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Olhos e ouvidos sobre o baixo Tapajós: crônicas da região de Santarém

Quando os europeus chegaram à região que se tornou posteriormente a cidade de Santarém, ela encontrava-se habitada por indígenas que foram registrados sob o nome de Tapajós/Tapajoz/Trapajosos/Tapajozos. À esses indígenas foi associado o material arqueológico, visto que esses objetos apresentavam características de terem sido produzidos por uma sociedade de formação complexa, condizendo com as narrativas produzidas pelos europeus sobre os índios do rio Tapajós14. Entretanto, apesar da menção a alguns objetos utilizados, métodos, técnicas e costumes, não há descrições detalhadas sobre a cultural material desses indígenas. As memórias, olhares e ouvidos dos cronistas europeus selecionaram outros elementos para registrar e reportar aos seus superiores e pares.

Devido à subjetividade expressa em maior ou menor grau, Ugarte (2009) considera que as crônicas oferecem informações sobre determinados aspectos que não podem ser deduzidos de outros documentos legais. Sonhos, esperanças, crenças, temores, apreços e desapreços estão presentes no registro dos eventos que foram escolhidos para compor as obras escritas dos cronistas-conquistadores. A evocação dos

14

Ver tese de Ellen Quinn, que foi construída em torno dessa problemática. QUINN, Ellen R. 2004. Excavating “Tapajó” ceramics at Santarém: their age and archaeological context.

nomes de sua majestade e de Deus eram frequentemente bordões nos discursos dos expedicionários, a fim de especificar seus objetivos e justificar seus atos.

Com isso, na constituição dos relatos estão mesclados os objetivos das viagens, as formas como as expedições ocorreram, seus resultados, tipos de financiamento, o perfil e história de quem produziu a crônica e também o que se conhece sobre outras viagens. Ao registrar sua jornada, os viajantes poderiam ter em mente a necessidade de provar sua aventura, ou desejar repartir as sensações que sentiram, bem como registrar os ocorridos para melhor rememorar os fatos e as emoções (FIGUEIREDO 2011)

Entre as memórias escritas dos cronistas-conquistadores, três relatos em específico são de especial interesse aqui por fornecerem descrições sobre tipos de rituais realizados entre os indígenas que ainda habitavam a região do Tapajós: do leigo Maurício de Heriarte e dos padres Felipe Bettendorff e João Daniel. Heriate foi uma testemunha ocular, enquanto os dois padres foram testemunhas de relatos sobre os eventos rituais, que registraram em suas narrativas. Como cristãos, o elemento comum dos três testemunhos é qualificar as práticas cerimoniais dos indígenas como culto ao demônio. Outro fator em comum presente nas três narrativas é que, aparentemente, todas essas cerimônias talvez envolvam uma coletividade grande e maior formalidade.

Devido a esse último aspecto, mesmo que os eventos narrados não contribuam diretamente na reflexão sobre os contextos deposicionais das feições encontradas no sítio Porto de Santarém, visto que, como anteriormente mencionado, elas possam ser fruto de cerimônias menos formais realizadas em situações cotidianas; eles nos remetem a outras práticas festivas locais que persistiram, apesar do processo colonizador e das tentativas de evangelização. Os procedimentos rituais cotidianos podem ter passado despercebido pelos colonizadores, acontecerem em menor frequência, ou mesmo ter desaparecido devido à desestruturação pela qual as sociedades indígenas passaram a partir do contato com os europeus.

O primeiro de nossos cronistas, Maurício de Heriarte (1874), escreveu a Descriçam do Estado do Maranham, Para, Corupa e Rio das Amazonas possivelmente em 1662 sobre fatos que ocorreram em 1639, durante a expedição de Pedro Teixeira subindo o Amazonas. Essa jornada se deu no contexto da União Ibérica, após manifestações populares em Portugal que impulsionaram ações pró-independência na metrópole portuguesa. Com isso a esquadra do capitão Teixeira tinha como meta conquistar territórios e demarcar as fronteiras lusitanas no Novo Mundo. Pretensão

expansionista que foi detida quando, ao chegarem a Quito, as autoridades espanholas tomaram conhecimento da missão dada à Teixeira (UGARTE 2009).

