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Marketing e Religião: O Papel do Marketing na origem, expansão e consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo

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Academic year: 2017

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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Marketing e Religião: O papel do marketing na origem, expansão e

consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo.

Marcelo Janikian

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Marketing e Religião: O papel do marketing na origem, expansão e

consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo.

por

Marcelo Janikian

Orientador: Prof. Dr. Leonildo S. Campos

Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a obtenção do grau de Mestre.

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FICHA CATALOGRÁFICA

Janikian, Marcelo

Marketing e religião : o papel do marketing na origem, expansão e consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo / Marcelo Janikian.

São Bernardo do Campo, 2006. 157p.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião.

Orientação : Leonildo Silveira Campos

1. Marketing religioso 2. Marketing (Igreja Renascer em Cristo) 3. Pentecostalismo I. Título

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BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Universidade Metodista de São Paulo

________________________________________ Prof. Dr. Gino Giacomini Filho

Universidade de São Paulo - ECA

________________________________________ Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. Leonildo Silveira Campos, pela paciência, orientação e dedicação;

Ao IEPG e à Secretaria Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, pelo auxílio;

Ao CNPq, pelo financiamento da pesquisa;

Aos professores Dr. Dario Paulo Barrera Rivera e Dr. Daniel Santos Galindo, pelas sugestões dadas no Exame de Qualificação;

Aos professores Dr. Leonildo Silveira Campos, Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, Dra. Sandra Duarte de Souza, Dr. Daniel Santos Galindo, Dr. Jung Mo Sung e Dr. Élio Masferrer pelos conhecimentos compartilhados em sala de aula;

Aos meus pais, irmãos e amigos, pelo incentivo ao estudo;

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JANIKIAN, Marcelo. Marketing e Religião: O papel do marketing na origem, expansão e consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2006.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o uso do marketing pelas igrejas

neopentecostais, que surgiram no cenário religioso brasileiro entre as décadas de 70 e 80. A utilização do marketing por tais igrejas tem em vista conquistar espaços cada vez maiores dentro do campo religioso, ocasionando uma acirrada concorrência entre as várias denominações cristãs e outros credos religiosos. Entre as igrejas neopentecostais, que surgiram neste período, destacamos a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, fundada no ano de 1986, cuja sede se encontra na cidade de São Paulo. A Igreja Renascer foi escolhida para este trabalho por possuir vários elementos em suas práticas religiosas, que nos dão base para afirmarmos que marketing e religião podem interagir perfeitamente, sem qualquer tipo de preconceito. No estudo desta instituição religiosa constatamos que o marketing desempenha um papel importante em sua própria expansão e consolidação no campo religioso brasileiro. Estevam Hernandes Filho – fundador e líder da Igreja Apostólica Renascer em Cristo - traz em seu currículo de executivo uma boa experiência em marketing, adquirida por meio de sua atuação em várias empresas, nacionais e multinacionais, como profissional de marketing, habilitando-o a utilizar esta mesma ferramenta em seu novo empreendimento. Dentro desse contexto, a Igreja Renascer em Cristo construiu, até o presente momento, um império que engloba aproximadamente 1.300 templos espalhados pelo Brasil, emissoras de rádio, TV, editora, gravadora e a Fundação Renascer, que centraliza todas as atividades administrativas da Igreja.

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JANIKIAN, Marcelo. Marketing and Religion: The role of marketing in the origin, expansion and consolidation of the Renascer em Cristo Apostolic Church. Master’s Degree Dissertation in Religious Science, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2006.

ABSTRACT

The present work aims at analyzing the use of marketing techniques by

neopentecostal churches, which appeared in the brazilian religious scene between the decades of 1970 and 1980. By using marketing techniques, these churches try to expand their area of influence in the religious field, causing a great competition among the various christian and non-christian churches. Among the neopentecostal churches that appeared in Brazil in that period, we discuss the case of the Renascer em Cristo Apostolic Church, founded in 1986, which head office is located in the City of São Paulo. This particular church was chosen as the object of this project because it contains several elements in its religious practice that allow us to affirm that marketing and religion can perfectly coexist, without prejudice. Studying this religious institution, we found out that marketing has played and important role in the expansion and consolidation of this church in brazilian’s religious scene. Estevam Hernandes Filho – founder and leader of the Renascer em Cristo Apostolic Church – has a great e xperience with marketing techniques, acquired in years of work, in several national and international companies, as a marketing professional. This experience has allowed him to use the same techniques in his current enterprise. As a result, the Renascer em Cristo Apostolic Church posses, until the present, an empire that includes approximately 1,300 temples all around Brazil, radio stations, a TV station, a publishing house, a record studio and the Renascer Foudation, which centralizes all administrative activities of the Church.

