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Os Conflitos entre Terceiros e o Clero Secular

No documento universidade federal de minas gerais (páginas 145-166)

3. UMA ROTINA DE EMBATES

3.1. Os Conflitos entre Terceiros e o Clero Secular

Os Terceiros entendiam que a ação do Cabido da Sé apresentava uma conduta repreensível e perturbadora ao estado harmônico que até então conduzia suas atividades, e o Cabido procurava, por meio do uso de seus atributos, presidir todos os atos da Ordem Terceira, no entanto, “sem ter posse alguma nessa [Ordem Terceira] para poder fazer”.281 As alegações do Cabido residiam no fato de que, como pároco daquela freguesia da Sé, era seu direito realizar tais atividades. A questão chegou até a ação impetrada pelos Terceiros junto ao juízo secular da mesma localidade, após três tentativas de contornarem a situação por súplicas ao dito Cabido.

A ação legal permaneceu sem resolução devido à morte do Bispo de Mariana, e a condição de Sé vacante serviu de pretexto ao mesmo Cabido para agir com o intuito de impedir as funções anuais da Ordem Terceira do Carmo, como a Procissão do Triunfo e do Enterro do Senhor, alegando, para isso, a necessidade de sua participação direta na condução dos serviços.

Por isso, os Terceiros reivindicaram seus direitos de realizar as procissões e solicitaram ao Monarca português que:

ao que vossa majestade, como rei, e senhor tão fidelíssimo deve por remédio oportuno, protegendo-nos para que vivamos em paz no Serviço de Deus, e da Senhora do Carmo, por este, modo ficarás evitado o [ilegível], que fazemos nesta Ordem com a injusta demanda deste cabido, que só é o seu fim adquirir, e ganhar ouro, não atendendo as poucas justiça que lhe ajuste visto as Bulas, e isenções que tem das Ordens terceiras, pois estas [ilegível] ordem indigente, e nos seus princípios vivendo das esmolas dos Irmãos e fieis devotos, que continuamente buscam a misericórdias de Deus pelo auxílio da Senhora do Carmo.282

Esse é um exemplo de evento recorrente, principalmente no século XVIII, na Capitania das Minas Gerais. Trata-se de um conflito em que estão presentes dois elementos fundamentais entrelaçados e agindo como oposição entre Ordens Terceiras do Carmo e Clero Secular. O primeiro diz respeito à questão dos emolumentos ou côngruas que, de uma maneira simplificada, representavam os rendimentos paroquiais, os quais abarcavam desde as esmolas até as taxas cobradas para a execução de serviços religiosos. O segundo fator trata das intervenções dos Vigários em assuntos internos das Ordens Terceiras e Irmandades, delimitando ou limitando as fronteiras da autogestão para a condução do regimento de suas prerrogativas administrativas.

281 Arquivo Histórico Ultramarino – Caixa 84 doc.: 42 Ano anterior até 1764 – 5 de novembro – Cod. 6996.

282 Arquivo Histórico Ultramarino – Caixa 84 doc.: 42 Ano anterior até 1764 – 5 de novembro – Cod. 6996.

146 Marco Magalhães Aguiar tece uma análise extremamente arguta da documentação do período que envolve casos semelhantes.283 Ele percebe que esta é uma ação abrangente, que atinge não somente um tipo de Ordem Terceira ou confraria, mas, de certa forma, as mais diferentes associações leigas do período. Entre os diferentes casos analisados pelo autor, um em particular se assemelha ao do Carmelo, no qual a Ordem Terceira de São Francisco de Vila Rica procurou, por meio de ações judiciais e apelos, restringir a jurisdição paroquial dentro de sua organização. As constantes intervenções fizeram com que as Ordens Terceiras, especificamente, procurassem a proteção Régia e elaborassem e compusessem um conjunto documental comprobatório de seus direitos canonicamente determinados e transferíveis de suas Ordens Regulares respectivas, como anteriormente citado. O mesmo autor ainda salienta que esse foi um contexto complexo, decorrente não só das transformações sociais e econômicas ocorridas na segunda metade do século XVIII, mas também pela presença de uma força descentralizadora da vida religiosa nas Matrizes.

