é de origem Bakhitiniana, que a concebe como uma produção histórico-social, portanto, nega assim, a visão da língua enquanto estrutura imutável. Significa dizer que o homem tem em sua essência a linguagem e ao mesmo tempo em que produz linguagem, ele se produz, visto que todas as suas ações se materializam por meio da linguagem. Nessa perspectiva, a alfabetização é muito mais que a apropriação do sistema de escrita enquanto estrutura mecânica de codificação e decodificação.

Tfouni (2010) enfatiza que do ponto de vista sociointeracionista, a alfabetização é um processo de representação e aquisição da escrita “enquanto aprendizagem de habilidades para a leitura, escrita e práticas de linguagem”.

A percepção da alfabetização enquanto processo de representação também está presente nos escritos de Ferreiro e Teberosky (1999), autoras argentinas que exercem grande influência teórica quando o assunto é a aquisição da escrita alfabética. Para elas a alfabetização é um processo ativo de construção de conhecimento sobre a língua escrita, sendo a criança, em processo de aquisição da escrita, um ser com “competências linguísticas e capacidades cognoscitivas”.

Assim sendo, a concepção de sujeito/criança é extremamente importante para as práticas de alfabetização. Na obra Pscicogênese da Língua Escrita, Ferreiro e Teberosky (1999) afirmam que os principais problemas na aprendizagem da língua escrita estão relacionados à concepção de sujeito que os educadores possuíam. Durante muito tempo, e talvez até no presente, existiram/existem professores que compreendem o aluno em processo de alfabetização, como um sujeito passivo que necessita apenas do reforço

sujeito, será simplista e limitadora, desprezando as competências linguísticas e capacidades cognitivas do sujeito que está a aprender.

Isso é um problema conceitual que pode mutilar a relação da criança com a escrita.

Além disso há uma grande disputa teórica que coloca no centro do processo de alfabetização os métodos, quando na verdade o centro dos estudos sobre alfabetização deveria ser o processo de aprendizagem. Para Ferreiro e Teberosky (1999) a ênfase em métodos sintéticos ou analíticos “leva a dicotomização da aprendizagem em dois momentos: quando não se sabe, inicialmente, é necessária uma etapa mecânica; quando já se sabe, chega-se a compreender”.

Para os adeptos do método analítico o trabalho com a aquisição da escrita inicia-se com unidades significativas para a criança, sendo a leitura um “ato global e ideovisual”. Já os que preferem o método sintético utilizam-se de atividades escolares que privilegiem a correspondência entre o oral e o escrito, ou seja, entre o som e a grafia, sendo essa uma das visões mais tradicionais da aprendizagem da escrita. É possível visualizar a influência desses dois métodos nas atividades realizadas em turmas de alfabetização ou mesmo no discurso docente quando ouvimos falar em método fônico e método global.

Ferreiro e Teberosky (1989) deslocaram o olhar dos métodos, para o processo de aprendizagem em si da escrita. Tomando o sujeito que está a se alfabetizar como um ser ativo, dotado de linguagem e que pensa sobre a escrita. Foi com o olhar para o pensamento da criança que elas conseguiram identificar competências linguísticas e capacidades cognoscitivas no aluo de alfabetização. Para elas a criança assume um papel diferente em seu processo de aprendizagem:

[...] no lugar de uma criança que espera passivamente o reforço externo de uma resposta produzida pouco menos que o acaso, aparece uma criança que procura ativamente compreender a natureza da linguagem que se fala a sua volta, e que, tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipações e cria sua própria gramática (que não é simples cópia deformada do modelo adulto, mas sim criação original). No lugar de uma criança que recebe pouco a pouco uma linguagem inteiramente fabricada por outros, aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando-se seletivamente a informação que lhe provê o meio (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).

Esses estudos realizados nos anos de 1990 tornaram-se atemporais diante das posteriores produções teóricas sobre aquisição da escrita alfabética, exercendo um impacto significativo no trabalho pedagógico na alfabetização, sobretudo nas propostas de atividades e de avaliação.

No cenário brasileiro, temos os estudos de Magda Soares que muito exercem influência nas práticas alfabetizadoras de nosso país. Na obra alfabetização e letramento, com primeira edição datada de 2003, a autora enfatiza que os métodos são importantes, mas não devem ser o centro do processo de alfabetização. Segundo ela não existe um método único que seja plenamente exitoso no todo da alfabetização. Ela acrescenta ainda a importância do letramento nas práticas de alfabetização.

Quando Soares (2017) apresenta o letramento como elemento parte do processo de alfabetização ela revela sua concepção de linguagem e sujeito. Aproximando-se dos pressupostos bakhitinianos e da psicogênese da escrita, uma vez, que o letramento é definido por essa autora enquanto “desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais”. Isso quer dizer que a criança tem contato com a linguagem antes de chegar à escola e, portanto, possui conhecimentos linguísticos advindos da sociedade letrada.

