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3.4. A memória em cada feição: comparação inter-bolsões

3.4.3. Bolsão F6

Por último, temos o bolsão que mais apresentou características distintas em relação aos outros três. Como foi visto na descrição das escavações, acima deste bolsão havia uma camada mais espessa de aterro misturada à terra preta, portanto há mais evidências dos processos pós-deposicionais. Na topografia do terreno é possível verificar essa tendência de ao sul haver maiores perturbações recentes visto a declividade em direção ao norte de aproximadamente 60cm.

Exatamente por isso, os contornos só ficaram bem delimitados aos 60cm, mas grande quantidade de material arqueológico antigo, inclusive bastante decorado, já era perceptível desde dois níveis anteriores. Dessa forma, o bolsão F6 iniciou possivelmente aos 40cm e terminou aos 110cm, portanto com uma profundidade de 70cm, o que resulta em um volume de aproximadamente 527 litros, portanto o com menor volume.

Neste bolsão, mais de 95% do material é representado por fragmentos cerâmicos (2.606 exemplares)51. Ainda que mais distante dos outros três bolsões, há grande semelhança em relação ao tipo de material cerâmico depositado: predominância de fragmentos com decoração cromática, principalmente vermelha; fragmentos de estatuetas; de tigelas com borda extrovertida e base anelar52. A diferença observada está na porcentagem de material diagnóstico53 em relação à quantidade total, que foi superior à dos outros três bolsões.

Este bolsão apresenta a menor quantidade de material lítico, na camada de aterro foi encontrada uma quantidade ínfima de material arqueológico indígena. Este só se torna numericamente mais expressivo a partir do quinto nível, com quantidade máxima no sexto nível, que possivelmente seja o segundo nível do bolsão (Quadro 40). Com isso, o F6, assim como os bolsões F3 e F5, tem maior quantidade de material lítico

51 Os dados do material cerâmico para este bolsão foram obtidos a partir da planilha de análise feita pela

equipe de laboratório do Núcleo de Pesquisa e Ensino em Arqueologia da UFPA

52

Nomenclatura e exemplares semi-inteiros presentes em Gomes (2002)

53 O material diagnóstico foi definido como aqueles que podem conter informações sobre a morfologia e

estilo cerâmico (SCHAAN 2012) e são: rodela de fuso; estatueta, fragmentos de corpo com decoração; bordas e bases com ou sem decoração; alças, apêndices, apliques; fragmentos de carena; e fragmentos de forma exótica

depositado no seu segundo nível, enquanto para o F4 isso parece ter ocorrido no primeiro nível do bolsão.

Quadro 40 - Distribuição por nível dos vestígios líticos no bolsão F6

Apesar da pouca quantidade de artefatos líticos, nesse bolsão, o material é o mais pesado, devido à presença de três bigornas no sexto, oitavo e décimo níveis, um deles também apresentando cúpula de polimento, e peso de 1,3Kg . Em decorrência desse material, o F6 tem o maior peso de material lítico e maior média de peso por fragmentos, tanto que, nos níveis onde as bigornas não ocorrem, o peso do material lítico é significantemente inferior e formado principalmente pelo material lascado (Quadro 41)

Quadro 41 - Peso por nível dos vestígios líticos no bolsão F6

Assim como nos bolsões F4 e F5, no F6 ocorreram líticos polidos, no sexto, sétimo e nono níveis, sendo duas lâminas de machado inteiras e o artefato cilíndrico em arenito mostrado anteriormente (Figura 29). As duas lâminas machados são pequenas, uma com 5,5cm de comprimento, 3,8cm de largura e 0,85cm de espessura, enquanto a outra apresenta dimensões de 5,5x5,25x2,3cm (Figura 33).

A quantidade de calibradores foi a menor de todos os bolsões. No que diz respeito às suas dimensões de comprimento e largura, não existe uma significante

concentração em um mesmo intervalo métrico, como acontece no F3 e F5, os mesmos estão mais dispersos, principalmente acima de 2cm de largura e comprimento (Gráfico 28).

