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3.4. A memória em cada feição: comparação inter-bolsões

3.4.1. Bolsão F3

O bolsão F3 encontra-se em proximidade a outros dois bolsões, sendo o localizado mais à oeste deste conjunto. Não é possível definir com muita certeza o início da feição47, apesar de no segundo nível ainda haver a presença de material arqueológico recente, a quantidade de material antigo já era significativa, e em parte dessa feição, o solo ao redor já começou a clarear a partir dos 10cm de profundidade. O mesmo se pode dizer em relação ao final desse bolsão. Uma mancha contínua pode ser observada até aproximadamente os 120cm, entretanto, alguns centímetros abaixo havia ainda uma mancha com coloração semelhante a do final do bolsão, assim como ainda ocorreu material arqueológico até os 137cm. Dessa forma, o bolsão F3 se iniciou possivelmente entre os 10/20cm e terminou entre 120/137cm, com uma profundidade variando entre 100-127cm, e possui raio de 77,5cm, o que resulta em um volume variando entre 1.257-1.515 litros48.

Comparando-se os três bolsões adjacentes, podemos destacar como características específicas do F3 primeiramente sua profundidade. Nele, o material cultural persistiu em níveis mais profundos, tanto um solo mais escuro quanto o material lítico e cerâmico. Seus contornos também variaram menos, como se pode ver no perfil, o que sugere que ele sofreu menos perturbações. No perfil também ficou visível uma variação mais definida no solo interno do bolsão, ainda que variações nas cores terem sido percebidas para os outros bolsões durante as escavações, as mesmas não ficaram tão claras nos seus negativos nas paredes. Seu diâmetro máximo (155cm) também foi ligeiramente superior ao dos demais bolsões.

Grande quantidade de fragmentos cerâmicos com menos de 3cm de largura e comprimento neste bolsão (SILVA 2016). Em comparação com os outros, o F3 é o que apresenta maior quantidade desses micro-fragmentos e também onde o peso/quantidade de fragmentos deu menor valor, indicando que majoritariamente os micro do F3 são mais leves e menores. Em relação as decorações, no F3, assim como nos demais bolsões predominaram os fragmentos com decorações cromáticas, principalmente monocrômicas e da cor vermelha. Junto com o bolsão F5, foi um dos que havia mais fragmentos decorados com motivos crômicos e plásticos. Nele, ainda foram observados

47 Considerando as modificações na estratigrafia ocasionadas pelas atividades contemporâneas no sítio, o

início de todos os bolsões inclusive poderia está em níveis superiores, que foram retirados.

48

Os cálculos de volume, assim como comentado para a comparação da quantidade de material em toda a área, são incertos, pois poderia haver continuação do bolsão na camada de terra preta retirada da área.

diferentes tipos de vasos conhecidos através das peças museológicas inteiras e semi- inteiras presentes em catálogos (GOMES 2002). Foram reconhecidos fragmentos de vaso de gargalo, cariátide, globular, prato e tigelas.

Esse foi o bolsão com maior quantidade de dentes de ralador, que ocorreram em maior quantidade no terceiro e quarto níveis, a distribuição na estratigrafia desse tipo de vestígio é quase contínua, estando ausente no décimo nível. É curioso observar algumas aparentes concentrações internas dentro do bolsão, apesar de em campo não ter sido possível identificar os dentes de ralador e observar assim como estavam associados, no terceiro nível escavado, dos 27 dentes encontrados nesse nível, 21 estavam localizados no canto noroeste da feição. O bolsão F3 foi o único no qual nenhum artefato polido foi identificado (Quadro 25).

Quadro 25 - Distribuição por nível dos vestígios líticos no bolsão F3

Os artefatos passivos apareceram continuamente até o oitavo nível, principalmente em relação aos calibradores, que representam 71% dos instrumentos passivos. Artefatos passivos como polidores em cúpula, só ocorrem associados aos polidores planos (três exemplares). Para o polimento das lâminas de machado, os polidores em cúpula são associados ao delineamento das faces da lâmina de machado (ROSTAIN & WACK 1987), entretanto neste bolsão nenhuma lâmina de machado foi encontrada, na verdade nenhum tipo de artefato polido, o que sugere que o artefato que foi produzido foi descartado em outro lugar. Outra possibilidade é de que as cúpulas não foram produzidas pelo polimento de um outro objeto, mas podem ser decorrência do uso como mó, apesar de não terem sido observados macrotraços como estrias. De qualquer forma, é curiosa a associação de polidores em cúpula com os planos, sendo que as cúpulas sempre ocorrem em uma face e a parte plana polida na outra.

Ainda em relação aos artefatos passivos duplos, outras associações foram de polidores planos-calibradores (quatro exemplares), e polidores-manuais-calibradores (dois exemplares). Todos os polidores plano-calibradores apareceram entre o quarto e quinto nível, enquanto os polidores manuais-calibradores ocorreram todos no canto sudeste do bolsão, no terceiro e sexto nível. O bolsão F3 é o que apresenta maior quantidade de polidores manuais, todos fragmentados. Refletindo novamente sobre quais cadeias operatórias esses polidores poderiam estar associados, autores como Prous e colaboradores (PROUS et al. 2002), assim como Versteeg e Rostain (1999) mencionam o uso de polidores manuais para a produção de reentrâncias e depressões em lâminas de machado. Quase todos os polidores manuais parecem ter a mesma morfologia, que pode estar associada com os objetos que estavam por eles sendo polidos.

