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Visitações e Adaptações Administrativas

No documento universidade federal de minas gerais (páginas 166-193)

3. UMA ROTINA DE EMBATES

3.2. Visitações e Adaptações Administrativas

Os únicos documentos que sobreviveram às intempéries do tempo nos arquivos das Ordens Terceiras do Carmo relacionados às visitações foram três: um pertencente aos Terceiros de Diamantina, outro aos de Vila Rica e, por último, o de São João del-Rei. Causa estranhamento a quase inexistência dos registros desse tipo no século XVIII, por essa ser uma documentação basilar das diretrizes administrativas e espirituais dos Terceiros. Os registros para o período apresentam datação desorganizada e alguns estão incompletos, o que não permite sua apreciação contínua. Para o século XIX, as causas vão além da conservação e esbarram em visitações feitas de forma irregular em períodos de tempos muito afastados, em restrições crescentes impostas pelo Estado Imperial aos religiosos e no contingente reduzido de freis na cidade do Rio de Janeiro disponíveis e capacitados “espiritualmente” – como já observado nas questões relativas aos comportamentos desviantes –, portadores de interesses outros que não o zelo pela perfeição espiritual de seus irmãos leigos.

A finalidade das visitações era inspecionar a organização dos livros de registros de entradas de irmãos, contas, orientação espiritual e temporal, apreciação do asseio do templo, da decência das alfaias e utensílios para exercício litúrgico, assim como o estado geral da capela e situação financeira.320 O livro de Visitas referente aos Terceiros de Ouro Preto, Diamantina e de São João Del-Rei são formados por registros esparsos, com composição cronológica irregular, não permitindo estabelecer uma periodicidade segura.

O primeiro registro a ser trabalhado é datado de 1760 e faz referência aos Terceiros do Carmo de Vila Rica. Não se trata especificamente de anotações realizadas pelo ato de visitação, mas carta enviada pelo Comissário Visitador Apostólico e Prior Geral da Ordem do Carmo Fluminense ao Bispo de Mariana, na qual tece críticas a conduta da Ordem Terceiras de Vila Rica quando visitada pelo prelado indicado para o ofício. Segundo o Provincial frei Joaquim Maria Pontalti, a Mesa Administrativa da ordem já havia sofrido repetidas admoestações

320 Ao contrário da Ordem Terceira de São Francisco de Assim, a Ordem Terceira do Carmo não possuía em seus Estatutos qualquer capítulo destinado a orientar ou versar sobre os procedimentos a serem tomados quando das Visitações. Para o sodalício terceiro franciscano existiam uma passagem específica sobre o tema de título “Capítulo de Revisão”. Com relação aos procedimentos adotados na Ordem Terceira de São Francisco cf. BARBOSA, Gustavo Henrique. Poderes Locais, devoção e hierarquias sociais: a Ordem Terceira de São Francisco de Mariana no século XVIII. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. p. 316.

167 outrora relacionadas à conduta tida como insubordinada perante aos seus superiores Regulares.

Contudo, na versão dos Terceiros de Vila Rica, suas ações estavam longe de serem descritas como desobediência, mas sim de prerrogativa de legítima defesa de seus privilégios adquiridos e consubstanciados em cartas patentes, concessões cedidas por seus prelados superiores em diferentes ocasiões. Segura de sua posição, a Mesa do Carmo dirigiu uma representação contra a postura do Visitador, algo que chamou de “excessos” junto ao Provincial do Carmo.

estes nos fizeram queixas em petição e carta humilde dos excessos do Provincial Contra os privilégios da confraternidade dos mesmos erecta e confirmada por Carta Patentes de nosso Predecessor aprovadas por autoridade da Se Apostólica, e mandadas a execução pelo Ex.mo e R.mo Bispo do dito Bispado de Mariana para que tivessem seu efeito.321

