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O direito na literatura em Camilo Castelo Branco e seu matricídio sem exemplo

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Academic year: 2023

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Nesta confluência entre Literatura e Direito, analisamos os aspectos literários da obra, sublinhamos o Direito e procuramos compreender a razão de tão repulsivo crime. Diante desse panorama literário, adotou a literatura de cordel – com linguagem simples e direta – para criar sua primeira narrativa ficcional baseada em um fato (um crime noticiado em um jornal): a história de um matricídio.

Começando pelo pano de fundo: descortinando o Direito

Portanto, a lei processual atua apenas diante da violação da lei substantiva; o segundo sendo respeitado, o primeiro desnecessário. O objeto do direito é a justiça e não a encontraremos exclusivamente voltada para as linhas de um Código.

A união pela palavra e a verdade

No entanto, não podemos esquecer que há realidade na literatura e há muito mais ficção na lei do que podemos imaginar. Por outro lado, não há dúvida de que a lei deve (ou deveria) buscar a verdade através do processo, mas nem sempre ela é encontrada ou não é encontrada.

A Criminologia e o estudo do crime

O crime é drama e, por isso, através da literatura precisamos dramatizar a sua narrativa e o seu próprio conceito, para demonstrar, não só nos livros mas também nos tribunais, os efeitos que produz nas nossas vidas. Os jurados, juízes leigos que são, precisam não apenas entender, mas também ser movidos – não necessariamente nessa ordem – para condenar ou absolver o acusado.

Literatura e Direito: o início

Por exemplo, "O Ladrão Besta e o Sabido" é o título de um poema de Roxinô, ilustrado por J. É que "o ladrão sábio / vive de barriga cheia / tem terra, tem fazenda / e não tem com o que se preocupar pois / quando ele é preso ele é solto / ele não passa um dia na prisão".

O Direito na Literatura

A análise de Wigmore das atitudes de Pôncio Pilatos através do texto bíblico levanta questões jusfilosóficas que merecem ser discutidas. Ao contrário dos legisladores, que fazem suas leis sobre fatos previsíveis, que violam o bom senso e devem ser proibidos prevendo um crime e uma sanção, a literatura não tem barreiras.

A notícia e a narrativa de Camilo

Reportagem, notícia baseada em fatos, em informações obtidas pela polícia é uma coisa; a outra é uma imagem criada que Camilo inventou que vai além do fato. Órgãos oficiais, tanto de imprensa quanto de investigação, têm limites físicos, burocráticos, legais, o que significa que sua história, que chega aos jornais ou às atas da investigação ou processo, fica encerrada por muito tempo ou pode nunca acabar.

O fato, a ficção e o Direito Penal vigente

Embora o crime confessado por Camilo tenha ocorrido em 1848, as Ordenações Filipinas, aprovadas em 1603, ainda estavam em vigor. Acresce que o Código Penal português18 só entrou em vigor - substituindo as Ordenações - em 1852 e foi mantido, como um dos homicídios sancionados. , a pena de morte.

O matricídio contado por Camilo Castelo Branco

Maria José (esse era o nome da menina) parecia amar a mãe de todo o coração. Pouco antes da morte de seu pai, sua mãe se encarregou de torná-la uma mulher "honrosa" que não se deixaria levar pelos assuntos do "mundo". 25 O autor refere-se ao crime contra o patrimônio praticado por Maria José – subtração das economias da mãe – como furto.

O interesse pela terceira edição

Menina que matou e esquartejou a mãe, Matilde do Rosário da Luz, em Lisboa – Rua das Freiras Maria José, 17 = seguido de interrogatório do arguido e condenação do primeiro tribunal da comarca, que o condenou por morte forca, no Campo de Santa Clara, em Lisboa. No entanto, justificando a escolha da terceira edição em nossa análise, e não da segunda, entendemos que é importante fazer uma análise comparativa entre as duas edições aqui estudadas (a primeira e a terceira).

Primeira e terceira edições: o mesmo crime, duas narrativas

Em seguida, há um salto em relação à narrativa da primeira edição, e a cena vista é a de José participando do crime, auxiliando e incitando a amante no assassinato de Matilde do Rosário. Se Maria mata a mãe com a intenção de roubá-la, trata-se de roubo34 (um crime. Ela continuou cavando e encontrou a cabeça que procurava, a cabeça da infeliz Matilde do Rosário da Luz.