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SUMÁRIO

Introdução...09

Capítulo 1. A Renascer em Cristo: contexto cultural, gênese e expansão ...18

1.1. Cristianismo: secularização, pluralismo e globalização...18

1.1.1. Secularização ...19

1.1.2. Desencantamento do mundo...21

1.1.3. Reencantamento do mundo ...23

1.1.4. Pluralismo religioso...25

1.1.5. Globalização e pós-modernidade ...28

1.2. Protestantismo e Pentecostalismo: um panorama histórico ...30

1.2.1. O campo religioso e seus agentes ...31

1.2.2. Protestantismo ...32

1.2.3. Pentecostalismo ...39

1.2.4. Novas formas de Pentecostalismo ...42

1.3. Igreja Apostólica Renascer em Cristo: gênese e expansão ...44

1.3.1. A origem da Igreja Apostólica Renascer em Cristo ...44

1.3.2. A legitimação da autoridade carismática...49

1.3.3. A formação do corpo eclesiástico...52

1.3.4. As funções hierárquicas...55

Capítulo 2. O papel do marketing na expansão da Igreja Renascer em Cristo ...59

2.1. O uso do marketing pelas igrejas cristãs ...59

2.1.1. Conceito de marketing...60

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2.1.3. O marketing na Igreja ...69

2.2. O marketing institucional da Igreja Renascer em Cristo ...78

2.2.1. A construção da marca Renascer em Cristo...79

2.2.2. A música gospel no Brasil ...83

2.2.3. A Marcha para Jesus ...86

2.2.4. As obras assistenciais ...89

2.2.5. A inserção da Igreja Renascer na política ...92

Capítulo 3. A Igreja Renascer em Cristo: formas de comunicação e discurso ...103

3.1. A Igreja Renascer e suas formas de comunicação ...104

3.1.1. Rádio ...105

3.1.2. Televisão...110

3.1.3. Mídia impressa ...120

3.1.4. Gravadora ...123

3.2. O discurso religioso da Igreja Renascer em Cristo ...126

3.2.1. A Teologia da Prosperidade ...129

3.2.2. Dízimos, ofertas e “desafios” financeiros ...134

3.2.3. As denúncias da imprensa e o contra discurso da Igreja Renascer ...138

3.2.4. A segmentação nos cultos da Renascer...142

Considerações finais...147

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INTRODUÇÃO

O marketing se apresenta como uma ferramenta apropriada para aumentar a competitividade das empresas diante de um mercado disputado por vários concorrentes. Esta ferramenta, largamente utilizada nos meios empresariais, ultimamente vem sendo utilizada por outras inst ituições, que até algumas décadas atrás não faziam uso maciço em suas próprias atividades: as instituições religiosas. As igrejas cristãs, principalmente as de origem neopentecostal, que surgem a partir da década de 70 com uma nova concepção de religiosidade, começam a utilizar vários conceitos empresariais, tais como:

lucro, produtividade, investimento, capacitação profissional, expansão e domínio de mercado. Essa nova mentalidade ainda pode soar um pouco estranha para alguns nos dias atuais. Isso se deve ao fato de que, até então, acreditava-se que as igrejas cristãs tinham como principal função apenas o ensino e a propagação do Evangelho.

Desde então, as igrejas passaram a usar termos como mercado e estratégias de marketing para definir as suas ações. Segundo Philip Kotler, “marketing é a atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de trocas”.1 O termo marketing não encontra um significado apropriado na língua portuguesa, e uma tradução literal seria algo próximo a “mercadologia”.2 Entendemos por mercado quando há dois grupos que interagem em uma relação de trocas, como por exemplo, na comercialização de um produto ou na prestação de serviço. Nesta relação de trocas, de um lado estão um grupo de pessoas e instituições que têm necessidades e desejos insatisfeitos, e estão dispostos a dar algo em troca daquilo que os satisfaçam. Por outro lado, há um outro grupo de indivíduos devidamente organizado, que procuram atender de maneira eficaz a tais necessidades, recebendo financeiramente em troca pela

prestação desse serviço. No estudo do campo religioso é possível a aplicação da teoria do marketing, pois de um lado há indivíduos com necessidades e desejos não satisfeitos,

1 KOTLER, Philip. Marketing. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. p. 31.

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enquanto de outro há um grupo de especialistas religiosos que procura atender a essas necessidades e desejos.