Gráfico 28 - Comprimento e Largura dos calibradores do bolsão F6

As lascas inteiras também não apresentam concentração em um mesmo intervalo e todas possuem dimensões acima de 1cm de comprimento e largura (Gráfico 29), não fazendo parte portanto do intervalo mais recorrente das lascas de todos os bolsões, pelo menos no quesito da largura, portanto nesse bolsão as lascas inteiras são todas mais largas. Foram apenas 14 lascas inteiras, entretanto o F6 apresenta a maior proporção de lascas inteiras pelo total de lascas, que estavam localizadas do quinto ao oitavo nível.

Gráfico 29 - Comprimento e Largura das lascas inteiras do bolsão F6 0 2 4 6 8 10 12 0 2 4 6 8 10 Com p ri m en to (c m ) Largura (cm)

Calibradores Bolsão F6

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 Co m p ri m e n to (c m ) Largura (cm)

Lascas Bolsão F6

Todas as lascas inteiras são em sílex, mas neste bolsão também se observam como matéria-prima o quartzo, a calcedônia e o arenito, um exemplar de lasca para cada caso. Todos os cinco instrumentos e três possíveis instrumentos são em sílex, apenas um deles é mais comprido com 4,13cm de comprimento, 1,7cm de largura e 0,8cm de espessura.

Em relação às cores do material em sílex foram identificadas entre as cores primárias 16 tipos de cor em 52 lascas. No F6, a quantidade de lascas Marrom Escuro Amarelado é aproximada do Marrom Escuro Brilhante. Apenas três das cores principais encontradas em todo o material lítico são numericamentes relevantes nesse bolsão, além de que duas dessas cores principais estão ausentes no bolsão F6 (Quadro 42)

Qt. no F6

Black 1

Dark Yellowish Brown 1 Light Yellowish Brown 1

Pink 1

Reddish Brown 1

Very Pale Brown 1

Marrom 2 1

Marrom Vinho 1

Reddish Black 2

Marrom 1 3

Very Dark Brown 3

Yellowish Brown 4

Marrom muito Escuro Brilhante 5 Marrom Escuro Brilhante 7 Marrom Escuro Amarelado 8

Total das principais cores 52

Quadro 42 - Cores das lascas em sílex bolsão F6

A variedade de cores dos núcleos é menor ainda, sendo três núcleos Marrom Escuro Amarelado, um Very Dusk Red e duas lascas que a cor principal misturava Marrom 2 com cores mais amareladas. Apenas dois dentes de ralador foram

encontrados no bolsão F6, um Marrom Escuro Amarelado e um Very Dusk Red. Ambos com dimensões destoantes do predominante nos dentes de todos os bolsões e também dos dentes etnográficos. O dente de dimensões 2x0,3x0,13cm tem ambas as faces planas, bordo retilínio com retoque unipolares e o bordo convexo com retoque bipolares. Já o outro dente com 1,3cmx0,85x0,35cm tem um bordo convexo sem retoque, e o outro sinuoso com retoque unipolares, apenas nesse a lateral retocada não é contínua.

Vê-se com todos esses dados que, apesar de muitas semelhanças no material presentes nos quatro bolsões, em cada um deles é possível observar algumas características específicas. Temos portanto modos de depósito semelhantes em um mesmo espaço em períodos diferentes, mas aproximados. Propõem-se por último refletir em conjunto sobre várias questões levantadas nessa dissertação que envolvem as ações responsáveis pela formação do registro arqueológico.

Conclusão

Um banquete lapidoso?

Minhas reflexões finais iniciam questionando em certo sentido o título desta dissertação. Se desde o início havia dúvidas sobre a procedência ritual do material, com a leitura de autores como Bell (2009) e seu conceito de ritualização que dá ênfase nas ações realizadas, que, quando ritualizadas, se distinguem das demais. Portanto, para os bolsões, optou-se por interpretar esses depósitos como frutos de ações ritualizadas, pois como demonstrado eles não deixam de ser um "banquete" descartado dentro de buracos. Reformulando o título, portanto, temos um banquete lapidoso de contextos ritualizados no sítio Porto de Santarém.

Nesse sentido, uma das perguntas levantadas no início do primeiro capítulo (se o material lítico não teria sido propositalmente colocado nos bolsões, mas já faria parte do que estava no subsolo onde os buracos foram escavados) nos parece ter sido esclarecida ao observarmos no segundo e terceiro capítulo que na área fora dos bolsões há pouca quantidade de material arqueológico. Além disso, a ação ritualizada de produzir os bolsões também se mostra diferente de outras ações de enterrar objetos, devido à grande concentração de material dentro dos bolsões que não ocorreu, por exemplo, nos casos de vasilhas que foram depositadas na área 2 do sítio Porto.