Os Terceiros solicitavam também a convocação de um representante regular da Província do Carmo do Rio de Janeiro para ocupar a posição de comissário dos Terceiros, uma vez que o cargo não se encontrava devidamente ocupado. Alegavam a seu favor os benefícios da sua desoneração com côngruas de “cem mil reis, a bem das missas, e sermões que pregar, e tudo paga a mesma ordem”. Somadas ao menor custo, estavam as vantagens de medicante que viveria “das suas esmolas, e sermões, que lhe der a ordem estando pronto na mesma para as orações mentais, disciplinas absolvições, missas, e mais atos concernentes à mesma ordem”.

Finalmente, apresentavam seus temores de represália por parte do respectivo Cabido, principalmente após as solicitações feitas, e reforçavam a boa vontade da Ordem.

Passando-se outro sem ordem para o cabido nos perturbar nos atentados, e violência, que nos tem feito usurpando a regalias da ordem, e sem conhecimento de causa, nem estar finda, querendo intrometer a presidir, pois em nada pretende a Ordem prejudicar aos direitos do Pároco da freguesia.284

O fato ocorrido com os Terceiros de Vila Rica talvez possa encontrar explicação em eventos anteriores à solicitação da intervenção Real e o pedido para afastamento do Cabido da Sé. Um ano antes dos fatos supracitados, em 1759, a Ordem Terceira foi avaliada e comparada

283 AGUIAR, Marcos Magalhães de. Vila Rica dos Confrades: a sociabilidade confrarial entre negros e mulatos no século XVIII. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. p. 268-275.

284 Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 84 doc.: 42 – 1764 - 5 de novembro - Cod. 6996.

147 com a sua congênere de Mariana pelo então Bispo de Mariana D. Frei Manoel da Cruz, que descrevia os carmelitas de Mariana como portadores de grande zelo e devoção.

Confessando-se, e comungando na sobredita capela inumando-as pessoas nos [ilegível] assistindo com fervor digo com fervor ás suas procissões, que todas se tem feito com muita decência e edificação destes povos e como temos presenciado”.

Contudo, os Terceiros de Vila Rica são tidos como rebeldes e causadoras de problemas junto aos dirigentes de sua província: ‘Vila Rica há outra ordem terceira de Nossa Senhora do Carmo cujos terceiros tem mostrado muito pouca obediência ao seu Prelado que é o mesmo Reverendíssimo Provincial do Rio de Janeiro com pretextos frívolos.’285

Segundo Dom Manuel da Cruz, o comportamento dos Terceiros levou à suspensão do Comissário da sua Ordem que, indiferente às interdições promulgadas pelo Provincial, continuou no seu cargo trabalhando junto ao noviciado, fazendo profissão dos novos membros e executando normalmente todas as suas funções. Ao saber do ocorrido, o Provincial solicitou a intervenção do Bispado para afastar o respectivo comissário até que este se comprometesse a obedecer às determinações de seus superiores prelados Regulares. Conforme foi possível detectar, a ação para a suspensão do comissário demandou esforços contínuos feitos por requerimentos e, por último, uma intervenção direta. Os Terceiros recorreram da suspensão junto ao provincial e “conseguiu, que o dito reverendíssimo Provincial levantasse a suspensão ao comissário, mas que primeiro no desse disso parte, e pedisse o nosso consentimento, e beneplácito, o que assim se executou”.286