Este bolsão, assim como o F5, apresenta vários calibradores que estão entre 2cm de comprimento e 2cm de largura (Gráfico 18), além de uma segunda concentração entre 2-3cm de largura e 2-3,5cm de comprimento. Ambos bolsões também são os que apresentam o maior número de calibradores com espessura igual ou inferior a 1cm.

Gráfico 18 - Comprimento e largura dos calibradores do bolsão F3

A partir dos dados possíveis de se comparar, aparentemente, no bolsão F3 a maioria dos calibradores tinham as menores dimensões, visto que a média do peso por fragmentos foi a que obteve o menor valor (Quadro 26). Em relação a quantidade de

0 2 4 6 8 10 12 0 2 4 6 8 10 Co m p ri m e n to (c m ) Largura (cm)

Calibradores Bolsão F3

faces trabalhadas, esse bolsão, assim como os demais, teve sulcos produzidos majoritariamente em uma face.

Quadro 26 - Peso por nível dos vestígios líticos no bolsão F3

No que diz respeito ao material lascado, este bolsão foi o que apresentou mais artefatos em calcedônia (28 exemplares), distribuídos entre o primeiro e décimo primeiro níveis, estando ausente no sexto nível, e com 50% desses entre o quinto e oitavo nível. Igualmente, entre o total de material lascado em quartzo, o F3 foi o que apresentou maior quantidade (24 exemplares), que estão distribuídos entre o primeiro e décimo terceiro nível, estando ausente nos níveis seis, oito e dez. O sexto nível desse bolsão apresenta 38 lascas e um núcleo, todos em sílex. A calcedônia representa 2,3% do total de lítico lascado desse bolsão, enquanto o quartzo representa 2%.

No que tange as técnicas de lascamento, no bolsão F3 foi encontrada a única lasca existente na amostragem que apresenta lábio, que estava no nível 13, entretanto por ser um único exemplar não é possível garantir que seja percussão macia. A percussão sobre bigorna aqui, assim como nos demais bolsões, foi a predominante. Avaliando o grau de integridade do material e sua ocorrência estratigráfica, as lascas inteiras estão presentes do primeiro ao nono nível, principalmente no segundo, terceiro e sétimo nível. Observa-se que o F3 tem mais lascas bastante estreitas, abaixo de 0,5cm de largura, que também são pequenas (entre 0,6cm e 1,5cm de comprimento). Aproximadamente 59% das lascas inteiras tem comprimento inferior a 1,5cm e 1cm de largura (Gráfico 19). Em termos proporcionais, este bolsão é o que apresenta as menores lascas inteiras.

Gráfico 19 - Comprimento e Largura das lascas inteiras do bolsão F3

No F3, ocorreram 80 lascas com marca de retoque ou possíveis marcas de uso, a maioria (50 exemplares) sendo possíveis instrumentos, nos quais se observaram micro- negativos nos bordos, desses 42 eram lascas fragmentadas, 27 das quais estavam quebradas tanto no comprimento quanto na largura. Os possíveis instrumentos foram lascados em quantidades semelhantes para a percussão sobre bigorna (12 exemplares) e percussão direta dura (10 exemplares). O mesmo sendo observado para os instrumentos com marcas clara de retoque (32 exemplares), que tiveram número de lascas idênticas lascadas por essas técnicas (7 instrumentos para cada uma). Possíveis instrumentos foram encontrados em todos os níveis, enquanto os instrumentos estavam presente do segundo ao nono nível.

Maior variedade de cores entre o lítico feito em sílex está presente no F3, tanto para as lascas, quantos os núcleos e dentes de ralador. Para as lascas temos 40 monocores predominantes, além do conjunto representado por cores misturadas; dos núcleos há 7 monocores, e entre os dentes há 20 monocores e o conjunto de cores misturadas. Para as lascas, as cores que aparecem estão inclusas nas predominantes nos quatro bolsões (Quadro 12), mas em ordem de relevâncias diferentes, sendo a Marrom Escuro Amarelada a de sempre maior ocorrência, entretanto nele lascas da cor Marrom Amarelado aparecem em baixa frequência, enquanto lascas Marrom Vermelho e Marrom 2 existem em grande quantidade no F3, no entanto esta cor não foi tão significativa em todos os bolsões (Quadro 27). Na tabela geral de cores, a cor "Very

0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 Co m p ri m e n to (c m ) Largura (cm)

Lascas Bolsão F3

Dusk Red" aparece como a quarta mais relevante, tendo 166 exemplares em sílex, dos quais 55% foram encontrados no F3.