À primeira vista, parece natural achar que nos bolsões há lixo ritual. Salta aos olhos os tipos de decorações encontrados nos fragmentos cerâmicos. E, comumente na arqueologia, tudo o que era mais bonito ou estranho foi chamado de ritual. Ainda por cima, as informações existentes de viajantes que passaram por essa área falam de uma sociedade aparentemente estratificada, numerosa e em redes comerciais de longa distância. As descobertas e pesquisas arqueológicas reforçam que essa sociedade possivelmente habitaria uma vasta área, e que essa ocupação durou por muito tempo. Além disso vários artefatos "rituais" foram encontrados. E nos modelos antropológicos, os rituais são formas de reforçar o poder dos líderes (BELL 2009), enquanto nos arqueológicos, rituais, grande densidade populacional, formas de simbolismo e arte, entre outros, são indicadores de sociedades complexas. Conjugando todos esses dados, no final, os Tapajó foram interpretados como uma sociedade complexa e hierárquica (ROOSEVELT 1993)

Independentemente de serem ou não serem complexos, hierárquicos ou heterárquicos (ROOSEVELT 1999), não há maiores evidências de que o material mais decorado só era utilizado em rituais. Pelo menos no que diz respeito à sua distribuição espacial e aos tipos de contextos em que aparecem, foi possível observar nas áreas escavadas no sítio Porto que o mesmo tipo de material cerâmico decorado e "ritual" pode ser encontrado dentro e fora de feiões, ou seja diferentes tipos de "tecnologia de deposição". Logo, se ambos são rituais, suas "ritualidades" parecem diferentes, já que o presente fora dos bolsões estava associado juntamente com a cerâmica de características "domésticas". No que tange ao lítico, vemos nos bolsões o mesmo material "doméstico" presente fora deles, e só em alguns casos relacionado com lítico "ritual", portanto, a "domesticidade" dos líticos também é distinta em cada contexto. Por último nos vários casos de bolsões encontrados, ora a "ritualidade" parece se destacar, ora a "domesticidade", ora os dois tipos parecem interlaçados. Mas se não considerarmos apenas as características dos objetos depositados, e refletirmos primeiramente no ato de enterrar em buracos os materiais, em todos os casos teríamos ações ritualizadas. Partindo desse ponto comum e seguindo posteriormente para os objetos nos buracos, é possível pensar que cada feição encontrada parece ser fruto de ações ritualizadas diferentes.

Assim, por serem ações ritualizadas nos pareceu mais adequado utilizar o termo depósito ao invés de descarte. Visto que descarte está mais relacionado com o fato de um objeto que concluiu a sua função e por isso foi descartado, entretanto, não está claro se os objetos nos bolsões tiveram a sua função finalizada. Algum propósito parece existir ao enterrá-los ao invés de apenas removê-los do caminho de circulação. Logo esses depósitos podem ter algum significado, de forma similar aos sepultamentos funerários.

No sítio Porto de Santarém, vários tipos de feições arqueológicas foram encontradas em diferentes espaços. Na área cujo contexto foi analisado nesta dissertação, temos a presença de quatro bolsões com maior concentração de material arqueológico em comparação às demais unidades escavadas no entorno. O período de provável produção desses bolsões se situa entre os séculos XIV e XV A.D. Três de quatro desses bolsões estavam bem próximos. Tudo isso levanta questões, que não puderam ser aqui respondidas, em relação a se esses buracos foram abertos ao mesmo tempo, se eles ficaram por algum tempo abertos, se eles possuíam alguma forma de

demarcação, ou seja qual a relação desse material mesmo depois de descartado no contexto sistêmico do sítio?

