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Banquete lapidoso: tecnologia lítica em contextos festivos no sítio Porto de Santarém, Baixo Amazonas

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

BANQUETE LAPIDOSO:

tecnologia lítica em contextos festivos no sítio Porto de Santarém,

Baixo Amazonas

Tallyta Suenny Araujo da Silva

Belo Horizonte

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

(2)

BANQUETE LAPIDOSO:

tecnologia lítica em contextos festivos no sítio Porto de Santarém,

Baixo Amazonas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Arqueologia.

Orientador: Andrei Isnardis Horta

Belo Horizonte

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

(3)

06

663b

016

Araujo da Silva, Tallyta Suenny

Banquete lapidoso [manuscrito] : tecnologia lítica

em contextos festivos no sítio Porto de Santarém, Baixo

Amazonas / Tallyta Suenny Araujo da Silva. - 2016.

214 f. : il.

Orientador: Andrei Isnardis Horta.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de

Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

Inclui bibliografia

1.Antropologia – Teses. 2. Arqueologia – Teses.3.Porto de Santarém, Sitio arqueológico (Baixo

Amazonas) - Teses. I. Isnardis, Andrei, 1972-. II.

Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

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Agradecimentos

Neste momento de rememorar aqueles que tanto contribuíram para que esse trabalho se concretizasse, não é preciso escavar muitas camadas, pois estas pessoas fazem parte do meu cotidiano direta ou indiretamente e não é possível esquecê-las.

Primeiramente, devo agradecer minha família que sempre me apoiou em toda a minha vida acadêmica ou não, que me ajudou a ira para Belo Horizonte para fazer a prova da seleção de mestrado, e também em todos os trajetos de ida e volta entre minha cidade e meu local de estudo. Obrigada mãe, Alda, pai, Normando, e irmã, Tayssa, sem vocês nada disso seria possível.

Antes de entrar no mestrado, também contei com a ajuda de várias pessoas que conheci na arqueologia e que também estão envolvidas com o projeto de salvamento do sítio Porto, local onde se situa o objeto de estudo deste trabalho. Agradeço a minha primeira orientadora da arqueologia, Dra. Denise Schaan, por muito ter me ensinado e por ter permitido que eu trabalhasse com material que analisei para este mestrado. Obrigada a todas as pessoas que participaram e escavaram a área 2A do Porto, sem o trabalho árduo de vocês nada disto seria possível. Agradeço ainda minha grande "parceira de bolsão", Anna Barbara, por todas as conversas e reflexões mais ou menos malucas sobre o nosso contexto de estudo. Com sua análise do material cerâmico dos bolsões foi possível compreender um pouco mais este contexto enigmático.

Também devo muito a diversos amigos que me ajudaram enquanto estive em Minas Gerais. Obrigada Ângelo e Clarisse por terem me abrigada quando fui fazer a prova para o PPGAN e diversas outras vezes. Obrigada Juliana pela companhia, conselhos e apoio para que eu fizesse o mestrado na UFMG. Agradeço ainda a Renata, que também me ofereceu um lar todas as vezes que estive de passagem por Belo Horizonte em 2015.

(5)

Obrigada a Aninha, que tanto me auxiliou com as dúvidas sobre o programa, especialmente pela ajuda em todas as vezes que eu estava distante de Belo Horizonte. Obrigada a todos os professores do PPGAN, especialmente ao meu orientador Andrei, que tanto me incentivou a ajudou a escrever sobre as questões que me intrigavam em relação ao meu objeto de estudo. Obrigada Jacqueline pelas aulas no Museu de História Natural, paisagem muita agradável e boa para respirar um ar mais fresco. Durante as aulas também conheci muitas alunos maravilhosos da graduação que contribuíram para reflexões sobre a arqueologia, entre eles, agradeço especialmente ao Marcony, com que tanto conversei sobre arqueologia amazônica.

Agradeço desde já pelas correções e sugestões que a banca fará, pois sei que esse diálogo é muito proveitoso para meu aprimoramento acadêmico e profissional.

(6)

Resumo

Esta pesquisa tem como objetivo principal caracterizar o material lítico presente no sítio Porto de Santarém, município de Santarém, região do Baixo Tapajós. Esse material foi encontrado em feições arqueológicas denominadas pelas pesquisas arqueológicas da região como bolsões. Pretende-se ainda contribuir para a construção de uma interpretação sobre a natureza desses bolsões. Esse material está distribuído em quatro bolsões, três contíguos e o outro mais ao sul, todos na área denominada de 2A. Por ser normalmente interpretado como vestígio de atividade ritual, neste trabalho questionei sobre a formação do registro arqueológico, as práticas de descarte e o que na arqueologia tem sido convencionalmente considerado material ritual.

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Abstract

This research aims to characterize the lithic material from Santarém Port site, municipality of Santarém, in the Lower Tapajos region. This material was found in archaeological features called by local archaeological research as bolsão, in english also called pits or bell-shaped pits. This dissertation also seeks to contribute to the construction of an interpretation of the nature of these bolsão. This material is distributed in four bolsões, three contiguous and the other further south, all in the area called 2A. Because it is usually interpreted as a ritual activity trace, this work questioned about the formation of the archaeological record, disposal practices and what archeology has been conventionally considered ritual stuff.

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Lista de Ilustrações

Figura 1 - Localização do sítio Porto de Santarém em relação aos rios Amazonas

e Tapajós ... 16

Figura 2 - Áreas escavadas no sítio Porto de Santarém ... 68

Figura 3 - Feições arqueológicas no setor norte do sítio Porto de Santarém ... 73

Figura 4 - Feições arqueológicas nos setores Central e Sul do sítio Porto ... 74

Figura 5 - Características das unidades na área 2 ... 76

Figura 6 - Vasilhas e algumas feições na Área 2 (Modificado a partir de SCHAAN 2012) ... 77

Figura 7 - Quantidade de material por unidade na área 2 ... 78

Figura 8- Características das unidades na área 2A ... 80

Figura 9- Quantidade de material por unidade na área 2A ... 81

Figura 10 - Etapas de escavação dos bolsões da área 2A ... 85

Figura 11- Perfil Leste do bolsão F3 (SCHAAN 2012) ... 88

Figura 12 - Tipos de vasilhas encontradas na F3: 1- cabeça de urubu rei de um vaso de gargalo; 2- vaso em miniatura de forma zoomorfa; 3- fragmentos remontáveis de vasilha; 4- fragmentos da Vasilha 1 (Fotos de André do Santos) ... 89

Figura 13 - Unidade I31 U19, entre a Feição 4 e 5. Base do nível aos 50cm (SCHAAN 2012) ... 91

Figura 14 - Plano de base da Feição 4 e 5 (SCHAAN 2012) ... 92

Figura 15 - Feição 4. Perfil Sul e Oeste da I31 U19 (SCHAAN 2012) ... 93

Figura 16 - Planos de base do bolsão F4 de 10 em 10cm, a partir dos 20cm (Modificado a partir de SCHAAN 2012) ... 95

Figura 17 - Pingente cerâmico encontrado no segundo nível da F4 (Fotos de André dos Santos) ... 96

Figura 18 - Estatuetas na F4. (1) Relação estratigráfica; (2) estatueta masculina e (3) feminina (Fotos de André dos Santos) ... 97

Figura 19 - Planos de base do bolsão F5 de 10 em 10cm, a partir dos 20cm (Modificado a partir de SCHAAN 2012) ... 99

Figura 20 - Fragmentos remontáveis de vasilha com decoração zoomorfa (Foto de André dos Santos) ... 101

(9)

com borda e base anelar; 3- detalhe da base anelar associada a artefatos líticos (Fotos de

André dos Santos) ... 104

Figura 22 - Planos de base do bolsão F6 de 10 em 10cm, a partir dos 60cm (Modificado a partir de SCHAAN 2012) ... 105

Figura 23 - Quantidade de material lítico por unidade na área 2A ... 122

Figura 24 - Profundidades (cm) máximas com presença de material arqueológico ... 124

Figura 25 - Peso (g) do material lítico por unidade na área 2A ... 126

Figura 26 - Calibrador com formato diferente e completamente polido. Proveniência: bolsão F6, nível 80-90cm ... 139

Figura 27 - Padrão de quebra diagonal nos polidores manuais ... 140

Figura 28 -Instrumento passivo de dupla função: polidor em cúpula (esquerda) e bigorna (direita) ... 141