É visível que se trata de celeumas que datam de pouco tempo após as instalações das Ordens Terceiras do Carmo em Minas Gerais, entre os decênios de 1750 e 1760. Contudo, essas celeumas continuaram, o que pode ser constatado na peça inicial do conjunto processual de 1794, cuja abertura é feita por Martinho de Mello e Castro, então Primeiro Ministro, com o parecer de José Luís de Castro, o Conde de Rezente e Vice-rei, para a monarca portuguesa Dona Maria I, no qual trata da representação dos Vigários na capitania de Minas Gerais. Não é um grupo desordenado do clero diocesano, mas sim o conjunto de Vigários colados pertencentes às igrejas paroquiais do bispado de Mariana. No mote do processo estava o argumento de

“estado de relaxação” das Ordens Terceiras, no que concerne ao seu não alinhamento às determinações impostas pelo clero secular. Apesar de não se ater apenas a um ramo religioso leigo, incluindo outras associações como irmandades e confrarias, fossem elas compostas por brancos, pardos ou pretos, os Terceiros são apontados como não somente precursores, mas

285 Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 84 doc.: 42 - 1764 - 5 de novembro - Cod. 6996.

286 Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 84 doc.: 42 - 1764 - 5 de novembro - Cod. 6996.

148 instigadores e portadores de uma conduta que serviu de modelo para as transgressões realizadas pelos demais institutos.

No cerne do primeiro argumento, ao expor ao Conselho Ultramarino em 1794, Martinho de Melo e Castro afirmou o estado de corrupção jurisdicional e moral desses institutos, se perdendo ou se desligando dos propósitos para os quais foram fundados. Salientava que os Terceiros do Carmo se faziam surdos e cegos às determinações do clero paroquial, atendo-se apenas à extrema obediência aos seus gerais do Carmo em Roma ou na Província fluminense e, por diversas vezes, solicitando e enviando a estes pedidos de confirmação de seus Estatutos condizentes apenas com as suas diretrizes espirituais e temporais.

Irmandades de Pretos e Pardos vendo as isenções que se rogam as ordens terceiras, com fausto, e pompa com que edificarão as suas capelas, e faziam as suas festividades, deixarão as Matrizes [ilegível] se estabeleceram [ilegível] e passarão a edificar ermidas, ou capelas próprias, com as quais se julgaram independentes.287

Para os Vigários, essa relação direta com seus superiores atentava contra as determinações da Igreja e era obtida de forma indigna ao conseguir essas confirmações a expensas de grossos donativos, que sucessivamente mandavam aos Gerais, para que lhes

“aprovem, e autorizem quanto querem. Cometendo neste absurdo, o detestável, e horrível atentado de interporem para os seus Estatutos Confirmações Estrangeiras, e em continuarem a governar-se por elas”. Para os Vigários, tratava-se de um espírito de arrogância e soberba oriunda das Ordens Terceiras, rechaçando o que consideravam a correta conduta de respeito, obediência e submissão não só ao clero, mas ao Rei de Portugal. Sua conduta “libertina” era de tal sorte considerada pelos Vigários uma ação prejudicial à Igreja, ao Estado, à Real Fazenda, ao Padroado Régio e aos Povos. Ao aplicar tão vasto conjunto de instituições e poderes no fluxo de ações prejudiciais, os Vigários procuravam colocar os Terceiros como opostos ao poder monárquico, incitadores da sedição, desobedientes às leis reais, figuras prejudiciais ao erário.

De todos esses elementos detratores, fica claro o objetivo dos Vigários de obter a simpatia da monarquia e suas instituições a fim de vencer a causa frente aos Terceiros.