Só sabemos que não houve sobreposição desses bolsões e que, em cada um deles, é possível observar uma recorrência interna no tipo de material depositado. Para os artefatos líticos, no bolsão F3 houve a deposição da maior quantidade de dentes de ralador, de material lascado de menores dimensões, tanto as lascas quanto os dentes de ralador, este ainda foi o bolsão cujos contornos variaram menos ao longo da estratigrafia. No que foi possível se atribuir ao F4, vemos menor quantidade de material lítico, mas uma grande quantidade de fragmentos cerâmicos, com destaque para uma estatueta feminina e uma masculina. Já para o bolsão F5, temos uma grande quantidade de material lítico, que com certeza é ainda maior, conforme nossas estimativas para o material presente na unidade entre bolsões, apesar disso, temos uma menor variação de cores nesse bolsão do que a observada para o F3. Para o F5, damos ainda destaque para o material lítico polido, principalmente ao alargador e ao muiraquitã, ambos em pedra. Por último o bolsão F6, o mais ao sul e separado do conjunto, teve o contexto pós- deposicional moderno mais conservado, com isso o bolsão estava em níveis mais profundos, apresentou ainda a menor quantidade de material lítico, mas bastante cerâmico. Contudo, no F6, a amostra dos líticos foi a mais pesada devido à presença de três bigornas.

Como característica geral dessa indústria lítica, temos entre o material lascado, objetos pequenos, fragmentados, a maioria sem marcas de retoque ou de uso, indicando assim serem provavelmente apenas o produto não aproveitado do lascamento de algum outro tipo de artefato. Como matéria-prima, a mais recorrente foi o sílex, esse apresenta predominância da cor designada como Marrom Escuro Amarelado, que foi a de maior ocorrência em todas as categorias de lítico lascado: lascas, núcleos, instrumentos simples e dentes de ralador. Com isso, infere-se que os Tapajó tanto poderiam ter maior e mais facilitado acesso à fonte de matéria-prima com sílex dessa coloração, ou mesmo, a despeito das possíveis dificuldades, cores desses tipos foram preferidas e buscadas por essa população. Também se observa entre os fragmentos de calibradores um "baixo" aproveitamento, tanto em relação à quantidade de sulcos produzidos em uma das faces dos suportes, quanto em relação ao total de faces utilizadas. Também em alguns fragmentos desses calibradores foi observado um polimento anterior à produção dos sulcos, que pode ser consequência da peça ter sido utilizada primeiro como polidor plano e depois como calibrador.

Os polidores em cúpula sugerem a ocorrência nesse setor do sítio da atividade de polimento das faces de lâminas de machado, que poderia ser tanto de lâminas que ainda estariam em processo de fabricação, quanto das já prontas que por algum acidente ou mesmo por desgaste, precisavam de um repolimento. Enquanto as bigornas do tipo quebra-coquinho indicam o preparo e/ou consumo de frutos palmáceos. Alguns tipos de artefatos entretanto apresentam funções desconhecidas, a exemplo dos aqui classificados como polidores manuais, mas apresentam similaridades em relação a sua morfologia. Todos esses artefatos novamente sugerem que nessa área do sítio ocorreram distintas atividades, algumas de caráter aparentemente mais "doméstico", e que os vestígios dessas atividades "domésticas" foram depositados também nos bolsões.

Quando foi possível verificar a técnica de lascamento predominante, têm-se em primeiro ligar o uso da percussão sobre bigorna, seguida pela percussão direta dura. Viu-se ainda que instrumentos, como os dentes de ralador, tiveram suas lascas suportes produzidas por ambas as técnicas, já os retoque, quando realizados nos bordos dos dentes, foram provavelmente feitos sobre bigorna. A análise dos retoques nas laterais desses artefatos permitiu observar que há casos em que os dentes não receberam os retoques contínuos e abruptos depois da fratura dos bordos da lasca, também há variação no perfil dessas laterais, que predominantemente são biconvexas, convexa- sinusosa ou convexa-retilínia. Houve ainda variação no perfil das faces dos dentes, que majoritariamente apresentam pelo menos uma face plana.

Os chamados "dentes de ralador" se foram de fatos utilizados para tal função, ainda não foram encontrados em grande quantidade, o que sugere que um ralador inteiro não foi descartado, mas algumas pesquisas que observaram o uso de raladores em contextos etnográficos comentam o uso de raladores sem alguns dos seus "dentes". Há ainda a possibilidade de tais tipos de instrumentos terem sido utilizados em outros tipos de artefatos compósitos, nesse sentido é curioso que nos bolsões, em pelo menos um dos níveis estratigráficos, mais de dez dentes foram encontrados em uma mesma quadrícula.