Figura 29 - Artefato cilíndrico de função desconhecida (esquerda) e muiraquitã (direita) ... 142

Figura 30 - Rodela de fuso decorada, encontrada na feição F1 ... 143

Figura 31 - Rodelas de fuso da coleção do Museu da Cultura, Gotemburgo ... 143

Figura 32 - Muiraquitã da coleção do Museu da Cultura, Gotemburgo ... 144

Figura 33 - Lâmina de machado inteira encontrada no bolsão F6 ... 146

Figura 34 - Instrumentos retocados e com possível marca de uso ... 152

Figura 35 - Lasca com negativos curtos e descontínuos, possivelmente devido ao uso ... 152

Figura 36 - Grande fragmento retangular sem retoques ... 157

Figura 37 - Dentes de ralador do mesmo nível e unidade. Leve variação na cor e maior variação nas formas ... 161

Figura 38 - Dente de ralador com perfil curvo ... 162

Figura 39 - Dente com retoques em uma das extremidades ... 164

(10)

Índice de Quadros

Quadro 1 - Perturbações e camadas culturais nas áreas do sítio Porto de

Santarém ... 70

Quadro 2 - Datações a partir do século XIII no sítio Porto de Santarém (SCHAAN 2012, 2014) ... 70

Quadro 3 - Datações das feições da Área 2 (SCHAAN 2012) ... 75

Quadro 4 - Quantidade de material e profundidade dos bolsões da Área 2... 78

Quadro 5 - Quantidade de material por bolsão da Área 2A ... 82

Quadro 6 - Resumo por área de algumas das feições identificadas no sítio Porto ... 84

Quadro 7 - Datações nos três bolsões da área 2AC1 ... 86

Quadro 8 - Quantidades e volume escavado na área 2A ... 123

Quadro 9 - Distribuição do material lítico fora dos bolsões ... 123

Quadro 10 - Quantidade e peso do material lítico de todos e por cada bolsão . 131 Quadro 11 - Tipos de matéria-prima presentes nos bolsões ... 131

Quadro 12 - Cores predominantes nos artefatos líticos em sílex ... 133

Quadro 13 - Tipos de instrumentos passivos ... 133

Quadro 14 - Polidores em cúpula dos bolsões ... 141

Quadro 15 - Bigornas nos bolsões ... 141

Quadro 16 - Matéria-prima do lítico lascado ... 147

Quadro 17 - Espessuras das lascas e núcleos dos bolsões ... 150

Quadro 18 - Técnica de percussão nas lascas ... 150

Quadro 19 - Principais cores das lascas retocadas e com possível marca de uso ... 153

Quadro 20 - Quantidade e Peso dos dentes de ralador por nível ... 158

Quadro 21 - Espessura dos dentes de ralador ... 160

Quadro 22- Cores predominantes nos dentes de ralador ... 161

Quadro 23 - Morfologia das faces dos dentes de ralador ... 162

Quadro 24 - Morfologia dos bordos dos dentes de ralador ... 163

Quadro 25 - Distribuição por nível dos vestígios líticos no bolsão F3 ... 166

Quadro 26 - Peso por nível dos vestígios líticos no bolsão F3 ... 168

Quadro 27 - Cores predominantes nas lascas do bolsão F3 ... 170

(11)

Quadro 29 - Morfologia das faces dos dentes do bolsão F3 ... 172

Quadro 30 - Distribuição por nível dos vestígios líticos no bolsão F4 ... 174

Quadro 31 - Distribuição por nível dos vestígios líticos no bolsão F5 ... 175

Quadro 32 - Distribuição por nível dos vestígios líticos entre o F4 e F5 ... 175

Quadro 33 - Peso por nível dos vestígios líticos no bolsão F4 ... 176

Quadro 34 - Peso por nível dos vestígios líticos no bolsão F5 ... 176

Quadro 35 - Peso por nível dos vestígios líticos entre o bolsão F4 e F5 ... 177

Quadro 36 - Principais cores do material em sílex no bolsão F4, F5 e unidade I31 U19 ... 182

Quadro 37 - Principais cores dos núcleos em sílex no bolsão F4, F5 e unidade I31 U19 ... 183

Quadro 38 - Principais cores dos dentes de ralador no bolsão F4, F5 e unidade I31 U19 ... 184

Quadro 39- Morfologia das faces dos dentes de ralador no bolsão F4, F5 e unidade I31 U19 ... 185

Quadro 40 - Distribuição por nível dos vestígios líticos no bolsão F6 ... 187

Quadro 41 - Peso por nível dos vestígios líticos no bolsão F6 ... 187

(12)

Índice de Gráficos

Gráfico 1 - Quantidade por nível de cerâmica e lítico na Feição 3 ... 90

Gráfico 2- Quantidade de material na unidade I31 U19 ... 94

Gráfico 3- Cerâmica e Lítico em cinco das seis unidades da Feição 4 ... 98

Gráfico 4- Cerâmica e Lítico em quatro das cinco unidades da Feição 5 ... 102

Gráfico 5 - Cerâmica e Lítico na Feição 6 ... 103

Gráfico 6 - Quantidade de material lítico na parte leste e oeste da 2AC1 ... 125

Gráfico 7 - Peso do material lítico na parte leste e oeste da 2AC1 ... 127

Gráfico 8 - Distribuição do material lítico na área 2A ... 130

Gráfico 9 - Comprimento e largura dos calibradores ... 134

Gráfico 10 - Gráfico de dispersão com a somatória de sulcos em todas as faces ... 135

Gráfico 11 - Quantidade de sulcos em calibradores com uma face utilizada .. 136

Gráfico 12 - Quantidade de sulcos em calibradores com duas faces utilizadas 137 Gráfico 13 - Quantidade de sulcos em calibradores com três faces utilizadas . 137 Gráfico 14 - Quantidade de sulcos em calibradores com quatro faces utilizadas ... 138

Gráfico 15 - Comprimento e Largura das lascas menores que 4x4cm ... 148

Gráfico 16 - Comprimento e largura dos núcleos ... 149

Gráfico 17- Comprimento e Largura dos dentes de ralador do sítio Porto de Santarém ... 159

Gráfico 18 - Comprimento e largura dos calibradores do bolsão F3 ... 167

Gráfico 19 - Comprimento e Largura das lascas inteiras do bolsão F3 ... 169

Gráfico 20 - Comprimento e Largura dos dentes de ralador do bolsão F3 ... 171

Gráfico 21 - Comprimento e Largura dos calibradores do F4 ... 178

Gráfico 22 - Comprimento e Largura dos calibradores do F5 ... 178

Gráfico 23 - Comprimento e Largura dos calibradores entre F4 e F5 ... 179

Gráfico 24- Comprimento e Largura das lascas no F4 ... 180

Gráfico 25 - Comprimento e Largura das lascas no F5 ... 181

Gráfico 26 - Comprimento e Largura das lascas entre F4 e F5 ... 181

Gráfico 27 - Comprimento e Largura dos dentes de F4, F5 e F4&5 ... 184

Gráfico 28 - Comprimento e Largura dos calibradores do bolsão F6 ... 188

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Conteúdo

Introdução ... 15

Sob(re) o que ficou de nós: o início desta pesquisa e seus desdobramentos ... 15

Capítulo 1 ... 23

Narrativas de tempos de outrora ... 23

1.1. Interpretando buracos, relatos e organizações sociais ... 23

1.2. Arqueologia no Tapajós e o sítio Porto de Santarém ... 27

1.3. Olhos e ouvidos sobre o baixo Tapajós: crônicas da região de Santarém colonial 41 1.4. Dádivas feéricas: rituais e intercâmbios simbólicos ... 52

Capítulo 2 ... 61

Feições que ficam no solo ... 61

2.1. Por que se descarta o que se descarta onde se descarta?: um método para interpretar o registro arqueológico no sítio Porto de Santarém ... 61

2.2. Girando a ampulheta de uma ocupação tapajônica: as escavações no sítio Porto de Santarém de 2009 a 2013 ... 67

2.3. Buracos de sobejo: modos de descarte e tecnologias de deposição nas feições do sítio Porto de Santarém ... 71

2.4. Quatro bolsões e os arqueólogos: descrição das escavações ... 84

2.4.1. Feição 3 ... 87

2.4.2. Unidade I31 U19. Feição 4 e 5 ... 90

2.4.3. Feição 4 ... 94

2.4.4. Feição 5 ... 98

2.4.5. Feição 6 ... 102

2.5. Vestígios de que?: bolsões, caches, cachettes, escondites e lixeiras .. 106

Capítulo 3 ... 121

(14)