Para frei Joaquim Maria Pontalti, a ação movida pelos Terceiros era uma clara usurpação de poderes. O processo fora enviado pelos queixosos para a Cúria Romana na procura de uma resposta favorável aos leigos. Atitude tida como avessa a espírito da Ordem do Carmo e dispensável do ponto de vista canônico, uma vez que a postura renitente por si só era “caminhos digno de repreensão”, conduzindo aqueles que nas “entranhas da caridade estão obrigados a tratar-se reciprocamente em equilíbrio e cordialidade” para a manutenção da harmonia do Corpo Místico.322

Em Jesus cristo pretendemos lançar fora os erros e abusos introduzidos na nossa sagrada ordem por lapso do tempo e estamos obrigados a fixar a porta a outros danos que dai se originaram assim lemos o processo formado dos litigantes vertido por qualquer parte cheia de erros do principio ate o fim; como também com grande tristeza [verso] da nossa alma vimo dentro nele o fim de tão grandes males; mas oh miserável condição dos homens! Atentaram usurpar a jurisdição do superior; e nas suas obras principiaram a rebata-la talvez para que enganassem com maldade a piedade dos fiéis323

Além dos problemas supracitados, somavam a deturpação dos limites de atuação atribuídos ao cargo de Comissário previsto no livro de Estatutos e prática incorreta da distribuição de bens espirituais por parte dos Terceiros de Vilas Rica. O caso envolve o comissário da Ordem Terceira do Carmo de Vila Rica que, no uso de seus poderes, resolve delegar suas obrigações espirituais de realizar a bênção dos escapulários a um segundo, não

321 BNP - OTCM - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (séc. XVIII). p. 18.

322 BNP - OTCM - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (séc. XVIII). p. 19.

323 BNP - OTCM - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (séc. XVIII). p. 19.

168 pertencente à Ordem Terceira. O ato contradiz as decisões da Ordem do Carmo, que afirma a necessidade prévia de concessão por escrito partindo dos Regulares provinciais e confirmados pelo Mestre Reverendo Padre Provincial como cláusula para esse fim. Também é uma ruptura com as determinações dos Estatutos do Terceiros, que não preveem a inclusão de outros sujeitos para distribuição desses benefícios espirituais, sendo essa atividade exclusiva de seu Comissário.

Finalmente pretendem que o comissário assim eleito tenha jurisdição espiritual ainda para delegar independente de tal sorte que não possa ser cotada pelo Provincial e o que mais é nem ser impedida pelo Prior Geral, como se o Geral pelas sagradas constituições da Ordem não tivesse faculdade em nada não somente de as interpretar, e dispensar nelas se houvesse necessidade mas também de revogar quaisquer estatutos dos predecessores e se acrescentar novos por toda a Ordem se assim julgar em o Senhor que convém pelo bom regime da mesma. Ah quantos males gera a cobiça paleada com a espécie do bem!324

Para frei Joaquim Maria Pontalti, essa poderia ser considerada uma falta gravíssima, pois os irmãos beneficiados pelos escapulários benzidos pelo sujeito delegado pelo comissário da Ordem Terceira não poderiam se beneficiar das indulgências espirituais a que tinham direitos.

Com tudo aquela bênção dos escapulário e todos e quaisquer atos respectivos a mesma que foram feitos pelos delegados do mesmo comissário assim dentro como também fora do Bispado de mariana nenhum vigor totalmente tiveram nem poderão ou podem o aproveitar aos fieis quanto para o feito de gozarem das indulgencias e graças espirituais com o feitos sem legitima faculdade assim se acautela e diz expressamente nas antigas letras Apostólicas.325

No ano seguinte, os Terceiros do Carmo de Vila Rica novamente estão envoltos em outra questão de atuação de defesa de seus pressupostos direitos frente à presença do Comissário Visitador da Província do Carmo Frei José de Jesus Maria, quando se encontrava na capitania das Minas, especificamente na cidade de Mariana em janeiro de 1761. O Visitador havia terminado suas diligências entre os Terceiros de Mariana, e pretendia prosseguir em seus trabalhos no Carmo de Vila Rica. Para isso, enviou uma notificação aos irmãos da Mesa Administrativa com objetivo de prepará-los para sua chegada e intentos.