No decorrer de nossa pesquisa encontramos igrejas tais como a Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e Igreja Apostólica Renascer em Cristo, que realizam verdadeiros espetáculos em seus templos com o propósito de atrair fiéis de outras igrejas e confissões religiosas. Para isso, essas igrejas utilizam os meios de comunicação de massa como forma de dar maior visibilidade às suas atividades. Estamos, portanto, diante de importantes mudanças no campo religioso, fazendo surgir algumas questões a serem respondidas por meio de pesquisas: É possível a igreja, considerada uma organização sem fins lucrativos, utilizar conceitos empresariais e ferramentas como o ma rketing para crescer e consolidar-se em relação aos concorrentes? Existe afinidade entre religião e marketing? O que motiva uma instituição religiosa a adotar o marketing em suas relações com a sociedade?

Para entender melhor esta mudança de paradigma propomos analisar quais são os principais agentes e como eles surgiram neste concorrido campo religioso ao longo da história. Pierre Bourdieu associa o surgimento das grandes religiões universais à aparição e ao desenvolvimento da cidade.3 Porque, para ele, a urbanização contribuiu para a racionalização da religião na medida em que esta favoreceu o desenvolvimento de um corpo de especialistas, que mediante o reconhecimento social foi incumbido da gestão dos bens de salvação. Essa monopolização por um corpo de especialistas religiosos permitiu a exclusividade na produção, reprodução e difusão dos bens religiosos por determinadas organizações religiosas. Assim, a constituição do campo religioso proporcionou a separação deste grupo de especialistas (clero) do grupo de leigos (laicato), estes últimos destituídos do capital religioso e de legitimidade. Portanto, as relações de transação entre os especialistas e os leigos, e entre os diferentes especialistas constituem a dinâmica do campo religioso. Tendo em vista a complexidade dos agentes que atuam no campo religioso brasileiro, delimitamos o nosso objeto de estudo e analisamos os movimentos religiosos cristãos surgidos a partir da Reforma protestante, tais como: Protestantismo, Pentecostalismo e Neopentecostalismo.

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A Reforma protestante iniciada no século XVI, na Alemanha, contém os primeiros elementos para a mudança de paradigma no campo religioso cristão. A Igreja Católica Romana, oficializada como Igreja do Império pelo governo de Roma no século IV, dominou o cenário religioso no Ocidente por aproximadamente doze séculos. Durante esse período a Igreja de Roma tentou monopolizar em torno de si todas as atividades religiosas e políticas. Isso lhe possibilitou o controle total sobre todas as esferas da sociedade. A partir da Reforma protestante, o Ocidente passou a contar com duas principais opções religiosas: Catolicismo e Protestantismo. Desde então, do Protestantismo surgiram várias outras denominações religiosas, tanto na Europa como nas colônias inglesas da América do Norte, disputando espaços que antes pertenciam à Igreja Católica.

Outro elemento importante em nossa análise foi o processo de secularização iniciado na Europa, no mesmo período da Reforma protestante. Usamos aqui o termo secularização, de acordo com Peter Berger, que o definiu como “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”. 4 Na história ocidental moderna, a secularização implicou na separação da Igreja e do Estado e na retirada da Igreja cristã de áreas que antes estavam sob o seu domínio, como a educação, as artes e a ciência. Conseqüentemente, isto ocasionou uma pluralidade religiosa, e a perda do poder por parte das instituições religiosas. A separação da Igreja e do Estado, o processo de laicização e o avanço do protestantismo permitiram que outras formas de religiosidade entrassem no cenário religioso e competissem pela fidelidade dos leigos. Durante mais de quatro séculos, ou seja, do século XVI ao século XX, ocorreram vários embates entre estes dois principais concorrentes no campo religioso, o Catolicismo por um lado e o Protestantismo de outro, na conquista de fiéis para os seus respectivos templos.