3.1. Contrastando contextos de deposição ... 121

3.2. Opções metodológicas: a análise do material lítico dos bolsões ... 127

3.3. Duro de entender: o material lítico dos bolsões do sítio Porto ... 129

3.4. A memória em cada feição: comparação inter-bolsões ... 164

3.4.1. Bolsão F3 ... 165

3.4.2. Bolsão F4, F5 e Unidade I31 U19 (F4&5) ... 172

3.4.3. Bolsão F6 ... 186

Conclusão ... 191

Um banquete lapidoso? ... 191

Referências ... 198

Anexos ... 212

Protocolo de análise de cores ... 212

(15)

Introdução

Sob(re) o que ficou de nós: o início desta pesquisa e seus

desdobramentos

Esta pesquisa teve como objetivo principal desde seu início caracterizar o material lítico presente em feições arqueológicas denominadas pelas pesquisas arqueológicas da região como bolsões, e contribuir para a construção de uma interpretação sobre a natureza desses bolsões, que se apresentam como fossas propositalmente escavadas, nas quais foi depositada expressiva quantidade de materiais cerâmicos, líticos e outros. Esse material está distribuído em quatro bolsões, três contíguos e o outro está a oeste e 12m ao sul. Esse conjunto pode ser delimitado em uma área de aproximadamente 133m², na parte central do sítio Porto de Santarém (PA-ST-42)1, localizado no atual município de Santarém, onde há muitos séculos fora morada dos índios Tapajó. Mas então, por que o sítio Porto de Santarém? Por que os bolsões? E por que o material lítico?

Iniciando com a primeira pergunta, o espaço onde o contexto está inserido, o sítio Porto de Santarém foi onde tive a oportunidade de experimentar minha primeira escavação, em uma área distinta da que será aqui analisada. Este sítio está localizado próximo ao setor portuário da cidade de Santarém, abrangendo também um setor próximo da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Até o momento, as datações obtidas apontam que esse sítio se insere no horizonte cronológico entre aproximadamente 1.600 a.C e 1.600 d.C, tendo sido ocupado, portando, desde dez séculos antes da colonização europeia, até o século XVII, quando na documentação ainda se menciona a existência de indígenas descendentes dos Tapajó.

A cultura material tapajônica é bastante conhecida devida a notória exuberância de sua cerâmica, caracterizada por. Nesse espaço habitado pelos Tapajó, foi fundada em 1661, pelo padre João Felippe Bettendorf, a missão do Tapajós, que mais tarde se tornaria a cidade de Santarém. Santarém é o segundo mais importante município do estado do Pará, e está a aproximadamente 700km da capital do estado, Belém. Entre as

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principais "estradas molhadas" na área, há o rio Amazonas e o rio Tapajós, cujo encontro de águas barrentas e claras é visível a partir da orla da cidade (Figura 1).

Portanto, o sítio Porto se insere no cenário de formação de grandes aldeias nas calhas do grandes rios amazônicos. Estes rios foram importantes vias de comunicação entre os antigos moradores da desembocadura do rio Tapajós e as áreas ao redor, tanto a norte quanto a sul, a leste e a oeste, pelo que se pode deduzir a partir das pesquisas arqueológicas já realizadas que observaram a distribuição de artefatos cerâmicos com influência do estilo Santarém. O início desse levantamento foi feito pelo etnólogo Curt Nimuendajú que identificou sítios onde ocorriam: (1) cerâmicas do estilo Tapajó, incluindo alguns estilos variantes; (2) poucas cerâmicas Tapajó; (3) cerâmica Konduri2; e (4) cerâmicas que não tem características nem do estilo Tapajó nem Konduri. Com o prosseguimento das investigações arqueológicas na região, o conhecimento dessas fronteiras estilísticas está progressivamente avançando (GOMES 2002, 2008; SCHAAN 2006; SCHAAN, AMARAL-LIMA 2012)

Figura 1 - Localização do sítio Porto de Santarém em relação aos rios Amazonas e Tapajós

Retornando ao sítio Porto, suas escavações estiveram sob a coordenação da arqueóloga Denise Pahl Schaan, para quem trabalhei durante toda a graduação. Em

2

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julho de 2011, fui a Santarém para participar de uma da etapas de escavação e procurar o material já escavado em uma etapa anterior, que seria objeto de estudo do mestrado de Daiana Alves e, especificamente para o material lítico, de minha pesquisa de iniciação científica. Desde então, também pude participar de outras etapas de escavação, inclusive, em uma das quais parte das unidades que formam os bolsões foi escavada3.

Dessa forma, o sítio Porto se tornou a área de estudo pela experiência anterior na iniciação científica de analisar o material lítico de uma das áreas; pela oportunidade de ter escavado na área dos bolsões; pelo contexto arqueológico impressionante e instigante de Santarém; além das menores dificuldades, econômicas e burocráticas encontradas quando é possível vincular um projeto de pesquisa de mestrado com outro projeto maior em andamento.

A opção pelos bolsões e o material lítico está em certa medida vinculada. Primeiramente o material lítico faz parte da experiência de pesquisa da autora em estudos anteriores sobre lâminas de machado de diferentes sítios localizados no entorno as rodovias Transamazônica (BR-230) e Cuiabá-Santarém (BR-163), e o já mencionado estudo do material lítico de uma das áreas do sítio Porto. Já em relação ao lítico dos bolsões, a escolha ocorreu primeiramente por motivos empíricos, visto que nos bolsões escavados na área 2A do sítio Porto de Santarém, a quantidade desse tipo de material era tão abundante quanto a do material cerâmico, mas não em tão grande quantidade no restante da estratigrafia da área onde os bolsões não ocorrem. O segundo momento da opção pelo lítico envolveu a relação desse tipo de contexto com questões rituais, sendo que, se as características estilísticas do material cerâmico são mais propensas para esse tipo de interpretação, o material lítico majoritariamente sugere funções mais domésticas. Por último, a opção também está relacionada a um certo silêncio da produção bibliográfica da região tapajônica sobre o material lítico, seja de um modo geral, seja nos bolsões; nesse sentido ocorre a dúvida se o material lítico está ausente nesses contextos, tem baixa representatividade ou se estava presente, mas não foi mencionado e problematizado.

Essas perguntas, assim como várias das indagações que compuseram o primeiro projeto desta pesquisa, e que, em grande medida, ainda fazem parte desta dissertação,

3

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estão relacionadas com as experiências de escavar e analisar o material lítico de todas as áreas trabalhadas no projeto de salvamento arqueológico do sítio Porto. Por meio de uma análise simplificada do material lítico de nove áreas do sítio Porto não foi possível verificar grande variação nessa indústria, provavelmente apenas com um estudo refinado possíveis distinções irão surgir. Embora tecnologicamente a indústria lítica não varie, há diferenças nas distribuição horizontal e vertical desse material, assim como na quantidade de tipo de artefatos. Essas variações provavelmente estariam relacionadas com o tipo de atividades realizadas nesses locais e nas percepções de como os artefatos deveriam ser descartados.

Apesar de nunca ter analisado a cerâmica deste sítio, ao observá-la e discutir com os colegas do laboratório de arqueologia da UFPA, pude ter uma percepção da distribuição das cerâmicas com decoração plástica e crômica em todo o sítio. Destaco isso pois esse é o tipo de material cerâmico que aparece frequentemente nos bolsões. E, como Hodder (1982) uma vez chamou atenção, arqueologicamente tem se descrito como ritual os artefatos singulares, supostamente não utilitários, e principalmente não compreendidos pelos arqueólogos. Mas, como dito anteriormente, nesses buracos também há muito material lítico; e material cerâmico "bonito"/decorado não aparece só nos bolsões. Então o que há de diferente nos contextos?: A grande concentração de material cerâmico e lítico, além do material orgânico, em um pequeno espaço, e os próprios buracos em si.

