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O mundo encantado Uiramutã

No documento Letras em fronteiras - UERR Edições (páginas 61-65)

Construção Histórico-Etnográ ca de um Território

formado a partir de terras desmembradas de Normandia, é o polo turístico de Roraima e lá está Caburaí, o ponto extremo do norte do Brasil. E para aqueles que falam que índio não tem fronteira, mas tem sim. Eles não têm consciência de territorialidades, (...) mas de fronteira sim, exemplo, área Yanomami vai do Brasil à Venezuela, todos têm que ter consciência que aqui é Brasil, ali a Venezuela e ali Guyana... Até hoje (G. S.

COMUNIDADE UIRAMUTÃ, 2018). O pedaço do Brasil na fronteira tem o privilégio de deitar-se na Cordilheira de Pacaraima.

[...] possui paisagens de rara beleza. Nela se encontra o ponto extremo do norte do Brasil: as nascentes do Rio Uailã, no Monte Caburaí, a parte mais setentrional do Brasil. Também no Uiramutã, encontra-se o Monte Roraima com 2.875m de altura, ponto culminante do Estado e um dos mais altos do Brasil (SEBRAE, 2006, p. 12).

O município é relativamente novo, criado pela Lei nº 098, de 17 de outubro de 1995. Deve sua formação ao desmembramento das terras de Normandia e de Boa Vista e está a 306 km da capital. Localiza-se nas coordenadas geográ cas: 04º 35’ 45” de latitude Norte e 60º 09’ 46” de longitude Oeste. Possui área territorial de 8.090,7 Km2, o que representa 3,9%

da área territorial de Roraima. É um município eminentemente indígena e 97,96% de sua área total, que corresponde a 7.925,95 Km2, são de Terras Indígenas – TIs (SEBRAE, 2006). Localizado dentro do Parque Nacional Monte Roraima (PARNA), pode ser considerado o município mais isolado de Roraima, tendo em vista o acesso à região íngreme ser bastante difícil (SEBRAE, 2006). Apresenta-se a gura 1, para visualização do município de Uiramutã, região locus da pesquisa, sua posição no estado e no país, suas fronteiras.

Figura 1: Situação geográ ca do município de Uiramutã.

A população do município é superior a 8.375 pessoas, informação do último censo demográ co (IBGE, 2010). Além disso, vale lembrar que o uxo migratório dos venezuelanos, desencadeado a partir de 2016, também chegou à sede desse município com expressivo número, pois é visível encontrar com venezuelanos nas poucas ruas centrais.

As terras indígenas de Uiramutã, ao longo da história, já foram alvo de garimpeiros em busca de ouro e de diamantes (1960), como as comunidades chave do garimpo, Socó, Mutum e Água Fria. A região visitada de Uiramutã foi ponto forte de garimpo e corruptela5, tinha muito ouro e diamante aqui no município (D. S. Rua do Comércio, 2018), foram grandes as transformações na sede do município. Em 1994, a FUNAI retirou os garimpeiros da região e as terras passaram a ser ocupadas novamente pelos indígenas, no entanto, segundo relato,

Quando eu saí daqui, em 89 (1989), tinha muita festa por aqui, apareceu muita gente de fora e, quando eu voltei em 95 (1995) para trabalhar aqui, percebi o deserto, porque tinha acabado o garimpo e os fazendeiros já estavam (G. S. UIRAMUTÃ, 2018).

Esse fato gerou embates entre fazendeiros e indígenas, que culminaram no episódio da demarcação das terras indígenas - TIs (2005). Além dessa luta por terras, o município tem recebido também imigrantes venezuelanos, dada à crise socioeconômica e política do país vizinho. Embora esses eventos tenham permitido contatos intensos de indígenas com não índios há muitos anos, esses povos conseguiram manter vivas as suas línguas maternas.

Considerando a área de dimensão geográ co-cultural e o fato de ter sido corpus de outros trabalhos anteriores, Uiramutã foi escolhido para esta pesquisa porque possui 61 comunidades indígenas. A população, basicamente indígena e rural, conta com 51 escolas municipais e 77 estaduais, onde os lhos têm aulas de línguas indígenas Ingaricó, Makusi e Inglês6. Embora na região sejam encontradas línguas indígenas, na toponímia de Uiramutã, muitos topônimos são grafados em língua portuguesa.