324 BNP - OTCM - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (séc. XVIII). p. 18.

325 BNP - OTCM - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (séc. XVIII). p. 19.

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Esta tão amorosa, e necessária visita, e reforma [...] que aqui me acho nesta cidade de Mariana podando esta vinha de cristo para florescer, e fortificar o serviço de Deus, e de sua Santíssima Mãe, e pretendo com brevidade da fim a esta poda para me em caminhar os meus passos a vinha do senhor dessa vila Rica.326

Nessa ocasião, o Comissário Visitador tinha como objetivo – além de observar as questões pertinentes as atividades espirituais – promover a reforma dos Estatutos em vigor nas Minas Gerais, adaptando-os às diretrizes elaboradas pela Província religiosa do Carmo em acordo com suas determinações jurídico-administrativas locais. Contudo, o intento de prosseguir nos serviços em Vila Rica fora bloqueados pela Mesa Administrativa dos Terceiros, a qual refutava o Visitador como legítimo responsável para o exercício dessa atividade na sua Ordem Terceira. Para sustentar sua recusa, fundamentaram sua negativa com base em breves, patente e licenças expedidas pelo anterior Provincial do Carmo e pela Sé Apostólica.

Primeiro respondemos, que temos Patente do mesmo Reverendíssimo Padre Geral para ser o visitador desta Ordem um dos [nossos] Sacerdote seculares nomeados na mesma Patente nossos Irmãos, e desta graça se há de fazer menção nessa ordem do Reverendíssimo Padre Geral [...] para cujo cumprimento se deve satisfazer aos decretos de sua majestade fidelíssima, que Deus guarde, sem as quais circunstancias sabe vossa Paternidade Reverenda não pode exercer na Ordem havendo-a, o que muito [se deve duvidar], segundo os avisos, que presente termos do Reverendíssimo Padre assistente na Cúria Romana pela nação Portuguesa, segundo as quais não podemos saber.327

Frei José de Jesus Maria procedeu uma investigação junto ao convento sede da Provincial do Carmo na cidade do Rio de Janeiro, recebendo o informe aproximadamente em julho de 1761, no qual afirmava serem inválidos os Breves.

Suposto que vossa Caridades me excluirão da visita por carta que me escreverão fundada em Breves, que não foram aceitos pelo meu reverendíssimo Padre Mestre Provincial do Rio de Janeiro; como dirão, o mesmo delegado do Reverendíssimo Padre Geral, e seu comissário visitador geral.328

Apesar de perseverar na tentativa de realizar sua visita à ordem de Vila Rica e apresentar a refutação das argumentações apresentadas pelo sodalício com base no parecer do superior da Ordem do Carmo do Rio de Janeiro, a Mesa Administrativa dos Terceiros respondeu negativamente alguns dias depois, em 15 de julho de 1761. Sua carta resposta denota uma postura que beira a insolência ao afirmar que a persistência do Visitador era muito

326 AEPNSP/OP - OTCOP - Carta de Visitação. Vila Rica. Período 1761. Volume 2487.

327 AEPNSP/OP - OTCOP - Carta de Visitação. Vila Rica. Período 1761. Volume 2487.

328 AEPNSP/OP - OTCOP - Carta de Visitação. Vila Rica. Período 1761. Volume 2487.

170 provavelmente motivada pelo esquecimento da resposta já dada anteriormente e para tal resolveria a questão simplesmente lhe enviando uma cópia da última carta.