Como se verá em detalhe ao longo do texto, os bolsões foram escavados e o material depositado em um estrato em que, no restante da área ao redor, há baixa densidade de outros vestígios arqueológicos. Isso nos remete a várias possibilidades. Ao começarmos as divagações, temos como um possível primeiro cenário o fato de que todo o material presente nos bolsões foi jogado nele, ou seja, não houve mistura de material anteriormente descartado com o novo depósito. Com isso em mente, se toda a área era utilizada para moradia, a residência ou residências que fizeram cada um dos bolsões tinham uma forma distinta de tratar o "lixo" que produziam em comparação com as demais residências localizadas ao redor dos bolsões; ou seja, os "responsáveis" pelos bolsões jogavam tudo em um só buraco, enquanto os outros davam destinos variados para o seu lixo. Como se verá ao longo da dissertação, nessa área do Porto, os tipos de depósitos são: (1) bolsões; (2) material em baixa concentração fora de feições4;

4

(19)

e (3) feições arqueológicas, caracterizadas como manchas escurecidas, que também apresentavam quantidade de material quantitativamente pouco expressiva.

Ou então, os bolsões podem ter sido o espaço destinado para o descarte coletivo do que foi consumido naquela área. Mas, se esse última pressuposto estiver correta, isso remeteria que no momento em que os buracos foram abertos e o material descartado, não haveria muitas pessoas habitando aquela área? Ou havia um número considerável de indivíduos morando, mas durante um período de tempo curto? Consequentemente isso nos remete para a relação que existe entre a quantidade de tempo que um local é habitado e o número de indivíduos dessa ocupação necessário para produzir determinado volume de "lixo". Mas, considerando que as datações dos bolsões nos remetem à época tida como o auge da ocupação tapajônica, o que significa ter um espaço com baixa densidade populacional? Uma área para indivíduos de status especial? Especial no sentido de excluído, ou no sentido de privilegiado? Mas e se cada um desses bolsões for sim fruto de descartes coletivos, mas não de tudo o que foi consumido, mas de apenas parte, e, portanto, são eventos pontuais que não representam a densidade populacional deste setor, o que era feito com o restante do "lixo" produzido? Queimados, varridos para outras áreas, depositados em buracos menos profundos que estavam nas camadas que foram levadas quando a área foi terraplanada para virar um campo de futebol? E se eles tivessem de fato em buracos menos profundos, quais eram os preceitos que ditavam a profundidade dos buracos?

Com exceção talvez desse último cenário ("descarte" de parte do "lixo"), nenhuma das conjunturas expostas auxilia a determinar a natureza "ritual" ou seja exclusiva para artefatos de natureza "ritual". Considerando uma segunda situação que parta das hipóteses em voga de que nos bolsões haveria vestígios de rituais, e que parta primeiramente do material arqueológico que já estava na área, os estratos que os bolsões "invadiram" poderiam representar que, em um primeiro momento, ou a área foi pouco habitada ou nela ocorreriam práticas de limpeza constantes que "camuflaram" sua densidade de ocupação, então posteriormente a área ganhou uma nova "funcionalidade", se tornou um espaço de realização de rituais, ou um espaço destinado para o descarte de coisas utilizadas em rituais. Bem, se essa área foi exclusivamente de uso ritual, não podemos saber, pois os extratos de cima não estavam mais presentes. Mas também o

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espaço todo não precisa ser exclusivamente de uso ritual para que os bolsões sejam rituais. Apenas teríamos que em uma área não exclusivamente ritual podemos ter a realização e/ou descarte de "coisas rituais".

Como se verá mais para frente, outras conjunturas foram levantadas no item em que se dialogou com Schiffer (1996), van Velthem (2003) e Hayden e Canon (1983) para refletir sobre a natureza dos registros arqueológicos e os contextos nos quais eles aparecem. Enfim, podemos ficar imaginando vários cenários para o que ocorreu na área que proponho estudar do sítio Porto de Santarém, onde os quatro bolsões foram encontrados, mas apenas se iniciarmos a investigar essas feições arqueológicas detalhadamente, tendo algumas dessas preocupações em mente, poderemos aos poucos tentar responder essas indagações e construir novos cenários hipotéticos.

Para aprofundar as reflexões sobre todos esses apontamentos foi preciso pensar sobre questões envolvendo os correspondentes materiais interpretados pela arqueologia como vestígios de rituais, as implicações sociais da existência de rituais em uma sociedade, as informações já conhecidas sobre os índios Tapajó, e, principalmente, sobre a formação do registro arqueológico. Esses temas estão distribuídos ao longo do primeiro e segundo capítulo desta dissertação, enquanto o último capítulo contém os dados das análises do material lítico dos bolsões.

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uma lente interpretativa alternativa, o ritual como dádiva, conjugando para isso também dados etnohistóricos e arqueológicos.

Sem pretender que essa interpretação por si seja necessariamente mais correta do que outras, o intento principal aqui foi de causar tempestades em águas calmas, questionar algumas visões já estabelecidas, mas pouco fundamentadas. Com esse objetivo em mente, o primeiro tópico do segundo capítulo se iniciou com uma indagação " por que se descarta o que se descarta onde se descarta?", ou seja, questionam-se as intenções que guiam as escolhas de descartar determinado tipo de material, de uma determinada forma e em um local específico. A proposta maior deste tópico e do capítulo como um todo foi defender que o bolsão é um tipo de depósito diferente, não somente devido ao tipo de material que contém, mas sim todo o seu conjunto: ato de cavar uma fossa + enterrar objetos e restos orgânicos. Para destacar essa diferença, nesse capítulo também são apresentados outros contextos arqueológicos de descarte nas áreas escavadas do sítio Porto de Santarém. Por último, foram apresentadas ainda as interpretações que diferentes pesquisadores têm dado para feições arqueológicas similares às encontradas no Porto.

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Nas conclusões, realizou-se um esforço de relacionar e reafirmar as principais ideias debatidas em todos os capítulos desta dissertação, correlacionando-as com a análise do material lítico dos bolsões. Apontam-se ainda alguns dos limites encontrados durante a pesquisa e dúvidas que não puderam ser respondidas. Por último, são apresentadas algumas propostas para futuras análises que poderão oferecer mais dados que auxiliarão na compreensão dos bolsões e na ocupação tapajônica da área como um todo.

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Capítulo 1

Narrativas de tempos de outrora

1.1.Interpretando buracos, relatos e organizações sociais

Uma das primeiras interpretações que se ouviram sobre os bolsões5, contexto arqueológico que será aqui analisado, foi de que essas estruturas seriam vestígios da ocorrência de rituais. Ao mesmo tempo em que isso pareceu plausível, devido ao tipo de material cerâmico encontrado que apresenta decoração plástica e crômica variada e profusa, a ocorrência, conjunta e em grande quantidade, de material lítico - que aparentemente não tem nenhuma "característica" ritual, nem se diferencia do restante do material lítico encontrado nas outras áreas do sítio Porto - trouxe dúvidas sobre a natureza do caráter ritual dos bolsões. Seriam os líticos provenientes de instrumentos utilizados ritualisticamente? Fariam parte de um instrumento ritual, mas não teriam função prática? Esse material já estaria descartado nos espaços onde os bolsões foram escavados e o material cerâmico ritual foi posteriormente descartado? As cerâmicas foram realmente utilizadas em contextos rituais?

Somando-se às informações prévias, outras questões já comumente conhecidas para quem trabalha com arqueologia em contextos amazônicos são os debates teóricos sobre a organização social dos grupos indígenas que habitaram a florestal tropical e a questão da complexificação social e existência de grupos hierárquicos. Um certo tempo se passou até que a relação entre esses temas (bolsões e complexidade social) ficasse clara na cabeça da autora. Assim como demorou para que se questionasse quais elementos seriam os indicativos de complexidade e o porque de exatamente esses elementos terem sidos eleitos. Essas inquietações, não obstante, estão além dos objetivos desta pesquisa e da capacidade de respostas que o contexto analisado pode oferecer. Entretanto, todas essas indagações serviram para desnaturalizar o que já estava como dado (bolsões como estruturas rituais e o ritual como instrumento de poder e de hierarquia social).