Desse empreendimento malogrado em seu sigilo, foram produzidas quatro crônicas: três relatando o momento de subida do Amazonas, as de Pedro Teixeira (1639), Alonso de Rojas (JIMÉNEZ DE LA ESPADA 1889) e Maurício de Heriarte (1874), e uma no momento da descida, a do jesuíta Cristóbal de Acuña (1641). Não obstante, Heriarte foi o único que fez observações sobre as práticas cerimoniais dos indígenas do Tapajós. Talvez esse destaque às crenças e cultos dos Tapajó esteja relacionada com a preocupação missionária que Heriarte demonstra em algumas partes de sua obra (UGARTE 2009). Enquanto os outros talvez estivessem mais preocupados com o já conhecido caráter bravio desses índios.

Heriarte menciona que os Tapajó possuem “idolos pintados em que adoram, e a quem pagam disimo das sementeiras, que são de grandes milharadas (...)”. Heriarte não

dá maiores detalhes sobre esses ídolos, como a matéria-prima em que foram confeccionados, suas formas, decorações. Desenhos e pranchas estão ausentes da obra. A utensilagem cultural deste autor relacionou de imediato o visto aos aspectos malignos de sua religião. Malgrado o não reconhecimento do valor da cultura ameríndia tapajônica, Heriarte descreve algumas ações que compunham a performance ritual:

Estando maduras as sementeiras, dá cada a um a decima, e tudo junto a mettem na caza em que teem os idolos, dizendo que aquillo He Potaba de Aura, que, na sua lingoa He o nome do diabo; e

d’este milho fazem todas as semanas cantidade de vinho, e à 5ª.

feira de noute o levam em grandes vazilhas a uma eira, que detraz da sua aldeia tem muito limpa e aceada, na qual se juntam todos

d’aquella nação, e com trombetas, e atabales tristes e funestos,

começam a tocar por espaço de uma hora, athé que vem um gradissimo terremotu, que parece que vem derrubando as arvores e os montes, e com elle vem o Diabo e se mette em um corro, que os Indios tem feito para elle, e logo todos com a vinda do Diabo começam a bailar e cantar na sua lingoa, e a beber o vinho athé que se acabe, e com isso os traz o Demonio enganados.

Esse trecho nos apresenta a quantidade de alimento que era dada por cada morador; o possível nome da entidade sobrenatural ou o nome dado ao ritual/oferenda; a periodicidade de fabricação da bebida fermentada de milho; o dia e o período em que ocorria a festividade; o local onde era realizada, os objetos utilizados (vasilhas para o transporte da bebida, instrumentos musicais, como trombetas e atabales); e a duração da cerimônia. O auge do evento seria quando depois de um terremoto aparece o “demônio”

que entra em um tipo de vestimenta preparado pelos indígenas, e em seguida todos começam a dançar, cantar e beber do vinho de milho.

A casa com ídolos onde eram armazenadas temporariamente as cotas de milho de cada indígena poderia ser algum tipo de casa cerimonial. O ritual testemunhado poderia ser uma festividade que ocorre em uma época específica do ano. Referências temporais não foram identificadas para situar o mês em que a expedição de Teixeira esteve em Santarém, entretanto considerando que eles partiram de Gurupá em outubro de 1637, eles devem ter chegado em Santarém nos primeiros meses de 1638, período em que presenciaram um dos rituais indígenas.

No período em que contataram os Tapajó, a região também era habitada pelos grupos Marautus, Caguanas e Orucuzos. As relações político-comerciais com esses outros povos não são esclarecidas. Nem é informada a presença de quais nações indígenas na festividade testemunhada e censurada por Heriarte. Posteriormente, ao comentar sobre os indígenas do rio Trombetas, Heriarte menciona que esses índios juntos com os Tapajó tinham louças cerâmicas em abundância, de boa qualidade e

variedade, que eram comercializadas com “outras províncias por contrato”

(HERIARTE, p.39).

Considerando a hipótese de que alguns exemplares encontrados no registro arqueológico ainda fossem produzidos após o contato, é possível que Heriarte tenha visto as peças mais vistosas, que muitas vezes chamaram a atenção dos portugueses, tanto sendo utilizadas nos contextos cerimoniais quanto as que foram reservadas para o comércio com outros grupos associados políticos e/ou comerciais. Algum tipo de comércio interno também poderia existir, visto que o contingente demográfico da província dos Tapajó aparentava ser elevado pelo que se constata nos números, ainda que possivelmente exagerados, mencionado por Heriarte e pelos outros cronistas que compuseram a expedição de Pedro Teixeira.