Entre o material polido, foram encontradas lâminas de machado, fragmentadas e fragmentos, um objeto cilíndrico de função desconhecida, e adornos do tipo muiraquitã e alargador. Apenas com as lâminas de machado encontradas no sítio Porto, temos poucas referências em relação à variedade morfológica desse tipo de material, mas, por meio de outras coleções, como a de Nimuendajú no museu de Gotemburgo, sabemos que na região existem diferentes tipos desses artefatos. Para o objeto cilíndrico, outros

similares já foram encontrados no Porto, algum deles pareciam ter sulcos produzidos intencionalmente, talvez para auxiliar no encabamento. Para os muiraquitãs, alguns relatos etnográficos mencionam seu uso como pingentes, e em uma estatueta tapajônica também é possível ver o seu uso como adorno para o cabelo. Nas estatuetas também se verifica o uso e sugestão de uso de alargadores, tanto nas masculinas como nas femininas.

Dessa forma, observa-se, que, pelo menos para a maioria dos artefatos líticos, esse material provavelmente não é uma oferenda ritual, pelo menos não no sentido de algo que foi criado exclusivamente para ser ofertado já que se encontram quebrados e apresentam marcas de desgaste que sugerem uso. Voltamos então para um dos pontos mais destacados nessa dissertação: a forma como esse material foi depositado. Van Velthem (2003) nos relata as práticas de descarte dos Wayana. Na concepção desse grupo, cada objeto tem seu local e modo de descarte específico conforme o contexto em que foi utilizado. Todo o tipo de atividade tem um local específico para ser realizada, nesses espaços estão em jogo fatores de ordem econômica, históricos e cosmológicos que irão influenciar nas escolhas. Assim a disposição de panelas com objetos deletérios e o descarte de alguns objetos de pessoas mortas só podem ser feitos bem longe da aldeia, para além da periferia residencial, enquanto cestos e outros objetos para transportes são deixados para "apodrecer no local de pescar". Já os objetos incombustíveis dos mortos devem "apodrecer na água". Curioso, portanto, observar que cada tipo de descarte apresenta um nome específico, conforme o local em que os objetos são deixados para apodrecer.

Se assumirmos que o pensamento Wayana para o descarte dos objetos é tão válido quanto a concepção ocidental, que comumente utilizamos, podemos tomar esse exemplo como modelo reflexivo para nos questionarmos sobre as formas de tratamento final da cultura material. É possível observar que para os Wayana, a noção que temos de lixo não ajuda a explicar as escolhas dos locais onde cada grupo de artefato precisa ser "descartado". Os objetos, para esse grupo, possuem diferentes agências e por isso possuem lugares específicos para "apodrecer", morrer adequadamente e controladamente, sem maiores riscos para os Wayana.

Se queremos destacar a ação de escavar os bolsões e nesse buraco descartar determinados materiais, então, mesmo que os artefatos cerâmicos não tivessem decoração e em nenhum dos bolsões surgissem adornos líticos, ainda assim teríamos uma ação ritualizada. Com isso, contextos encontrados no sítio Porto dentro da UFOPA

(GOMES, LUIZ 2013) em que uns foram interpretados como bolsões e outros como lixeiras são igualmente ritualizados devido ao tipo de tratamento que receberam, já as diferenças em relação ao conteúdo interno aos bolsões precisa ser melhor compreendida e interpretada com base em outros elementos que não partam à priori que material decorado é necessariamente de uso ritual.

Diferentes contextos ameríndios estudados (LAGROU 2009; VIVEIROS DE CASTRO 2002; SILVA 2013) nos mostram que a oposição entre artefatos de uso ritual e de uso cotidiano parece inadequada e inoperante, visto que muitas "coisas" que qualificaríamos como de "uso cotidiano" e "não ritual", como tipitis, redes de dormir e flechas para caçar, estão imersas em tramas simbólicas e na relação com outros seres, naturais e sobrenaturais.

Temos, portanto, a partir das várias leituras feitas, que englobam ações ritualizadas (BELL 2009), interpretações sobre contextos arqueológicos similares (BAUDEZ 1999; STANTON, BROWN, PAGLIARO 2008; WALKER 1995, entre