Qt. no F3 % no F3 Classificação da cor na tabela geral

Yellowish Brown 39 3,5 6º

Dark Yellowish Brown 45 4 8º

Very Dark Brown 49 4,4 5º

Marrom 2 53 4,8 -

Marrom Vinho 60 5,4 -

Marrom Escuro Brilhante 81 7,3 3º

Very Dusk Red 87 7,8 7º

Marrom muito Escuro Brilhante 97 8,7 2º

Marrom 1 107 9,6 4º

Marrom Escuro Amarelado 189 17 1º

Total das principais cores 807 72,5

Quadro 27 - Cores predominantes nas lascas do bolsão F3

Como poucos foram os núcleos encontrados, o rol de cores dessa categoria de artefato é bem inferior, incluindo, no entanto, várias das principais lascas, além de algumas outras (Quadro 28). Uma amostra maior, dependendo do seu espectro de cores, talvez pudesse sugerir se uma determinada tonalidade de sílex poderia estar sendo lascada longe de seu local de produção, uso ou descarte. Nesse sentido, se tivéssemos, por exemplo, uma grande quantidade de lascas Marrom 2, mas poucos ou nenhum núcleo desse tipo, poderíamos pensar nessas diferenças espaciais. A amostra do F3, não obstante, é insuficiente para isso.

Qt.

Marrom Escuro Amarelado 1 Very Dusk Red 1 Very Dark Brown 1

Marrom 1 2

Dark Yellowish Brown 2 Very Pale Brown 2 Yellowish Brown 2

Total 11

Já os dentes aparecem em maior quantidade e maior variedade de cores: 20 exemplares um tipo de cor predominante (monocrômico) e o conjunto representado por mistura de cores (policrômico)49. Entretanto dez dessas cores apresentam apenas um exemplar, sendo que as com maior quantidade de representantes são o Marrom muito Escuro Brilhante (13 dentes) e o Marrom Escuro Amarelado (16 dentes). Observa-se assim, que mais de 80% dos dentes Marrom muito Escuro Brilhante da amostra de todos os bolsões foram encontrados no F3. Por serem as cores com maior quantidade, tentou- se verificar se haveria alguma diferença nas dimensões dos dentes com cores distintas, mas tal diferença aparentemente não existe.

Dos 77 dentes de ralador encontrados no F3, um é em calcedônia, quatro são em quartzo e os demais 72 em sílex. Quando foi possível observar a técnica de percussão utilizada na lasca suporte que foi feito o dente, se observou a percussão direta dura em cinco exemplares e a percussão sobre bigorna em 27 dentes. Nesse bolsão estão os menores dentes de toda a amostra. Observa-se ainda uma grande concentração (mais de 60% dos dentes do F3) no intervalo entre 0,6-1,1cm de comprimento e 0,2-0,4cm de largura (Gráfico 20), portanto mais próximos dos dentes etnográficos mencionados anteriormente.

Gráfico 20 - Comprimento e Largura dos dentes de ralador do bolsão F3

49 Nesses tipos de artefatos não foi possível destacar uma cor predominante para classificá-los na

nomenclatura criada para a análise, assim, devido a ausência de padrão, além da baixa representatividade os mesmos não foram classificados com nomenclaturas específicas

0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Co m p ri m e n to (c m ) Largura (cm)

Dentes Bolsão F3

A espessura dos dentes do F3, assim como dos dentes em geral, predomina entre os intervalos de 2-2,9cm (31 exemplares) e 3-3,9cm (28 exemplares) , havendo dois dentes mais "espessos" de 5,5cm e 6cm devido a presença de cristas em uma das faces. Na morfologia das faces (Quadro 29), assim como na caracterização geral, predominam os dentes com ambas as faces planas e plana-convexa, isso também porque os dentes da F3 constituem quase 54% do total de todos os bolsões, nesse sentido ao observarmos a representatividade dos exemplares desse bolsão em relação aos demais, vemos que os a maioria dos dentes com faces planas fazem parte do bolsão F3, visto que representam mais de 68% desse tipo de faces, enquanto os de faces plano-convexa mais de 52%

Quantidade

Convexa Sinuosa Côncava Plana Crista

Convexa 5 7 6 18 0

Sinuosa - 1 0 6 0

Côncava - - 0 1 0

Plana - - - 26 7

Quadro 29 - Morfologia das faces dos dentes do bolsão F3

Apenas sete dos dentes tem perfil curvo, todos encontrados na porção noroeste do bolsão no terceiro, quinto, oitavo, nono e décimo primeiro níveis. Há seis dentes que não apresentam retoques em um dos bordos, 24 com retoques unipolares em ambos os bordos e dez com retoques bipolares nos dois bordos, ou seja, a maioria dos dentes combinam retoque unipolares e bipolares. Há quatro dentes que apresentam um dos bordos côncavos e sempre com retoque unipolares neles, também há uma predominância de retoque unipolares quando os bordos são sinuosos.. A maioria dos dentes (55 exemplares) apresentam retoques contínuos em ambos os bordos, enquanto 13 dentes apresentam continuidade nos retoques em pelo menos um dos bordos. Também em 55 dentes se observa apenas retoques nas laterais, enquanto em 15 dentes pelo menos uma das faces apresenta retoques esmagados.