Heriarte, assim como vários expedicionários que navegaram o rio Amazonas e seus tributários, utiliza os termos província e principaes para classificar o sistema

político local. Ele menciona que existiam vários principais “(...) em cada rancho um,

com vinte ou trinta cazaes, e a todos os governa um Principal grande sobre todos, de

quem é mui obedecido.”. Novamente considerando a hipótese que durante sua estadia

na província dos Tapajó, os expedicionários de Teixeira apenas conheceram uma ou algumas províncias, a cerimônia relatada por Heriarte ou ocorreu em um local

específico utilizado para a reunião dos membros de cada “rancho”, ou pode ter sido uma

festividade na qual participou um ou apenas alguns “ranchos”.

Seja havendo pouca, muita ou nenhuma forma de relação entre os grupos indígenas relatados pelos cronistas-conquistadores com a sociedade arqueológica encontrada no município de Santarém, os relatos etnohistóricos e etnográficos nos auxiliam a problematizar e refletir sobre as práticas culturais do presente e do passado. As narrativas dos padres jesuítas Bettendorff e João Daniel nos apresentam mais alguns tipos de performances festivas em épocas distintas que nos levam a conhecer as práticas cerimoniais que ocorreram no baixo Tapajós.

Partindo em maio de 1661, o padre luxemburguês Felipe Bettendorff junto com o coadjutor temporal Sebastião Teixeira subiram pelo rio Amazonas rumo ao Tapajós (ARENTZ 2010). Bettendorff chegou na Amazônia Portuguesa devido ao requerimento do padre Antônio Vieira, superior do estado do Maranhão, ao Superior Geral dos jesuítas da necessidade urgente de mais missionários para a nova colônia. A importância do missionário na região do Tapajós reside no fato de ter sido o primeiro "missionário residente" responsável pelo lançamento das bases do futuro aldeamento que veio a se formar. Devido a problemas de depressão, Sebastião Teixeira, coadjutor temporal que acompanhou Bettendorff na primeira viagem ao Tapajós, voltou para Belém, acompanhado pelo jesuíta. O alferes João Corrêa, ex-militar e morador de Gurupá, foi designado como novo auxiliar do missionário jesuíta na missão dos Tapajós. A estadia de Bettendorff na região no entanto foi breve. Quatro meses depois de sua chegada, tomou conhecimento sobre as insurreições que ocorreram em São Luís e Belém devido a lei promulgada em 1655, por iniciativa do padre Antônio Vieira, que restringia o acesso dos colonos à mão-de-obra indígena. Mesmo não tendo saído da colônia Portuguesa no momento da expulsão dos jesuítas do Pará, ocorrida em março de 1662, em julho do mesmo ano, Bettendorff começou a ocupar vários cargos administrativos na Missão do Maranhão e Grão-Pará, primeiramente em Belém depois em São Luís, até o ano de 1693 (ARENTZ 2010).

No ínterim da ida de João Corrêa como novo assistente de Bettendorff até que as notícias da revolta chegassem ao jesuíta, Bettendorff teve a oportunidade de testemunhar algumas festividades dos indígenas (BETTENDORFF 1909). Em uma dessas, as índias levavam vasilhames com bebida alcoólica até o terreiro onde ocorriam suas festividades, e lá, os homens as diziam para ficarem agachadas e com as mãos

sobre os olhos, enquanto um dos feiticeiros falava em uma voz alterada, dizendo representar uma entidade espiritual:

Tinham os Tapajoz um terreiro mui limpo pelo matto dentro, que chamavam Terreiro do Diabo, porque indo fazer alli suas beberronias e danças, mandavam as suas mulheres levassem para lá muita vinhaça, e depois se puzessem de cocoras com as mãos postas deante dos olhos para não vêr, então falando alguns dos seus feiticeiros com voz rouca e grossa lhes persuadiam que esta fala era do Diabo, que lhes punham em a cabeça tudo o que

queriam; assim me affirmou o principal Roque.