Desde o início do século XX, um novo concorrente do Catolicismo e do Protestantismo, dentro do campo religioso cristão, entrou em cena, provocando

4 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:

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profundas alterações nesse cenário, tanto nas Américas como nos demais continentes: o Pentecostalismo. Este movimento surgiu nos Estados Unidos, no ano de 1906, e espalhou-se rapidamente por toda a América, conquistando adeptos tanto do Catolicismo quanto do Protestantismo. No Brasil, o Pentecostalismo instalou-se logo após o fenômeno ocorrido nos Estados Unidos. Seus principais representantes foram a Congregação Cristã do Brasil (1910) e a Igreja Assembléia de Deus (1911). O Pentecostalismo, a partir de então teve várias ramificações, permitindo assim que, em meados da década de 50, surgisse no Brasil uma grande variedade de igrejas pentecostais, tais como: Igreja do Evangelho Quadrangular (1953), Igreja Pentecostal “O Brasil para Cristo” (1956), Igreja Pentecostal Deus é Amor (1961) e outras.

A partir da década de 70, surgiram, finalmente, o que tem sido classificado por autores como Antônio Gouvea Mendonça5, Ricardo Mariano6, Leonildo Silveira Campos7, Paul Freston8 e outros estudiosos, como igrejas neopentecostais. Estas igrejas surgiram com uma visão nova de mercado, capaz de unir religião e mercado. Entre os principais representantes do neopentecostalismo temos: Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e Igreja Apostólica Renascer em Cristo (1986), que é o nosso objeto de pesquisa. Ora, o aparecimento dessas igrejas fez com que o campo religioso brasileiro sofresse profundas mudanças, exigindo daí novos paradigmas em sua análise. Principalmente porque essas transformações introduziram uma nova concepção de religiosidade, por meio de uma teologia que ensina o fiel a usufruir de todas as bênçãos de Deus para o seu dia a dia, na forma de bens materiais e ascensão social.

A partir desse panorama histórico verificamos, que desde a Reforma protestante, até a década de 70, quando surgem as igrejas neopentecostais, sempre houve uma disputa pela hegemonia e domínio do campo religioso. Porém, com o surgimento das igrejas neopentecostais, houve mudanças econômicas e culturais significativas, que

5 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus

personagens. São Bernardo do Campo: Umesp, 1997.

6 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo Pentecostalismo no Brasil. São Paulo:

Loyola, 1999.

7 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um

empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.

8 FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Campinas:

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levaram as igrejas e denominações a se sentirem em combate umas com as outras. Foi nesse contexto que surgiu, em 1986, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, com novas estratégias, utilizando-se de ferramentas apropriadas para entrar nesta disputa, adotando sem qualquer pudor as estratégias de marketing a fim de crescer e se consolidar no campo religioso, agora transformado em um mercado religioso.

Para orientar este trabalho investigativo partimos da seguinte hipótese: O uso do marketing pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo foi uma das principais razões de sua expansão e consolidação no campo religioso brasileiro. Porém, entendemos que essa expansão não corresponde somente na forma de crescimento numérico de templos e fiéis, mas também se expressa por meio da visibilidade alcançada perante a sociedade em shows e eventos religiosos. Para nós, o marketing se constitui em uma ferramenta importante para uma Igreja alcançar maior visibilidade em nossa sociedade, que vive sob o impacto e a influência dos meios de comunicação de massa. Portanto, essa estratégia foi decisiva para a expansão e consolidação desta instituição religiosa no cenário brasileiro.

Nesse sentido, a escolha deste tema para a nossa pesquisa se deve ao interesse em demonstrar como o marketing pode contribuir para a expansão e consolidação de uma instituição religiosa, em uma sociedade em processo de secularização. A Igreja Apostólica Renascer em Cristo foi escolhida para este estudo, pois ela apresenta vários elementos em suas práticas religiosas que comprovam a nossa hipótese. É claro que a Igreja Renascer em Cristo já foi objeto de estudo por vários pesquisadores, em diferentes áreas de conhecimento, justamente pela forma como ela atua junto aos meios de comunicação de massa na divulgação de suas propostas religiosas. Entre os pesquisadores que estudaram a Igreja Renascer podemos citar: Sergio Carlos Francisco Barbosa9, Eliane Hojaij Gouveia10, Alberto Carlos Augusto Klein11, Leda Yukiko

9 BARBOSA, Sergio Carlos Francisco. Religião e comunicação: a igreja eletrônica em tempos de

globalização gospel. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 1997.