Aos novos terceiros costumam encarregar do cuidado e decência de hum altar, e todos capricham de o aumentarem com peças, e obras de valor ou sejam resplandores de ouro, castiçais de prata ornamentos ricos, ou imagens em que fazem grande despesa;

E as Joias dos irmãos da Mesa são avultadas, e a dos ministros da ordem excessivas e a bem destas despendem extra ordinariamente porque os Ministros e Mesários de um ano querem exceder nas funções aos do ano antecedente, e todas estas despesas não é aplicada ao socorro dos pobres, e ao amparo das órfãs, e viúvas, mas para sustentarem

287 Arquivo Histórico Ultramarino – Caixa 130 doc: 10 Ano anterior até 1794 – 20 de março – Cod. 10781.

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templos sumptuosos, seguirem por fins pleitos das suas imaginadas isenções fazerem festejos profanos com que atraem o vulgo ignorante, e para enviarem todos os anos porções de dinheiro aos Gerais do Carmo, e de São Francisco em Roma, e Espanha aos quais respeitão como seus únicos Prelados.288

Por meio de uma breve digressão histórica, na qual abordavam a formação do corpo eclesiástico que se implantou na Capitania de Minas Gerais desde os seus momentos iniciais, com suas limitações, problemas de formação, conduta e proibição de estabelecimento de Regulares carmelitas, entre outros, os Vigários conduziam o raciocínio por uma linha longínqua no qual os Terceiros e seus comissários foram representados como adeptos de uma postura autárquica ou afeitos ao desejo de manutenção de sua independência frente às intervenções dos Párocos. Isso seria visível já quando os primeiros Comissários, ao se estabeleceram nos altares destinados aos terceiros nas Matrizes, reafirmavam a isenção desta associação frente aos interesses dos seculares, culminando na celebração de sua independência por meio da condução dos Terceiros na criação de seus próprios templos, a fim de celebrarem de forma livre todas as funções relacionadas ao culto exterior sem qualquer interferência do clero secular.

Para os Vigários, a transferência para fora do âmbito das matrizes significava o asseverar do “espírito de arrogância, de soberba e de independência que domina naquelas corporações”.

Para eles, era dentro dos “suntuosos templos” pertencentes às Ordens Terceiras que ocorria a ação dos ditos clérigos comissários, subordinando-se aos prelados Regulares e esquivando-se dos direitos paroquiais, colocando em exercício as celebrações de festas solenes, missas cantadas, novenas e procissões públicas, acompanhamento de enterros. Tudo isso, segundo os Vigários, sem “assistência, autoridade ou licença” de sua parte, aos quais estavam submetidos por serem, de acordo com seus dizeres, “filiais” das matrizes.

influindo nos terceiros e entusiasmo, de que a sua maior regalia, e especial privilégio, é serem independentes dos suplicantes, e terem, e nomearem nas pessoas dos comissários, os seus Prelados, e Párocos próprios, para o que aplicam como querem as Bulas, e privilégios dos regulares, e os saturando assim os mesmos terceiros, que sendo na maior parte Mineiros, Roceiros, e pessoas que ocupam os cargos civis, formam um partido inseparável que combate, e posterga os direitos, jurisdição paroquial a qual não contemplam, nem respeitão, e é para eles objeto de desprezo e de ludibrio.289

Os Terceiros, como acima descrito, agiam, segundo os párocos, para intervir e interferir com o andamento processual de suas causas relacionadas aos Terceiros, aproveitando-se de

288 Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 130 doc: 10 Ano anterior até 1794 - 20 de março – Cod. 10781.

289 Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 130 doc: 10 Ano anterior até 1794 - 20 de março – Cod. 10781.

150 seus cargos oficiais bem situados na administração do Estado Monárquico e mesmo do governo da Capitania. Já os Comissários também atuavam publicamente junto aos moradores da paróquia, e, segundo os mesmos párocos, tentavam insuflá-los contra sua autoridade, constrangendo-os a ponto de intentar “um cisma com cada freguesia, não querendo reconhecer e obedecer aos vigários, seus verdadeiros e legítimos pastores”. Os Vigários apoiavam sua solicitação sob cinco campos em que a postura dos Terceiros causaria ou causava prejuízos, entre elas estavam a Igreja, o Estado, a Fazenda Real, o Padroado Régio e os Povos. De fato, a intenção era dirigir a argumentação de maneira a não deixar margens para refutação da importante intervenção da administração da coroa portuguesa nas Ordens Terceiras, para recolocar os leigos dentro dos limites previstos.