Figura 1 – Reprodução da capa da primeira edição, de 1848, com atualizações  ortográficas
Figura 1 – Reprodução da capa da primeira edição, de 1848, com atualizações ortográficas

Tribunal do júri: da regra à exceção

Os sujeitos do processo

Após uma localização temporal e espacial - "no dia 6 do corrente mês de Novembro, no edifício da Boa-Hora, na sala do tribunal, apareceu a arguida Maria José" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 39) -, o narrador , já parcial, ela dirige seu olhar julgador para a ré: "Ela entrou com passo determinado e muito emocionada" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 39). Segue-se a descrição física da acusada: “É uma mulher de estatura inferior ao normal, busto grosso, rosto sobre olhos longos e claros, negra e viva, mas quase sempre imóvel” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 39 ). Ainda analisando as características físicas descritas pelo narrador, uma expressão se destaca: "olhos negros e vivos, mas quase sempre imóveis" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 39, grifo nosso).

O relatório dos autos

Este momento ritual deve ser enfatizado, pois, afinal, é neste momento que os jurados recebem a concessão formal-legal do presidente do Senado para decidirem com imparcialidade e sobretudo segundo sua consciência e convicção íntima, pois como já vimos explicou, a decisão dos jurados é a única do judiciário que não precisa justificar. Durante as investigações, juntamente com os curiosos que olhavam atônitos para o local onde foram encontrados os pedaços do corpo, o prefeito54 da freguesia avistou Maria no meio da multidão e naquele momento lembrou-se de dois acontecimentos anteriores. O que se segue é definitivo, quanto à materialidade, e frio, quanto à reação, após a confirmação da autoria do crime.

O júri como um procedimento bifásico

No júri de Maria, seu advogado “recusou a resposta do interrogatório” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 44), mas o promotor, a promotoria, insiste em apresentar a difamação. A primeira agravante descrita pelo Ministério Público na difamação é o "desmembramento do cadáver" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 44), ato que hoje no Brasil - em interpretação evolutiva - seria crime autônomo de ocultação de cadáver. . Outra agravante descrita pelo promotor na difamação é “traição” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 44), terminologia que na época significava traição.

A inquirição das testemunhas

O narrador, utilizando corretamente a técnica jurídica quanto à ordem de inquirição das testemunhas62, começa por interrogar as testemunhas de acusação. 62 Pela ordem de audição das testemunhas, ouve-se primeiro o Ministério Público e só depois a defesa das testemunhas. A quarta testemunha de acusação, Maria José da Conceição, também vizinha do arguido, nada traz de novo no seu depoimento, apenas confirma, tal como a quinta e a sexta testemunhas de acusação, que “nunca tinha visto um homem ir sua casa” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 45).

O interrogatório da acusada

Curiosamente, esta declaração de Maria contradiz o início da história, que afirma que José "a aconselhou a matar sua mãe!" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 36). Primeiro ela vai ao prefeito e diz que sua mãe estava louca (segundo a primeira edição, depois que Matilde descobre que suas economias acabaram). Maria, não contente em matar a mãe e ocultar a autoria do crime, esquarteja e decapita a mãe:.

Os debates e a omissão de Camilo

A confissão do réu foi aceita como a (hoje criticada) "rainha da prova", ou seja, como verdade absoluta (comum na antiguidade); por outro lado, a recusa do suspeito preso também foi aceita sem maiores zelos. Em termos legais, refira-se que o júri aceitou a posição de que Maria José não era responsável e que a arguida não seria, portanto, culpada84, não receberia qualquer punição85, ou seja, que nenhuma punição lhe seria imposta, pelo que a punição exigida pelo promotor e não menos pelo narrador. 83 “A imputabilidade é a capacidade de imputar, ou seja, a capacidade de imputar a alguém a responsabilidade pela prática de uma infração penal.

As últimas palavras da ré

Juiz: — Se foi o José Maria quem matou a tua mãe contra a vontade dela, porque é que não te ligou e pediu a tua ajuda para desvendar o crime. Ao final da audiência, quando o juiz já está incomodado com tamanha incoerência e frieza, ainda pergunta à ré por que ela não pediu ajuda (já que aparentemente não queria matar a mãe). Quando é novamente instada a revelar de uma vez por todas quem é José Maria, ela diz que não sabe.

Os quesitos e a luta em vão da defesa

4º Fica provada ou não a agravante de ter sido a ré Maria José quem mutilou o rosto da mãe. 6º Fica provada ou não a atenuante de que a arguida Maria José não foi a autora do homicídio da mãe, mas sim cúmplice do mesmo. Na narração, os jurados avaliam por unanimidade a segunda questão, afirmando que Maria José dissolveu a mãe.