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Com isso, este capítulo pretende apresentar primeiramente o que se tem debatido na arqueologia de Santarém, considerando juntamente as interpretações sobre a organização social dos Tapajó6. Os Tapajó são um dos grupos para o qual os teóricos da arqueologia atribuem uma organização social complexa. Em uma panorama maior, o debate sobre os tipos de organizações sociais na América do passado pré-colonial está vinculado ao que foi proposto no compêndio etnográfico editado pelo antropólogo norte-americano Julian Setward. As obras de Steward tiveram grande influência para o pensamento arqueológico e antropológico devido a sua propostas de estágios evolutivos da organização social, que estavam relacionados com a condição tecnológica dos grupos e o ambiente ecológico que ocupavam (CARNEIRO 2007). Tal concepção estava ligada à corrente neo-evolucionista vigente nos Estados Unidos no final da década de 30. Segundo esta, as sociedades seriam pouco criativas e inventivas, o estágio tecnológico e de organização social por elas alcançados estaria totalmente relacionado com as características do espaço que habitavam, visto que um grupo poderia regredir para um estado inferior tecnológico e organizacional se ele se mudasse para um local de condições climáticas menos favoráveis.

Desde então, vários foram os pesquisadores que seguiram e reformularam as propostas de Steward. Betty Meggers e Clifford Evans (MEGGERS 1954, 1987) consideravam que o ambiente amazônico de floresta tropical era inadequado para o desenvolvimento local de organizações sociais como a encontrada na ilha de Marajó, por isso acreditavam que a cultura Marajoara teria chegado à ilha no ápice do seu desenvolvimento e ao longo do tempo passado por uma lenta deterioração (MEGGERS, EVANS 1957). Por meio dos novos dados obtidos pelas pesquisas de campo, Meggers e Evans discordaram de Steward em relação à origem da cultura de floresta tropical, que a teria relacionado da des-culturação de grupos circum-caribenhos. A nova hipótese por eles defendida era de que as sociedades de floresta tropical teriam se desenvolvido de grupos caçadores, coletores e pescadores, que teriam alcançado o "nível seguinte" com o auxílio de técnicas difundidas da região andina.

Vários estudos posteriores às publicações de Steward e Meggers já vinham questionando a inadequação do ambiente amazônico para a ocupação humana. Lathrap

6 Apesar da importância do tema, não é objetivo desta seção fazer uma análise e revisão detalhada sobre o

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(1970) propôs que a Amazônia teria sido um centro de emergência cultural. Robert Carneiro (2007) também afirmou o desenvolvimento local dos grupos amazônicos e apresentou a hipótese de que a partir de um processo de circunscrição social, concentração de recursos e subtração de autonomias por meio de guerras, alguns grupos teriam alcançado a complexidade social com poder centralizado.

O prosseguimento das pesquisas na área foi paulatinamente apresentando novos dados que comprovaram a existência de sociedades complexas em diferentes áreas da região amazônica, com níveis de "complexidade" variados, e que se expressaram materialmente de forma distinta, tanto em relação aos artefatos que produziram quanto às modificações nas paisagens que realizaram (GOMES 2007; HECKENBERG, PETERSEN, NEVES 1999; MACHADO 2005; MORAES, NEVES 2012; ROOSEVELT 1980; 1991, 1999; SCHAAN 2004, 2012b, 2014; STENBORG 2004; STENBORG et al. 2014).

Para a área de Santarém, o tópico seguinte deste capítulo apresentará mais detalhadamente o que as pesquisas posteriores às primeiras postulações de Meggers têm proporcionado sobre o tema. Resumidamente, além dos vestígios arqueológicos são complementados com as informações etnohistóricas deixadas por cronistas, viajantes e naturalistas. Escrevendo sobre as realidades vistas e imaginadas, essas memórias nos remetem a uma população numerosa, belicosa, estratificada, inserida em extensas redes comerciais e praticantes de rituais que envolviam culto aos ancestrais (ACUÑA 1641, CARVAJAL 2011, DE LA CONDAMINE 1745, HERIARTE 1874, BETTENDORFF 1909, SÃO JOSÉ 1847).

Entre os perigos e grandes feitos dos espanhóis que participaram da expedição de Orellana em 1542, o frei Gaspar de Carvajal menciona que a expedição teve que desviar seu percurso da margem direita para a margem esquerda do Amazonas, ao chegar na área de encontro deste rio com o rio Tapajós (CARVAJAL 2011, p. 60-63). Isso ocorreu devido ao ataque sofrido inicialmente por dois esquadrões de pirogas que causaram a morte de um dos tripulantes devido a uma flecha envenenada. O uso de flechas envenenadas também foi mencionado por Cristóbal de Acuña (1641, p.38) quase 100 anos depois, durante a expedição comandada por Pedro Teixeira. Entre outras informações, Acuña também oferece uma estimativa populacional (mais de 500 famílias) e sobre a abundância de alimentos.

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oferendas a ídolos; aparente organização político-social. A cultura tapajônica, apesar do processo contínuo de desarticulação que se iniciou com a descoberta do Novo Mundo pelo Velho Mundo, continuou ao longo dos anos impressionando e causando desconforto para a cultura cristã-católica, que não conseguia fazer com que os indígenas pensassem, agissem e cressem como os portugueses.

Pouco mais de 20 anos após a expedição de Pedro Teixeira, o padre jesuíta Felipe Bettendorf foi designado pelo padre Antônio Vieira para fundar a missão do Tapajós. Em sua crônica Bettendorf relata sobre uma indígena de nome Maria Moaçara, que ocupava uma posição de prestígio na sociedade tapajônica, sendo uma princesa e orácula. Heriarte (1874, p. 38) em suas memórias já havia mencionado que os indígenas eram governados por principais responsáveis por "ranchos" de 20 ou 30 casas, e Bettendorf acrescenta ao dizer que, além dos principais, os indígenas escolhiam uma mulher com maior nobreza, a qual consultavam e seguiam suas decisões. Indivíduos já falecidos também aparentemente ocupavam posições de prestígio na sociedade, visto que o jesuíta menciona a existência de uma múmia de um antepassado, denominado de primeiro pai. No discurso de Bettendorf vem também a repetição do tema sobre a riqueza da terra para a plantação de alimentos e a abundância de recursos aquáticos.

Redes comerciais de longa distância e circulação de bens de prestígio são sugeridos por outras narrativas de naturalistas que visitaram a região amazônica durante o século XVIII. O iluminista francês Charles de La Condamine (1745) realizou expedições na América entre 1735 e 1744, e tomou conhecimento sobre a existência das pedras verdes, também conhecidas como pedra das Amazonas, que os Tapajó diziam ter herdado dos seus pais, e as quais teriam sido obtidas das mulheres sem marido. Um indígena com que Condamine conversou indicou um rio denominado Irijo, entre Macapá e o cabo do Norte, que conduzia às proximidades do país dessas mulheres.

O uso dessa pedra verde aparentemente era diversificado, o relato do Frei João de São José (1847, p.88), que participou da navegação pelo rio Tapajós comandada pelo coronel Ricardo Franco em 1779, menciona a produção de cabaças, das quais as mais estimadas tinham no seu lábio, ou na borda as pedras verdes. A presença de pedras verdes ou muiraquitãs já foi constatada em várias áreas ao longo da bacia Amazônica, do Orinoco e das Guianas (BOOMERT 1987).

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existência de grande densidade populacional, formas de simbolismo e arte, especialização artesanal, participação em grandes redes de intercâmbio, tipos de residência, sistemas de assentamento e tecnológicos, controle da força de trabalho e de recursos, estratificação social e liderança política (ARNOLD 1996; BARRETO 2006).

Pensando exclusivamente na ocorrência de rituais, para os Tapajó há informações deixadas nas narrativas produzidas por europeus que viram e ouviram sobre as atividades religiosas desses indígenas. Esses relatos serão o tema do terceiro tópico deste capítulo. Nele pretende-se interpretar o que foi narrado sobre os rituais partindo-se de um olhar que foque nos gestos e objetos descritos. Ainda considerando-se apenas o ritual como objeto de reflexão, o último tópico deste capítulo pretende pensar o ritual como algo além de um instrumento para afirmação e consolidação do poder de uma chefia, e assim, consequentemente, indicador de complexidade social. Essa interpretação está vinculada a um período histórico e a correntes teóricas, que Catherine Bell (2009) reuniu como pertencentes ao pensamento funcionalista, sendo um dos representantes dessa corrente o antropólogo Radcliffe-Brown. Segundo essa linha de pensamento, a religião e o ritual eram mecanismos sociais que desempenhavam importante papel na regulação e estabilização do sistema social. Mas esta é apenas uma corrente interpretativa entre várias, e, no último subtópico deste capítulo, a interpretação escolhida foi de relacionar os rituais com a cosmologia tapajônica de uma forma diferenciada, ou seja, pensar o ritual como uma dádiva aos deuses. Nesse sentido, aproveitou-se também da ocorrência de um muiraquitã, pequeno zoomorfo em forma de sapo, para versar sobre as lendas que mencionam a origem dessa pedra verde como presente de seres sobrenaturais, e do seu uso como bem de prestígio entre grupos distintos localizados em uma ampla área geográfica.