Município de diversidade linguística, estão presentes as línguas indígenas Wapixana, Ingaricó, Patamona, Taurepang, Makusi, sendo esta última de maior representação no município, além do Espanhol, Inglês e do Português, língua o cial. Quanto à cultura, Uiramutã preserva costumes tradicionais representados por comidas, bebidas, artesanatos e danças. Os indígenas desenvolvem com muita criatividade o artesanato de bra vegetal colorida e confeccionam cestarias em geral. Essa característica do artesanato local singulariza-os porque é facilmente identi cável, marcando, sem dúvidas,

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4 Contribuição de Francisco de Assis da Silva Araújo - Doutor em Geogra a - UNESP.

5 Corruptela, assentamento de garimpeiros, com a presença de casas de prostituição.

6 Informações da Secretaria de Educação do município de Uiramutã- RR, 2018.

a identidade étnica (SEBRAE, 2006).

Os índios Makusi costumam fazer pinturas no corpo e no rosto, são marcas da cultura e servem para indicar alegria: Você está recepcionando alguém com muita alegria, não pode ser com tristeza, aí a pintura é a pluma, o beija-flor (G. S. UIRAMUTÃ, 2018); servem também para se proteger do mal, para o que usam muito as patinhas (as pegadas) de animal (G. S. UIRAMUTÃ, 2018). Normalmente utilizam a tinta de urucum, jenipapo e outros vegetais para realizar a pintura, que é entendida como uma espécie de roupa que os identi ca, que transmite mensagens a outras etnias, e que se constitui como adorno especial que conversa também com os espíritos, afugentado os maus.

O uso da palha também tem outras signi cações, além do artesanato que identi ca a etnia; no caso dos Makusi, a cestaria é a mais utilizada. A palha de buriti faz parte da vestimenta dos dançarinos de Parixara7, cuja roupa de palha deve ser incinerada logo após a recepção do convidado:

no ritual é obrigatório tirar a roupa depois, se você tá recebendo eles.

Todo mundo dança. Se ele trouxe alguma coisa negativa, cou na roupa.

É obrigatório tirar a roupa e queimar no fogo, não deve levar para casa, nem usar de novo, porque quando Tukui recebeu ele, ele trouxe qualquer coisa lá de fora. Tukui é um canto de alegria, de festa (G. S. UIRAMUTÃ, 2018).

Outro aspecto importante do município são as mais belas cachoeiras do Estado8, cujo patrimônio ainda está isento de roteiros turísticos ou qualquer visita externa sem autorização dos representantes indígenas. Durante as entrevistas, os informantes demonstraram medo acerca da contaminação de suas águas, pois há precedentes históricos de garimpo na região.

Nesse contexto de fronteira, os homens estabelecem relação de interação e de dependência uns com os outros. “A fronteira é essencialmente o lugar de alteridade. É isso que faz dela uma realidade singular” (MARTINS, 2009, p. 133). Há uma linha invisível que se transforma diariamente, sob as in uências da diversidade de seus moradores, visto que a ‘fronteira’ é não só o limite entre os diferentes, como o locus da pesquisa, tendo índios de um lado e não índios de outro, latifundiários e ou garimpeiros de um lado e pequenos agricultores de outro, povos de diferentes nacionalidades e etnias em lados opostos. Ao contrário, a fronteira é o lugar de in uência mútua, descobertas e con itos que envolvem todos que ali vivem (ARAÚJO, 2014).

No entanto, é possível perceber pela toponímia que as representações

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7 Parixara, dança religiosa da cultura indígena, está relacionada a agradecimento à mãe natureza.

8 Descritas na tese da autora.

identitárias, os mitos, a história, a geogra a e especialmente a língua podem permanecer preservados. O mundo para os indígenas é a representação de conceitos e valores espirituais e culturais. Portanto, compreender a cultura é reconhecer tradições que se projetam na língua de um povo. Como a rma Dick (2007), o homem “cristaliza” conceitos como forma de registro do léxico social de uma língua, através do seu patrimônio cultural passado de geração a geração no ato de dar “nomes” a coisas, ideias e sentimentos.

Em Roraima, acrescenta-se ao panorama supracitado o contexto geopolítico da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) do qual a sede do município do Uiramutã foi subtraída. Importa lembrar que o Governo Federal, ao homologar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por meio do Decreto s/n, de 15 de abril de 2005, gerou importantes iniciativas para políticas indigenista e ambientalista. Muitos foram os con itos, as oitivas e discussões envolvendo política e legislação sobre o assunto que de diferentes formas têm impactado forte e diretamente a vida dos indígenas e não indígenas locais (FALEIRO, 2015).

No documento Letras em fronteiras - UERR Edições (páginas 61-65)