Tendo os breves e outros documentos apresentados pelos Terceiros como prova dessa sua isenção – em decorrência do ato de visita por parte de seu regular – sido refutados, a Mesa Administrativa elabora outro argumento fundamentado nas circunstâncias específicas da proibição da circulação de religiosos na Capitania de Minas Gerais.329 Dessa forma, se afastam do espaço jurídico canônico e do direito consuetudinário no qual perdia forças, e inclinam para o universo das decisões do direito positivo, apoiando seu discurso na fidelidade ao Monarca.330

Com muito especial veneração recebemos a de vossa paternidade reverenda, em que nos diz haver ordens de nosso reverendíssimo Padre Geral pelos quais determina sejamos visitados, e reformados pelos Reverendíssimo Padre Mestre Provincial da Província do Rio de Janeiro, como seu especial delegado para este fim. [Mas] nos é preciso respondermos, que temos Patente do mesmo reverendíssimo Padre Geral para ter visitador desta Ordem hum dos seus sacerdotes seculares nomeados na mesma Patente nosso Irmãos, e desta graça se há de fazer menção nessa Ordem do Reverendíssimo Padre Geral se a há para cujo cumprimento se deve [satisfazer aos]

decretos de sua Majestade Fidelíssima, [sem de quais] circunstâncias sabe vossa Paternidade Reverenda não pode executar essa Ordem [...] Agora se vale vossa Paternidade reverenda de dizer que os breves, em que se ofenda esta ordem na dita resposta não foram aceitos pelo Reverendíssimo Padre Mestre Provincial do Rio de Janeiro, e que por isso intenta vossa paternidade reverenda visita-la; a o que respondemos, que esta mesma Venerável ordem foi erecta por patente do reverendíssimo Padre Geral com confirmação [de sua Santidade] e consentimento do excelentíssimo Ordinário, como sempre reconheceu o Reverendo Padres digo reconheceu o reverendíssimo Padre Provincial por muitos.331

No caso dos Terceiros do Tejuco, a data inicial das visitações é de 1759, quando foram dispostas cópias de documentos, transcrições de cartas de aprovação e translado de patente. A segunda visita ocorreu em 3 de maio de 1767, na qual foi produzida uma verificação de todos os livros e principalmente do Estatuto para verificar se havia alguma irregularidade. O único fato que pode ser considerado passível de crítica estava na negligência de alguns Terceiros em prestar assistência aos seus irmãos quando se encontravam enfermos. Algo grave, pois feria o princípio fundamental caritativo dessa congregação de origem mendicante, levando o visitador a propor punições: “alguns Irmãos faltam às obrigações da assistência aos Enfermos, outros

329 O fato já foi tratado no (Capítulo 2 - Subtítulo 2.3), sobre o livro de Estatuto da Ordem Terceira do Carmo do Serro.

330 A questão passa a ser discutida não mais na esfera dos direitos imemoriais, porém no campo das ações pragmaticamente constituída. A ordem terceira se apoia nas restrições implementadas pela Coroa Portuguesa e alterações realizadas inicialmente nos Estatutos da ordem para salvaguardar sua funcionalidade autogestionária .

331 AEPNSP/OP – OTCOP - Carta de Visitação. Vila Rica. Período (1761). Volume 2.487.

171 atos de caridade determinados que sendo caso cada e não dando legitima desculpa sejam multados em duas libras de cera para a mesma Capela”.332

Em 21 de maio de 1771, teremos a presença do Comissário Visitador e Reformador Geral da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, o reverendo padre Frei José de Jesus Maria, conventual no Rio de Janeiro e nomeado por carta patente do Reverendo Padre Provincial Dom, o qual havia sido designado para as atividades, Frei Francisco de Santa Maria Quintanilha em 10 de dezembro de 1760. As reuniões ocorreram no consistório da Capela de Santo Antônio do então Arraial do Tejuco para que todos os representantes da mesa estivessem estabelecidos e em decorrência da presença do Bispo de Mariana, ao qual os Terceiros encontravam-se circunscritos. A intenção de Frei José de Jesus Maria era a de reformar as Ordens Terceiras do Carmo estabelecidas na capitania de Minas Gerais e talvez seja por esse motivo que os registros de sua presença são mais bem detalhados e extensos que os anteriores.