A condenação, a pena e a teoria do crime

90 “Esse critério (conceito), também chamado de formal ou dogmático, baseia-se nos elementos que formam a estrutura do ato criminoso” (MASSON, 2015, p. 197). Segundo a narrativa, não há dúvida de que Maria José cometeu crime, pois praticou ato típico (comportamento: esfaqueamento, causando resultado naturalístico, morte da mãe; há relação causal, pois foi esfaqueamento que causou morte; prevista em lei93 como ato criminoso, tipicidade) e ato ilícito (contra a lei, não havendo exclusão de ilicitude, não há razão que justifique sua atitude, ou seja, não agiu em necessária defesa. por exemplo, em estado de emergência). De seu conceito extraímos seus elementos: conduta, causalidade, resultado e tipicidade.” (SANCHES, 2020, p. 239, grifo nosso).

A família sagrada e a Sagrada Família

As súplicas de Maria José a Deus, diante da disciplina da mãe, eram simplesmente honra e pureza. Ó céu, onde estão os teus raios que não incidem sobre a cabeça deste homem infame que pede à amante que mate a sua mãe” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 15). A rotina religiosa rígida e sem graça imposta a Maria fica evidente no trecho em que o narrador afirma que ela trabalhava durante o dia e “à noite rezava o rosário à Virgem Maria” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 8). .

A relação entre mãe e filha

Maria era apenas uma sombra por trás dos desejos de sua mãe, ou de seu pai, mesmo depois de morto. Mas como poderia Agostinho impedir esse amor irresistível de Matilde por Maria José. A mãe ouvia a Maria José apenas o que o marido exigia antes de sua morte ou mesmo as supostas vontades do céu, que era a sua interpretação do que era divino e sagrado.

A ruptura e o matricídio

O jovem, segundo ela, "não era um cara mau e não a procurava para fins ruins". Nesse cenário, a situação começa a fugir do controle quando Maria, em meio a uma intensa discussão com a mãe por causa de José, diz que não aguenta mais as reclamações de Matilde e que, "se você quer ficar comigo tem que ver, ouvir e calar, que é a regra da boa vida, se não quiser, a rua é larga, o mundo é grande” (CASTELO BRANCO, 1991, p. 12-13). ser expulsa de casa torna-se fora de qualquer limite para Matilde, que não reconhece que a filha a insulta de forma tão contundente.

Amor e ódio

O desejo nada mais é do que o amor pelo que não se tem, assim como a alegria é o amor pelo que se tem. A esperança é um amor orgulhoso de ter esse objeto e o desespero é um amor desolado por ser privado dele para sempre. A raiva é um amor irritado por alguém que quer roubar o seu bem e se esforça para defendê-lo; finalmente retire o amor e as paixões acabam; tragam amor e todos renascerão.

Quem era José Maria?

Quando a juíza pergunta qual foi o motivo, ela responde que foi "por causa de José Maria" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 48). Sobre a desfiguração do rosto da mãe após sua morte, afirma que foi "para que não a conhecessem" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 51). Ao ser novamente questionada sobre quem costumava frequentar sua casa, ela inexplicavelmente responde que "uma criança de três anos" (CASTELO BRANCO, 1991, p. 52).

Um olhar sobre Maria José

Partindo dessa mesma ideia, Barbieri (2012) levanta algumas questões sobre a tendência do criminoso nato trazida por Lombroso, ou seja, sobre sujeitos que já nasceriam com personalidade criminosa. Devemos nos ater à ideia (já ultrapassada) de que ela nasceu criminosa, que já tinha uma predisposição genética, via fatalidade orgânica, por exemplo? Ou Maria seria uma pessoa "normal", uma "selvagem nobre" que, sob a influência de diversos fatores, seria vítima de uma relação familiar doentia que motivaria suas ações.

O desejo, a psicopatia, a culpa e a loucura

Trabalho de Conclusão de Curso (Prova de Psicologia) – Universidade do Oeste de Santa Catarina, São Miguel do Oeste, 2013. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Trabalho de Conclusão de Curso curso (prova em jornalismo) – Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2011.

Imagem

Figura 1 – Reprodução da capa da primeira edição, de 1848, com atualizações  ortográficas
Figura 2 – Reprodução da capa da terceira edição, sem data, com atualizações  ortográficas

Referências

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