(BETTENDORFF 1909, p. 170)

Por meio desse líder indígena, o principal Roque, Bettendorff registrou em seu relato algumas ações que ocorriam nesse ritual: consumo de bebidas fermentadas, incorporação xamânica. Pelo relato, tomamos conhecimento sobre a presença feminina durante as cerimônias, o fato de elas serem instruídas a colocar as mãos nos olhos indica que o testemunho ocular do ritual era proibido, mas como elas não eram mandadas embora ainda conseguiam escutar o que estava ocorrendo. Seria essa uma forma de garantir que as mulheres não espiassem caso fossem mandadas embora? As palavras

ditas por um dos “feiticeiros” seriam dedicadas às mulheres? Ou a todos os presentes no

local, entretanto aos homens era permitido ver o líder espiritual com o ser sobrenatural

incorporado enquanto às mulheres não? Aos escrever que os índios “(...) mandavam as suas mulheres levassem para lá (o terreiro) muita vinhaça (...)” estaria Bettendorff sendo

genérico sobre a presença das indígenas no ritual, ou sem se dar conta relatou um evento

restrito às mulheres “casadas”?

Em seguida Bettendorff registra que um dia viu um aglomerado de homens, mulheres e crianças com potes contendo vinho se dirigindo para um terreiro onde realizariam uma festividade:

Indo eu com elle (o principal Roque) vêr aquelle terreiro, para depois prohibil-o, como fiz, dando-lhes só licença para beber em suas casas, convidando-se alternativamente uns aos outros, aconteceu um dia que vendo eu uma fileira grande de homens e mulheres com seus filhinhos ao collo ou pelas mãos, e igaçabas ou quartas grandes de vinho na cabeça, perguntei ao alferes João Côrrea que cousa era esta procissão de gente, e disse-me elle que eram os indios da aldêa que iam beber e fazer suas danças que chamam poracés no Terreiro do Diabo (BETTENDORFF 1909, p. 170).

Nesse trecho, a presença das crianças junto com suas mães é atestada. Esta festividade poderia ser a mesma, ou até outra diferente da relatada anteriormente na qual as mulheres tinham que ficar com os olhos tapados. Pelo escrito, vemos novamente o consumo de bebidas alcoólicas, que eram transportadas em dois tipos de vasilhames,

denominados de “igaçaba” e “quarta” e a realização de danças que aparentemente se chamavam “poracés”, podendo também ser esse o nome da cerimônia.

Depois de ordenar que o alferes João Corrêa proibisse a ocorrência do evento e, caso necessário quebrasse os potes com vinho, como acabou acontecendo, o jesuíta permitiu apenas aos indígenas continuarem a realizar suas festas em suas casas e com o

consumo moderado de bebidas. A frequentação de qualquer terreiro “do diabo” foi

terminantemente proibida pelo religioso, Bettendorff fala de mais um que existia na mesma aldeia, que os colonos brancos chamavam de “Mofama”. Observa-se com isso, a existência de no mínimo dois locais distintos onde cerimônias eram realizadas.

Anos depois, quando o padre Antônio Pereira era o responsável pela missão de Gurupatuba, atual Monte Alegre, e Tapajós, ocorreu mais uma reprimenda contra as práticas culturais dos indígenas. Desde 1661, quando Bettendorff era o responsável pela missão do Tapajós, ficou sabendo da existência de um corpo mirrado de um antepassado que era guardado debaixo da cumeeira de uma casa, mas nada pôde fazer à época devido ao temor de revolta dos indígenas, que eram em grande número. Entretanto o desejo de Bettendorff foi concretizado por Antônio Pereira que mandou queimar a casa onde ficava esse corpo do antepassado:

Estava o Padre Antonio Pereira por então missionario de Guropatyba e Tapajoz, onde fez uma cousa digna de seu grande zelo e foi esta: que, guardando os indios Tapajoz o corpo mirrado de um de seus antepassados, que chamavam de Monhangarypy, quer dizer primeiro pae, lhe iam fazendo suas honras com suas offertas e dansas já desde muitíssimos annos, tendo-o pendurado debaixo da cumieira de uma casa, como a um tumulo a moda de

caixão, buscou traça lh’o tirar para tirar juntamente o intoleravel

abuso com que o honravam, em descredito de Nossa Santa Fé. Consultada Maria Moacara, pincipaleza da aldêa, com alguns de mór nobreza e christandade sobre o negocio, bem queriam que se tirasse aquelle escândalo, mas receiavam que os índios se amotinassem contra o Padre e se seguisse algum incoveniente maior; porém elle, confiado em Deus que o havia de ajudar, mandou uma noite botar fogo à casa onde estava guardado, com quem ficou queimado e reduzido em cinza.