1.2.Arqueologia no Tapajós e o sítio Porto de Santarém

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Frederick Hartt, geólogo e paleontólogo canadense, esteve no Brasil por oito anos desde sua chegada em 1870. Na região do Tapajós, Hartt (1885) menciona a presença das terras pretas e de sua grande fertilidade, que teriam atraído os indígenas para nesses espaços instalar suas moradias. Em busca de artefatos arqueológicos que indicassem a presença de sítios, Hartt foi até o engenho da Taperinha, onde havia relatos de concentrações de conchas, que o geólogo comprovou serem vestígios arqueológicos. Esse sambaqui posteriormente foi estudado pela arqueóloga norte americana Anna Roosevelt (ROOSEVELT 1998; ROOSEVELT et all 1991) que identificou uma das cerâmicas mais antigas das Américas.

Hartt prosseguiu suas investigações ao longo do rio Tapajós, explorando ambas as margens, além da região de planalto, em suas conclusões, o geólogo defendeu que enquanto a margem direita do rio teria sido ocupada pelos Tapajó etnohistóricos, a parte esquerda deste rio foi habitada pelos Munduruku, entretanto, ainda, aventou a possibilidade de que os Tapajó seriam uma divisão dos Munduruku.

Outro interessado nas ocupações antigas da região do Tapajós foi o botânico Barbosa Rodrigues, que por lá esteve entre 1872 e 1874. Rodrigues (1875) realizou várias coletas de fragmentos arqueológicos de vasilhames cerâmicos, fragmentos de estatuetas, lâminas de machado, além de ter identificado caminhos escavados na região da serra e nos arredores, sendo Santarém o centro do domínio tapajônico. Barbosa Rodrigues analisou lâminas de machado líticas e fragmentos cerâmicos das áreas que se estendem da cachoeira de Boruré, há 40km acima de Itaituba, até as serras que circundam Santarém a fim de compará-los com o material atribuído aos Tapajó e assim verificar a extensão da ocupação indígena. Os dados obtidos sugerem que a abrangência da ocupação tapajônica se estendeu no sentido norte-sul por uma área de mais de 180km.

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indígena na área e sobre a terra preta7. Entre 1923 e 1926, o etnólogo identificou 65 assentamentos em Santarém e no seu entorno, caminhos entre os sítios, antigos poços, e propôs que a terra preta teria sido formada devido à ocupação indígena. Com isso, Nimuendajú atribuiu que a área da cultura tapajônica se entendia da margem sul do lago Grande de Vila Franca à margem direita do rio Amazonas, entre o Lago Grande e Arapixuna. Sua contribuição foi portanto de grande relevância por estabelecer até quais localidades no lado ocidental possuíam cerâmica com influência estilística tapajônica, além de ter identificado a grande concentração de terra preta no bairro Aldeia, na cidade de Santarém.

Essas primeiras descobertas e primeiros questionamentos prosseguiram sendo investigados, quando, a partir do século XX, se iniciaram as pesquisas feitas por profissionais da arqueologia. Em 1971, foi realizado um levantamento feito pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA), sob coordenação de Ulpiano Bezerra de Menezes8, no qual foram investigados 27 sítios na área de influência do rio Tapajós. O levantamento realizado por Menezes trouxe algumas contribuições relevantes para se pensar sobre os debates que existiam referente as ocupações nas áreas de várzea e terra firme9, ao inserir a existência de sítios situados em zonas limítrofes a esses dois "ambientes", que se localizavam próximo a lagoas. Durante as prospecções também foram identificadas estradas que interligavam alguns desses sítios.

7 Terra Preta Arqueológica (TPA) ou Terra Preta de Índio (TPI) é um tipo de antrosol de coloração escura

e rico em elementos químicos, como metais alcalinos-terrosos (Magnésio e Cálcio), metais de transição (Manganês e Zinco) e não-metais (Carbono e Fósforo), que proporcionam um ph básico e a fertilidade desse solo que foi transformado em decorrência do descarte de material orgânico animal e vegetal, entretanto ainda se desconhece se a deposição dessa matéria foi ou não intencional (KERN et al., 2008; SMITH 1980; WOODS & MCCANN 1999).

8 Cf. SIMÕES, Mário F.; ARAUJO-COSTA, Fernanda. 1978. Áreas da Amazônia Legal Brasileira para

pesquisa e cadastro de sítios arqueológicos. Vol.30. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi.

9 O início das interpretações sobre os tipos de organização social existentes nos ambientes de terra firme

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Todos os sítio encontrados por Menezes foram classificados como sítios-habitação, com cerâmica de fase ainda a ser classificada. Outras investigações também realizadas no âmbito do PRONAPABA feitas por Nigel Smith (SIMÕES, ARAÚJO-COSTA 1978) e por Celso Perota (MARTINS 2012) acrescentaram ao conhecimento existente novos sítios na região do Baixo Amazonas, além de observar os limites da influência estilística da cerâmica de Santarém, questão esta recorrentemente revisada nas pesquisas arqueológicas posteriores.

Revisitando os registros de Nimuendajú, vários sítios por eles identificados foram novamente localizados em pesquisas recentes (SCHAAN, AMARAL-LIMA 2012). Estes novos estudos constataram que a área de distribuição da cultura arqueológica tapajônica era ainda maior, se estendendo 75km a sul, tanto na área de várzea quanto no platô de Belterra (SCHAAN 2006).

Mais estudos surgiram também a partir do material arqueológico coletado por Nimuendajú nos sítios que encontrou. O material coletado foi acondicionado no museu de Gotemburgo, patrocinador das pesquisas do etnólogo. Essa coleção foi estudada por Palmatary (1939), juntamente com outros acervos presentes em museus dos Estados Unidos, como o Museu da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia; o Museu do Índio Americano, em Nova York, e a coleção da Universidade Católica da América, Washington.

A pesquisa realizada por Palmatary resultou na primeira classificação tipológica de material cerâmico tapajônico contido em museus. A metodologia utilizada pela autora teve como critério para a composição dos grupos tipológicos o tamanho e o formato da base. A partir dos tipos observados, Palmatary traçou relações entre a cerâmica de Santarém e as do Caribe, Costa Rica, Venezuela, Guiana Inglesa, Panamá e as encontradas nos montículos do sul dos Estados Unidos. Tais comparações se devem a perspectiva difusionista adotada por Palmatary, visto que tinha como objetivo identificar a existência de semelhanças entre o material cerâmico de Santarém e o material de áreas culturais já conhecidas, para assim poder traçar a possível origem da cultura tapajônica, que teria se difundido por rotas via o rio Orinoco, interligando a região do Caribe ao rio Tapajós.

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material em contexto. Com isso, os estudos das coleções museológicas foram pioneiros nas descrições mais detalhadas sobre a cultura material da região descrevendo as formas e decorações recorrentes, as diferenças existentes, o processo e as técnicas de fabricação. Além das preocupações voltadas para o estabelecimento de tipologias para a cerâmica, muitos desses estudos se preocuparam em estabelecer cronologias relativas e também em refletir sobre a relação do material arqueológico, com os relatos etno-históricos e as teorias sobre complexidade social na Amazônia.

Frederico Barata foi autor de diferentes trabalhos sobre os artefatos localizados em Santarém (1950, 1951, 1953a, 1953b, 1954, 1968). Esses escritos são majoritariamente sobre a cerâmica tapajônica. Assim como Nimuendajú, Barata esteve em Santarém à procura, no bairro Aldeia, de vestígios da ocupação indígena (1953a) nos quintais dos moradores. Em um primeiro momento, a busca de Barata foi frustrante, visto que só conseguia encontrar poucos fragmentos e de tamanho pequeno. Suas

maiores aquisições vieram dos terrenos onde havia bolsões, “espaço diminuto que em

geral não excedia de 2,5 a 4 metros quadrados, amontoados os fragmentos até o nível da terra amarela que se segue à preta, numa profundidade variável de 30 a 80 centímetros.” (BARATA 1953, p.4).