Os prejuízos para a Igreja estavam relacionados à tentativa de tomada da jurisdição pertencente aos bispos por meio de ações que procuravam confirmar suas isenções, privilégios e direitos de autogestão administrativa frente aos Vigários. Tratava-se de desobediência e refutação à veneração espiritual, à instituição paroquial e ao seu Pároco. A ação dessas corporações comprometia a qualidade do culto e obliterava a importância das matrizes. De fato, como bem salientou Marcos Magalhães de Aguiar, havia um recrudescimento da descentralização da vida religiosa, com sua respectiva pulverização na proliferação de diferentes associações de leigos.290 A suntuosidade dos templos das Ordens Terceiras e as ofertas de possibilidade de salvação conduziam paulatinamente, cada vez mais, os homens e mulheres a se professarem, retirando boa parte dos emolumentos e outros recursos em uma fase de desintegração da extração aurífera no final do século XVIII.

O resultado foi que os seus respectivos fregueses lá já não adentravam ou participavam com o mesmo afinco para ouvir as santas missas do seu “legítimo Vigário”. Para esses últimos, as Ordens Terceiras eram vaidosas, apegadas em demasia ao temporal e focadas exclusivamente na assistência aos seus irmãos. Elas desconheciam o verdadeiro culto, sobrecarregando suas festividades com adornos, música, fogos de artifício e “representações profanas” que, segundo os vigários, eram motivos de “deboches de que resultam escândalos, e desordens repreensíveis”

e, por fim, lamentavam que suas matrizes estivessem desertas, sem que ninguém assistisse aos seus ofícios, tornando os párocos desconhecidos e desprezados por seus fregueses, obedecendo somente aos “comissários e capelães das suas Ordens Terceiras, e irmandades”.291

290 AGUIAR, Marcos Magalhães. Tensões e conflitos entre párocos e irmandades na Capitania de Minas Gerais.

Texto de História, v. 5, n. 2, p. 43-100, 1997. p. 67.

291 Arquivo Histórico Ultramarino - Caixa 130 doc: 10 Ano anterior até 1794 - 20 de março - Cod. 10781.

151 Quais são os motivos que levaram a essas queixas e ações judiciais? Em primeiro lugar estava a certidão número um, extraída do livro da Provedoria das Capelas e Resíduos, na qual se relatava o comportamento habitual das relações entre o clero secular e os leigos Terceiros.

Consta também que as Ordens Terceiras do Carmo já asseguravam a governança por estatutos aprovados pelos respectivos Regulares de suas religiões fora do território colonial. Ainda explicitava a conduta avessa dos comissários gerais em protocolar as confirmações de cargos pelas expedições de Dona Maria I em 1795. A questão jurisdicional é apontada como um entrave para coexistências harmônicas entre os corpos religiosos, uma vez que:

Que os mesmos terceiros, existindo nas capelas que edificarão no território paroquial, se fazem isentos, vivem em separado, independentes da Matriz sem sujeição alguma ao pároco. Que nunca em tempo algum apresentarão os seus livros, ou deram contas da sua receita e despesas aos Provedores das Capelas e resíduos. E que vivem na jactancia de que só estão sujeitos ao Prelado da respectiva ordem, e aos comissários gerais.292