Novamente devido ao pedantismo europeu que não admitia outras práticas religiosas, os indígenas da missão do Tapajós perderam uma importante

entidade/familiar que a longo tempo deveriam zelar. O “primeiro pai” provavelmente

deveria ficar em um tipo de casa cerimonial, suspenso na cumeeira da casa. A referência de Bettendorff de um “tumulo a moda de caixão” estaria fazendo referência a casa ou algum tipo de recipiente (em cestaria ou cerâmico) onde o corpo do ancestral ficava guardado?

Ao ancestral dessecado eram dedicadas oferendas e danças. A narrativa neste momento não esclarece se o Monhangarypy era levado para fora da casa durante a realização das danças ou se elas ocorriam quer dentro da casa quer nos seus arredores. Se tudo ocorria ao redor da casa, e essa era uma cerimônia que ocorria desde a época em que Bettendorff esteve no comando da missão, então teríamos um terceiro espaço onde ocorriam performances rituais. Comparando todos os exemplos de festividades, neste trecho, diferente dos outros, o jesuíta não menciona o consumo de bebidas alcoólicas.

É curiosa a posição em sua narrativa que foi selecionada para contar sobre o ancestral Monhangarypy: Bettendorff congratulou a atitude do padre Antônio Pereira por ter conseguido destruir o corpo mirrado, enquanto o primeiro missionário não o pode fazer devido ao temor de uma revolta dos indígenas.

Sentiram os indios Tapajoz isso por extremo, porém vendo que já não tinha remedio, aquietaram-se por medo dos brancos, que conheciam tomar em bem o que o Padre missionário tinha obrado. Folguei eu muito quando me chegou a noticia daquella tão generosa acção, porque desde o anno de 1661, em que eu tinha sido missionário, primeiro, entre os Tapajoz e feito sabedor daquelle corpo mirrado, sempre tive desejo de consumil-o, e então o fiz, porém, por não ter tempo commodo de o poder executar, pois estava por então aquela aldeã povoadissima de índios, que não convinha alterar logo em aquelles primeiros pricipios.

Se Antônio Pereira não tivesse agido dessa forma teria Bettendorff mencionado sobre o antepassado junto com as outras menções sobre as práticas cerimoniais dos indígenas do Tapajós? Quantas informações podem ter sido selecionadas, incluídas e excluídas, conforme o desejo de montar a história de vitória e provações da missão civilizatória catequizante dos europeus? Malgrado as omissões, mesmo quando alguns eventos eram relatados, nem sempre as informações eram detalhadas.

O último relato que apresenta informações sobre práticas rituais entre os Tapajó é de autoria do padre João Daniel, que esteve no Estado do Maranhão e Grão-Pará por

aproximadamente 35 anos e que deixou vários manuscritos com dados geográficos, etnográficos, culturais, econômicos, políticos e teológicos (SANTOS 2007). Apesar da variedade temática, o bordão na obra do jesuíta é a defesa dos feitos realizados pelos missionários da Companhia de Jesus, tudo isso em decorrência das inúmeras críticas que surgiram contra a companhia a partir do século XVI.

João Daniel (1976) transpõe para sua crônica o relato de algum missionário, não nomeado, sobre a permanência de práticas idolátricas antigas entre os indígenas da missão do Tapajós:

Lia o missionário em Avendanho, e achou nele esta proposição – que os índios também idolatavam em ídolos, e que com muita dificuldade largavam os ritos, e costumes de seus avuengos: Quis o missionário indagar a verdade e chamando alguns índios, que julgava mais fiéis, lhe fez uma prática doméstica sobre a obrigação, que todos temos de adorar a um só Deus, mas que lendo aquela proposição desconfiava, que eles adoravam alguns ídolos; e assim que lhes descobrissem a verdade do que havia, se eram verdadeiros católicos. Responderam os índios que na verdade adoravam a alguns corpos, e creaturas, e que os tinham