Barata separou o material cerâmicos em diferentes tipos conforme as características morfológicas, como os vasos de cariátides e gargalo (1950); com borda dupla, estatuetas e vasos efígies (1953a); além dos cachimbos do período do contato (1951). Barata observou que, apesar das formas dos vasos se repetirem, os vasilhames diferem em relação aos detalhes, tamanho e ornamentação. Além do material cerâmico, Barata também descreveu alguns artefatos líticos, a exemplo dos ídolos de pedra, muiraquitãs, contas de colares, calibradores e das serrinhas polidas (BARATA 1954, 1968). Uma das funções atribuída hipoteticamente para os calibradores seria para o polimento das contas, enquanto as serrinhas polidas seriam utilizadas para a produção de entalhes ou incisões nos muiraquitãs. A coleção apresentada por Barata contem adornos com representações zoomorfas de batráquios e aves além das geométricas, entretanto cogita que apenas as de forma batraquiana eram as denominadas de muiraquitã. A representação da rã em pedra teria algum significado simbólico importante de tal grandeza da presente nos objetos cerâmicos.

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Corrêa também apontou a possibilidade de rotas de migrações que teriam seguido o rio Amazonas. A autora ainda fez uma observação em relação à classificação da cerâmica de Santarém, que foi inclusa no Estilo-Horizonte Inciso Ponteado por Meggers e Evans, a despeito de na mesma predominar a modelagem utilizada nos adornos que são aplicados nos vasilhames. As observações críticas de Corrêa se estendem também ao fato da classificação da cerâmica se centrar no material decorado, visto que a mesma é feita a partir de coleções, que amiúde são compostas por exemplares esteticamente mais atraentes.

Diante da apresentação do estado da arte da arqueologia e seus limites, a autora em seu trabalho apresenta a análise de 119 exemplares inteiros e semi-inteiros, verificando a técnica de manufatura, coloração da pasta, antiplástico, decoração, acabamento, tamanho, estilo, o modo como à face foi representada e seus adornos. Corrêa destaca que as estatuetas antropomorfas de Santarém apresentam grande variedade de formas e realismo em relação às posturas e aos gestos, além de também existirem estatuetas com representações zoomorfas. O estudo portanto é um trabalho detalhado sobre a forma de fazer e de representações da cerâmica tapajônica criando assim um banco de dados sobre o saber tecnológico deste grupo indígena.

A cerâmica de Santarém presente no Museu Goeldi também foi analisada por Vera Guapindaia (1993). A pesquisa investigou todo o material cerâmico da coleção Frederico Barata. Devido a sua realização em um período mais tardio, Guapindaia pôde incorporar em suas reflexões os resultados dos trabalhos arqueológicos conduzidos por Anna Roosevelt na região do Baixo Amazonas. Guapindaia produziu uma caracterização cultural dos Tapajó ao conjugar os relatos etnohistóricos com a classificação tecnológica da cerâmica. O objetivo ao estudar a coleção Frederico Barata foi de verificar a possível presença de diferentes grupos indígenas convivendo na região de Santarém. Para tanto, a autora estabeleceu o perfil técnico do conjunto cerâmico, analisando 210 objetos inteiros e fragmentados.

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diferentes momentos. Primeiramente ela conseguiu diferenciar entre uma cerâmica produzida antes e após a conquista europeia. Além disso, entre a cerâmica indígena, foi possível observar dois grupos, um deles que foi associado aos Tapajó devido a sua unidade técnica e temática coesa que correspondem ao que é descrito nos relatos etnohistóricos e nas pesquisas de Roosevelt; o outro que pode ser tapajônico, mas de função utilitária; ou ter sido fabricado por outro grupo indígena; ou também ser uma cerâmica mais antiga de algum grupo que ocupou a área anteriormente.

Igualmente incorporando os debates arqueológicos às análises de coleções museológicas, a pesquisa de Denise Gomes (2002) objetivou discursar sobre a cronologia da cerâmica na área Tapajós-Trombetas e sobre as hipóteses existentes sobre a presença de complexidade social na área de Santarém. Uma importante hipótese desenvolvida pela autora nesse sentido, diz respeito a sua proposição de que a cerâmica da fase Santarém seria um desenvolvimento local, que teria influências de tradições Barrancóide e Polícroma. Um dos elementos de continuidade na tecnologia de produção cerâmica na região seria o uso como antiplástico do cauxi junto com o caco moído.

A partir da coleção cerâmica tapajônica do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), Gomes estabeleceu uma sequência cronológica hipotética e obteve um entendimento crítico sobre as hipóteses de complexidade social quando cotejou alguns aspectos da cultura material com os modelos interpretativos de desenvolvimento cultural na região Amazônica. Os questionamentos da autora estavam relacionados à composição heterogênea de sua amostra, que se tornou mais evidente a partir da análise da cerâmica conforme a forma, decoração e tecnologia. Entre os 1.256 exemplares analisados, Gomes encontrou peças do estilo Santarém, Influência Santarém, Konduri, Influência Konduri, Globular e Barrancóide. Essas variações estilísticas foram atribuídas à existência de outros grupos indígenas contemporâneos aos Tapajó, que se relacionariam com esses e formariam "comunidades satélites".

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Um dos pontos ressaltados por Gomes em relação à terminologia utilizada para denominar a cerâmica está o uso dos termos cultura Tapajônica e cultura Santarém devido às incertezas de vinculação com um grupo étnico, principalmente aos índios Tapajó descritos nas fontes etnohistóricas. O mesmo tipo de questionamento foi posto por Ellen Quinn (2004), que analisou o material cerâmico proveniente de um bolsão localizado no sítio Porto de Santarém. As pesquisas arqueológicas no sítio Porto estavam vinculadas ao projeto Baixo Amazonas, coordenada pela arqueóloga Anna Roosevelt. As escavações realizadas sob o projeto identificaram artefatos cerâmicos com as características típicas da fase Santarém. A partir disso, Quinn comparou o material do bolsão com os de coleções museológicas, conseguindo relacionar os fragmentos escavados às suas formas inteiras; e a partir dos carvões coletados no bolsão foi possível obter uma datação para a cerâmica da fase Santarém.

As coleções observadas foram as utilizadas por Palmatary (1960), Guapindaia (1994) e Gomes (2002). Os objetivos da análise eram verificar as possibilidades de que tivessem sido os Tapajó etnohistóricos que fizeram a cerâmica de Santarém, assim como observar os indícios de que essa sociedade tivesse uma organização social do tipo cacicado. Para tal intento, foi necessária a datação e análise do contexto arqueológico de ocorrência da cerâmica dessa fase, a partir das quais a autora seguiu as proposições mais recentes defendidas por Roosevelt de que a sociedade tapajônica poderia estar organizada de forma heterárquica. Como o material dos museus e o escavado se assemelham foi possível inferir que pertenciam ao mesmo período, entretanto não foi possível relacionar essa cerâmica com os Tapajó etnohistóricos, visto que as datas obtidas correspondem a um período anterior à colonização europeia.

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organização em Santarém (ROOSEVELT 2009). Seja de natureza hierárquica ou heterárquica, é consensual a existência de uma organização social complexa, o que também foi apontado por outros pesquisadores que analisaram o material cerâmico, considerando suas formas e decorações elaboradas, unidades temáticas e técnicas coesas, sugerindo por isso uma especialização do trabalho (GUAPINDAIA 1993, QUINN 2004).

Esses dados, assim como as pesquisas realizadas por Roosevelt e colaborados no sambaqui de Taperinha (ROOSEVELT 1998; ROOSEVELT et all 1991) e nas cavernas de Monte Alegre, (ROOSEVELT et all 1996) foram de encontro às primeiras proposições de Steward (1948) sobre a involução de grupos andinos ao se instalarem na área de floresta da Amazônia, e de Betty Meggers e Clifford Evans (1957) sobre a intrusão de elementos externos no ambiente amazônico que teria proporcionado o desenvolvimento cultural dos outros grupos da região.