A reforma pretendida continha dois pontos importantes: o primeiro era a observação da harmonia interna da ordem, o segundo, a verificação dos livros e adequação dos Estatutos às normas da Regra e espiritualidade do Carmelo. Para o primeiro caso, o Visitador fazia uma conferência ou reunião individual com cada irmão pertencente à Mesa Administrativa, convocando-os em horários determinados para ouvir suas queixas e considerações de forma privada, afim de não dar margens a distensões. Terminada as aferições interpessoais dos irmãos, ele requeria todos os papéis e livros, tais como Livro de Estatutos, Receitas e Despesas, Entradas de Irmãos, Profissão, Sepultamentos e de relações e contas das Presidias.

No processo de encerramento da visitação em junho de 1771, o reverendo Visitador havia perscrutado os irmãos e analisado todas as cláusulas elaboradas por sua comissão. No seu termo, é necessário novamente advertir aos irmãos da necessidade de assistir seus confrades enfermos, um erro reincidente que leva a outra proposta de punição por parte do Visitador

E disse mais que por lhe constar que algum Irmãos São rebeldes em assistir aos Irmãos enfermos cuja pouca caridade escandaliza, e ofende não só aos Irmãos professos, mas ainda aos que pretendem fazer determinava que sendo chamados, e não dando segunda causa, esta venerável Mesa os possa a eu arbítrio castigar, e quando assim não obedeçam [...] e quando se mostrarem pertinazes sejam multados em duas libras de cera para a mesma capela.333

Outro ponto apresentado em seu relatório demonstrava a existência de inconsistência nas relações jurisdicionais administrativas entre os Terceiros. De fato, o problema dizia respeito

332 OTCD - Livro de Visitações - (séc. XVIII) - Folha 13.

333 OTCD - Livro de Visitações - (séc. XVIII) - Folha 21.

172 da aceitação ou não, na ordem do Tejuco, dos irmãos pertencentes à Vila do Príncipe, uma vez que essa era a circunscrição da Ordem Terceira do Carmo da respectiva região. Como a Ordem Terceira do Tejuco havia sido criados antes, ficava a dúvida: a qual ordem pertenceria os irmãos e para qual eles deveriam pagar seus anuais? Não é incomum encontrar atritos entre os irmãos Terceiros de institutos fundados próximos e deles surgirem questões conflituosas como indagação de sua validade enquanto Ordem Terceira do Carmo e sua legitimidade em estabelecer presidias em áreas de fronteira comum.

Um dos casos de atrito entre sodalícios leigos do mesmo ramo carmelita foi cuidadosamente retratado no livro de Apologias da Ordem Terceira do Carmo de Mariana, o qual acusa os Terceiro de Vila Rica de terem fraudado documentos para obterem a Carta Patente de aprovação do Papa. Segundo os registros dos Terceiros de Mariana:

Não se fala uma só palavra nos supostos Terceiros de Vila Rica, e é aonde principiam as falsidades que se achato na Bula Executórial [sic] do Auditor da Câmara Apostólica [...] Deste pouco vê o leito a evidencia que a Patente não somente foi concedida aos terceiros de Mariana, mas também que a confirmação da mesma foi impetrada, e concedida aos mesmos terceiros de Mariana sem nela se falar uma só palavra nos de Vila Rica.334

Mais adiante no mesmo documento, acusa de falsificação a Ordem Terceira de Vila Rica por ter usado da ajuda de um falsário que seria um Tabeliã pago pelo sodalício.

Agora se devem preparar para ver dois monstruosos de iniquidade: hum consiste no monitória do auditor da Câmara Apostólica no qual pretendem os Supostos terceiros de Vila Rica fazer servir para eles a mesma Patente impetrada, e confirmada pelo Papa a favor dos Terceiros de Mariana. O dito Monitório é recheio de falsidades que fabricaram que tratam deste negócio em Roma juntamente com o Notário que estendeu a dito Monitório e outras pessoas que presentemente não existem e com a morte fugirão a pena que deviam ter semelhantes tal falsários.335