Dessa forma, a alfabetização enquanto “processo de aquisição do sistema convencional de escrita” (SOARES, 2017) precisa considerar as práticas sociais de linguagem como fio condutor desse processo - pensamento este compartilhado por Ferreiro e Teberosky (1999) quando afirmam que as crianças constroem hipóteses de escrita por meio das informações que o meio lhe provê.

No entanto, Soares (2017) afirma que o reconhecimento da aquisição da escrita como processo espontâneo de compreensão da escrita pela criança, não pode ser pressuposto para práticas de alfabetização assistemáticas, desprovidas de planejamento e metodologia.

Alfabetização não pode ser substituída por letramento, é preciso que o ensino da língua escrita caminhe lado a lado com os usos sociais da linguagem, ou seja, com a diversidade de produção discursiva. Para essa autora o fracasso no ensino e aprendizagem da língua materna pode ser proveniente da desarticulação entre o ensino e a aprendizagem, conhecimentos e metodologias.

Podemos inferir então que a organização do trabalho pedagógico estará sempre interligada aos conhecimentos sobre a língua escrita e a uma metodologia utilizada para ensinar, e que o professor alfabetizador permanece tendo seu papel de ensinar, porém não mais a um sujeito passivo. A passividade deixa de existir nas salas de alfabetização e os alunos assumem o protagonismo de suas aprendizagens por meio de situações de aprendizagem.

Partindo então, do pressuposto de que o trabalho pedagógico na alfabetização é

processo de escolha de métodos. Carvalho (2014) considera que o professor alfabetizador quando for escolher sua metodologia de ensino responda as seguintes perguntas:

[...] qual é a concepção de leitura e de leitor que sustenta o método?; o método combina os objetivos de alfabetizar e letrar?; são previstas maneiras de sistematizar o conhecimentos sobre fonemas e grafemas?; A fundamentação teórica que sustenta o método faz sentido?; Quais são as etapas ou procedimentos de aplicação? São coerentes?

Embora Soares (2017) e Carvalho (2014) reconheçam no papel do professor alfabetizador o ato de ensinar de forma sistemática, ambas consideram os apontamentos de Ferreiro e Teberosky, no que concerne a importância de compreender como a criança aprende.

Para nós as concepções mencionadas acima são extremamente importantes para a organização do trabalho pedagógico na alfabetização. Entendemos que como alfabetizadores não precisamos escolher um único método de alfabetização e corroboramos com o reconhecimento das competências linguísticas e capacidades cognoscitivas dos alunos/crianças em processo de alfabetização.

A atuação dos alfabetizadores no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Acre é, sobretudo de mediadores do processo de aprendizagem da leitura e escrita. O docente cria situações para que os alunos reflitam sobre a escrita e assim alcancem os objetivos de aprendizagem, expressos no planejamento e avaliados de forma contínua e hermenêutica.

Quando deslocamos o ensino de leitura e escrita para os usos sociais dessas habilidades, o trabalho pedagógico passa a ter como ponto de partida e de chegada a avaliação. Avaliação essa que não terá o aspecto somativo como elemento principal, mas sim os aspectos qualitativos individualizados e interpretados continuamente pelo professor.

Assim sendo, a avaliação em turmas de alfabetização não devem seguir apenas a lógica de um bimestre ou semestre, mas de todo o processo de forma contínua, comparativa e interventiva. O trabalho pedagógico será movido pelos dados revelados no olhar avaliador do professor. Será esse olhar o termômetro para as propostas de Projetos, Sequências Didáticas, Atividades Sistematizadas, Atividades Permanentes e Atividades Ocasionais, mencionadas por Nary (2007) como as modalidades organizativas do trabalho pedagógico que podem perpassar todas as áreas de conhecimento, tanto em turma de alfabetização como nos demais anos do ensino básico.

As modalidades organizativas são escolhas didáticas para organizar e executar o trabalho pedagógico em sala de aula. Não se trata de escolher uma única modalidade. A escolha estará vinculada as áreas de conhecimento, ao contexto de aprendizagem da turma e ao nível de aprofundamento que o docente intenciona dar aos conteúdos.

Os projetos e sequências didáticas permitem maior aprofundamento dos conteúdos ou conceitos, porém as demais modalidades podem ajudar aos alunos a resolverem situações problemas de forma mais imediata.

Magalhães e Cristovão (2018) problematizam as propostas de Projeto e Sequências Didáticas disseminadas na política pública do Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e identificam a relevância dessas duas modalidades organizativas na efetivação de processos de alfabetização interdisciplinares. Essa constatação é de suma importância, dado o fato de que, embora a linguagem seja o centro das práticas de