Na caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre, foi identificada uma ocupação paleoíndia do Pleistoceno Tardio contemporânea aos paleoíndios da América do Norte. A relevância não se limitou a encontrar uma ocupação tão antiga, mas também no fato de os paleoindígenas da Pedra Pintada terem uma cultura distinta das encontradas na América do Norte, o que levou Roosevelt a repensar sobre as rotas de migração e adaptações ecológicas dos primeiros grupos forrageiros. A descoberta desse registro material mostrou que era possível uma ocupação paleoíndia no ambiente da floresta tropical, com subsistência adaptada à fauna e flora desse ambiente, com o consumo de leguminosas, nozes, palmáceas, frutas, peixes, roedores, bivalves, univalves, quelônios, anfíbios, mamíferos, etc. Devido a isso, apesar dos paleoindígenas da Amazônia apresentarem algumas semelhanças com os da América do Norte em relação à tecnologia lítica, eles possuíam instrumentos formais, práticas de subsistência e estilos de pintura rupestre distintos.

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agricultura. Ademais, por ser a cerâmica mais antiga já encontrada na América, provisoriamente é uma evidência contrária a tese de que a cerâmica teria se espalhado a partir dos Andes e da Mesoamérica.

O processo de expansão da agricultura e da sedentarização também foi identificado em algumas investigações arqueológicas na região. Gomes (2008) obteve datações entre 3.800 e 3.600 AP para os sítios Lago do Jacaré I e Zenóbio, localizados na Comunidade de Parauá, na margem esquerda do Tapajós. Uma ocupação de longa duração foi evidenciada nesses dois sítios, juntamente com o sítio Terra Preta, até um período próximo ao ano 1000 AD, época esta que se atribui ao surgimento das sociedades complexas em Santarém.

Com os dados obtidos pelas escavações na comunidade do Parauá, localizada na margem esquerda do rio Tapajós a 120km ao sul de Santarém, Gomes pôs em questão os limites da sociedade tapajônica. O estudo de Gomes objetivou testar as hipóteses propostas por Roosevelt em relação à influência política e os limites do cacicado tapajônico. Suas pesquisas indicaram a presença de outros grupos que não apresentam influência da cultura tapajônica em sua cerâmica (GOMES 2003, 2008). Conjugando os dados obtidos pela análise cerâmica, datações, padrões de assentamento e organização intra-sítio, Gomes propôs que como nesses sítios a cerâmica está associada principalmente à tradição Borda Incisa, e que mais tardiamente ocorreu a interação com a tradição Incisa e Ponteada, a influência dos indígenas que habitavam na área de Santarém não foi tão incisiva em toda a região do rio Tapajós. A iconografia cerâmica sugere uma unidade cultural que não necessariamente equivale a unidade política (GOMES 2003, 2008, 2010, 2012).

Como já mencionado anteriormente, os estudos anteriores baseados em coleções museológicas já tinham apontado para a existência de outros grupos que seriam contemporâneos aos Tapajó e que estariam interagindo com eles (GUAPINDAIA 1993, GOMES 2002). A partir da amostragem presente na comunidade do Parauá, Gomes pôde complementar as argumentações mais recentes de que a formação sociopolítica em Santarém não foi tão centralizada e expansionista, e que haveria um contexto regional mais heterogêneo, com comunidades autônomas do centro de chefia emergente.

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pertencente ao período Formativo10 foi identificado, desta vez, na região central do povoamento tapajônico. Na parte norte do sítio Porto de Santarém, Daiana Alves (2012) obteve datações em torno de 8.000 AP em camada de latossolo com grandes blocos de carvão, aos 226cm de profundidade. A segunda data remota se encontrava em contexto semelhante ao anterior a 187 cm de profundidade, do período 7760±40 BP. A presença desses grandes blocos de carvão foi interpretada como evidência de cobertura vegetal do tipo floresta em um período bem antigo, que poderia representar os remanescentes de uma roça do período Formativo.

As primeiras observações e hipóteses sobre esse tipo de contexto no sítio Porto foram feitas por Anna Roosevelt no ano de 2007 (SCHAAN 2010). A cerâmica atribuída ao período Formativo teria como características decoração simples de linhas paralelas no entorno do vasilhame, com a borda e lábio apresentado decoração ponteada, a coloração da superfície tem tonalidade alaranjada e como aditivo para diminuir a plasticidade da argila era utilizada a rocha triturada. Afora as características da cerâmica já mencionadas e dos grandes blocos de carvão, no contexto Formativo, foi observado maior variedade de frutos e sementes e maior quantidade de ossos de pequenos mamíferos do que de peixes (QUINN 2004).

Neste setor do sítio, o material cerâmico dos primeiros níveis de ocupação apresentava predominante cor de superfície alaranjada, aditivo de caco moído e queima redutora; a decoração principal era a cromática, principalmente engobo e pintura vermelha, mas também com ocorrências de decoração cromática e plástica, ou apenas plástica (ALVES 2012). A decoração cromática é majoritária até os níveis superficiais, entretanto, por voltas dos 41cm de profundidade a coloração da superfície da cerâmica bege se torna predominante e a cor laranja decai progressivamente. A pesquisa de Alves portanto revelou uma variação temporal na cultural material tapajônica, que somada aos outros estudos realizados no sítio Porto apontam para as características da ocupação tapajônica nesta área.

Contextos variados com datações em diferentes períodos foram escavados no sítio Porto de Santarém nos últimos anos (SCHAAN 2012; SCHAAN, LIMA 2012).

10 O denominado período Formativo na arqueologia amazônica corresponde ao período entre 4.000-2.000

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Em cada uma dessas áreas11 foram observadas características distintas: (1) na sua parte central várias vasilhas semi-inteiras forma desenterradas, dentro das quais havia ossos bastante fragmentados, entre os exemplares de vasilhas também foram identificados, alguns fragmentos de um vaso antropomorfo; (2) nos setores sul, nordeste e noroeste foram encontradas feições arqueológicas do tipo bolsões, dentro dos quais haviam fragmentos ósseos, estatuetas cerâmicas inteiras, fragmentos de apliques zoomorfos, cerâmica policrômica, vasilhas semi-inteiras, adornos em lítico, lascas, núcleos, calibradores e polidores em rocha; e (3) a parte norte foi a que apresentou maior concentração de calibradores por volume escavado. Além disso, na área norte, mencionada anteriormente, foi onde se obtiveram as datações mais antigas (ALVES 2012), além de várias feições, como estruturas de combustão, lixeiras e buracos onde foram "descartadas" vasilhas semi-inteiras.

Apesar de ser dada maior relevância para alguns dos contextos observados, é importante frisar que em nenhuma das áreas foi observado uso exclusivo para um determinado tipo de atividade. Como exemplo, há uma das áreas escavadas que se encontra na porção nordeste do sítio. Deste setor, Ellen Quinn (2004) analisou o material cerâmico proveniente de um bolsão, interpretado como possível estrutura ritual. Enquanto este material apresentava profusa decoração, outros fragmentos cerâmicos escavados posteriormente na mesma área, mas fora de bolsões, era predominantemente não decorado (ALVES 2012). Ao mesmo tempo, como mencionado para o caso dos bolsões nos setores sul e nordeste, um mesmo típico de contexto arqueológico não é exclusivo para uma única área. Além dos bolsões, outros contextos interpretados como possivelmente rituais foram identificados nas escavações de 2007 na área noroeste do sítio Porto (SCHAAN, LIMA 2012). Neste setor, foram encontrados fragmentos ósseos cremados, objetos relacionados a festividades e remanescentes de produção de artefatos especiais; nessa área, Roosevelt também observou a existência de uma possível cultura formativa. Outras estruturas relacionadas com rituais foram encontradas nas áreas central-leste e sudeste, escavadas em 2009; como plataformas cerimoniais, e "bolsões rituais" (SCHAAN, LIMA 2012).

No setor do sítio Porto localizado dentro da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), no sítio Aldeia e no sítio Carapanari, Gomes identificou diferentes tipos de depósitos relacionados com a escavação de buracos para o depósito de material

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Imagem

Figura 1 - Localização do sítio Porto de Santarém em relação aos rios Amazonas e Tapajós
Figura 3 - Feições arqueológicas no setor norte do sítio Porto de Santarém
Figura 4 - Feições arqueológicas nos setores Central e Sul do sítio Porto
Figura 5 -  Características das unidades na área 2
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Referências

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