Segundo o documento supracitado, o notário teria feito a troca dos cabeçalhos propositalmente e incluído as informações referentes aos Terceiros de Vilas Rica

Se apareceu perante nos por parte, e a instancia dos principais Senhores e Confrade da Terceira Ordem da Venerável Confraternidade da B. V. Maria de Monte Carmelo, erigida na venerável Capela de Santa Quitéria existente na Venerável Igreja Paroquial da B. V. Maria com o título do Pilar de Vila Rica do Ouro Preto nas Minas Gerais da Cidade de Mariana no Brasil, e se expôs que eles decorrentes desde o ano de mil sete

334 BNP - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. Cópia do Séc. XVIII. Folha: 5 e 6.

335 BNP - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. Cópia do Séc. XVIII. Folha: 12.

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centos cinquenta e um e no dia quinze de maior de mesmo ano alcançaram do R.mo P.e Prior Geral de toda a Ordem Carmelitana a Ereção ou Fundação da mesma confraternidade, que fora ela fundada e erigida na mesma Venerável Capela de Santa Quitéria [...] Nuca os terceiros de Vila Rica fizeram caso do Provincial do Rio de Janeiro, verdade é que não podiam fazer confirmar a Patente porque não foi concedida a eles [...] Como levantados nunca fizeram confirmar a Comissário, e os terceiros de Mariana lhe prestam sempre a devida obediência.336

Essa não foi a última vez que os Terceiros de Vila Rica se envolveriam em problemas com outros do mesmo ramo. Em 1761, começaram a alegar que a Ordem Terceira do Carmo de Sabará não era legalmente instituída e, assim, não reconheciam sua autoridade sobre o território da Comarca de Sabará, lançando presídias submetidas a Vila Rica. A repercussão dessa atitude chegou ao conhecimento do provincial da Ordem do Carmo no Rio de Janeiro frei Matheus da Conceição Nascente.

Amados Irmãos com grande magoa de nosso coração chegou a nosso conhecimento a detestável desunião e tirania que alguns de nosso irmãos da nossa Ordem nossa de vila Rica tem introduzido em vossos corações afirmando sem consideração, e veemente que essa vossa V. Ordem não foi Erigida em os termos, que são devidos chegando á tal ponto o seus desacertos como de criarem vice comissários e aceitarem novos irmãos em as Presídias, que lhe não pertence, sendo muito certo, que a verdadeira jurisdição dos comissários, e o de todas as Ordens não devem nunca estender-se além dos seus distritos e comarcadas respectivas [...] qualquer voz que vos não anuncia isto mesmo que deveis fugir, são a serviços de satanás.337

No caso entre Vila do Príncipe e Arraial do Tejuco pesava um despacho do Reverendo Provincial da Ordem do Carmo e do Bispo da Diocese para a Mesa Administrativa, no qual haviam explicado a forma como as Ordens deveriam ser geograficamente estabelecidas. Havia uma determinação que a circunscrição limitadora ou a região delimitadora era o espaço de atuação de uma Comarca, e nela deveria haver apenas uma Ordem Terceira do Carmo. Todavia, essa medida não foi plenamente obedecida, uma vez que a distribuição dos primeiros estabelecimentos Terceiros do Carmelo nem sempre correspondeu à determinação. Na Comarca do Rio das Velhas houve apenas a fundação de Sabará, na Comarca do Rio das Mortes, na Vila de São João del-Rei, também apenas uma fundação. No entanto, nas duas outras áreas de comarca, a de Ouro Preto e de Vila do Príncipe, houve duas fundações, o que pode explicar, em parte, porque não encontrarmos outras Ordens Terceiras do Carmo fundadas em regiões e urbes com poder econômico e político semelhante.

336 BNP - Apologia dos Fatos acontecidos entre os Terceiros de N. Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Mariana e os supostos terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. Cópia do Séc. XVIII. Folha: 12.

337 AEPNSP/OP - OTCOP - Advertência Vol. 2479.

No documento universidade federal de minas gerais (páginas 166-193)