A certidão de número dois repisava o terreno das isenções ao apresentar declaração expedida pelo escrivão da Provedoria das Capelas e Resíduos por notificação diretamente da Mesa de Consciência e Ordens. A questão tratava da Irmandade de Santa Efigênia e da Irmandade Santo Elesbão, duas das associações patroneadas pelos Regulares carmelitas e que estavam abrigadas dentro da Capela da Ordem Terceira de Vila Rica, na qual possuíam altar próprio e funcionavam desde 1765 sem a devida confirmação de seus compromissos e apresentação de suas contas. Em decorrência desse conjunto de desalinhos legais, sua legitimidade foi questionada, a que os Terceiros do Carmo responderam, defendendo as Irmandades, que, por elas residirem em suas capelas, eram também isentas das interferências paroquiais e independentes jurisdicionalmente. Nas certidões posteriores, foram relatados comportamentos invasivos aos direitos paroquiais e condutas tida como arbitrárias por parte dos Terceiros. Em um dos relatos, os Terceiros do Carmo se recusaram a acompanhar a procissão solene do corpo de Deus que partia da Matriz, aguardando a chegada do santíssimo sacramento até que o cortejo passasse pelo espaço do adro e porta de suas respectivas capelas, só assim se reunindo em corpo junto ao pároco da matriz.

Fizeram os terceiros do Carmo, um oficio solene de exéquias pela alma de um terceiro, capitulado, presidido pelo comissário que cantou a missa, e fez todos os mais atos pastorais sem licença do Pároco a quem pertenciam. Receando que o mesmo lhe impedisse este ato, convidarão em segredo os sacerdotes que havia de assistir,

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prepararão de noite a capela afim de que o vigário quando tivesse matéria da função não pudesse impedir-lhe.293

Sobre a execução das exéquias, os vigários criticavam os excessos cometidos pelos mesmos Terceiros com relação aos préstimos fúnebres, fazendo questão de acompanhar seus irmãos a serem sepultados na Matriz portando uma cruz alçada e com a presença de seu sacerdote. Era recorrente que, após todos os ofícios executados pelo pároco, realizassem os Terceiros suas próprias encomendações por meio de seu Comissário paramentado de estola e pluvial, pois tinham “para si, que a encomendação do Pároco, de nada vale ao defunto”.294

Para os Vigários, a única forma de impedir que condutas dessa natureza voltassem a se repetir seria por meio da intervenção direta de D. Maria I sobre as Ordens Terceiras. Entre suas requisições, estava o impedimento de que os Terceiros pudessem ter Comissários determinados por eles próprios, ficando a cargo do Pároco, ao qual encontrava-se submetida sua capela, gerenciar espiritualmente os leigos. Todas as festividades deveriam ser suspensas de execução no espaço particular da Ordem e transferidas para a Paróquia, na qual “para este fim terão Altar próprio, e as capelas que têm edificado sirvam de hospitais para os terceiros pobres”. Ao eximir as Ordens do direito à capela particular, os vigários lhe tentavam retirar a conduta de , como afirma Marcos Magalhães Aguiar, ao constatar que “todas as irmandades que desafiavam a jurisdição paroquial nestes termos, forçosamente, eram proprietárias de capelas. A conservação de templos próprios constituía instrumento objetivo de ampliação da autonomia da vida associativa”.295

Ainda quanto aos impedimentos perpetrados pelos vigários, consta o que compreendo como proposta de ruptura com o direito consuetudinário e com o corpo místico que as une os Terceiros aos seus Regulares. A ideia era negar toda solicitação ou pretensão de isenções, indulgências, graças espirituais e desestruturando juridicamente a Ordem Terceira até ao ponto de uma mera confraria de devoção. Segundo os proponentes, o objetivo dessa associação deveria ser apenas o culto a Deus. A jurisdição e aprovação de seus Estatutos caberiam ao Estado Monárquico, que também gestaria as finanças da mesma Ordem em conjunto com o prelado secular.

Que as esmolas com que os terceiros concorrem sejam moderadas e reguladas pelo prudente arbítrio do Reverendo Bispo, e do Governador Capitão General em quantia

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295 AGUIAR, Marcos Magalhães. Tensões e conflitos entre párocos e irmandades na Capitania de Minas Gerais.

Texto de História, v. 5, n. 2, p. 43-100, 1997. p. 56.

No documento universidade federal de minas gerais (páginas 145-166)