10 GOUVEIA, Eliane Hojaij. Imagens femininas: a reengenharia do feminino pentecostal na televisão.

Tese de Doutorado em Ciências Sociais, PUC-SP, São Paulo, 1998.

11 KLEIN, Alberto Carlos Augusto. Culto e mídia – os códigos do espetáculo religioso: um estudo de caso

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Matayoshi12, Carlos Tadeu Siepierski13, Jacqueline Ziroldo Dolghie14, Sueli Cardoso Pitta15, Márcia Selivon16 e Magali do Nascimento Cunha17. Ora, o fato da Igreja Apostólica Renascer em Cristo (IARC) ter despertado o interesse de vários pesquisadores, em diversas áreas de conhecimento, mostra o quanto esta Igreja tem importância nas abordagens do campo religioso brasileiro. Esse interesse se deve, e disso não temos dúvida, pela capacidade que a Renascer tem de se fazer presente nesse panorama religioso por meio do uso da mídia e de eventos espetaculares. Como exemplo disso podemos citar o evento “Marcha para Jesus”, ocorrido em maio de 2005, que sob a coordenação da Fundação Renascer e a liderança de Estevam Hernandes Filho, reuniu em torno de dois milhões de pessoas na avenida Paulista, na cidade de São Paulo, atraindo a atenção de todos os meios de comunicação de massa.

Por tais motivos estamos propondo mais um estudo sobre essa instituição religiosa, focalizando especificamente o papel do marketing nas suas atividades. Além disso, justificamos a importância do estudo do marketing religioso, dada a presença desse fenômeno, que hoje não está restrito somente à Igreja Renascer em Cristo, mas, também à outras denominações pentecostais com as quais ela concorre, tais como: Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), e na própria Igreja Católica Apostólica Romana.

O objetivo geral da pesquisa foi, portanto, analisar a maneira como se dá o uso do marketing em instituições religiosas, mostrando como isso ocorre naquela que é o objeto de nossas investigações, na qual essas estratégias estão presentes desde a sua origem, expansão e consolidação no campo religioso brasileiro. Já por objetivos

12 MATAYOSHI, Leda Yukiko. “Bem Aventurados aqueles que se comunicam como marca”: A Igreja

Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, ECA-USP, São Paulo, 1999.

13 SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. “De Bem com a Vida”: o sagrado num mundo em transformação. Tese de

Doutorado em Antropologia Social, USP, São Paulo, 2001.

14 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e o mercado de música gospel no Brasil.

Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 2002.

15 PITTA, Sueli Cardoso. “Deus-Pai é gostosinho e Jesus é pirado”: um estudo das estratégias

persuasivas no discurso da episcopisa Sonia Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa, PUC-SP, São Paulo, 2003.

16 SELIVON, Márcia. O discurso da Igreja Renascer em Cristo: uma abordagem dos valores e das

estratégias argumentativas. Dissertação de Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa, USP, São Paulo, 2004.

17 CUNHA, Magali do Nascimento. “Vinho novo em odres velhos”. Um olhar comunicacional sobre a

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específicos procuramos descrever e interpretar as seguintes ações e estratégias da IARC: Analisar os eventos e shows anuais promovidos pela IARC, como por exemplo: Marcha para Jesus, S.O.S. da Vida e Renascer Praise; Descrever como a IARC utiliza os meios de comunicação de massa, tais como a Rádio Gospel, TV Gospel e Gospel News, para propagar a sua mensagem, realizações e os eventos; Identificar as estratégias de marketing utilizadas pela IARC, focalizando-se a teoria dos quatro Pês: Preço, Produto, Ponto de Venda e Promoção; o uso de slogans: “Deus é fiel”; a construção da marca Renascer em Cristo; e a segmentação por nichos de mercado: culto dos empresários; e, por fim, verificar a inserção da IARC nas eleições estaduais e municipais como forma de ganhar visibilidade, conseguir legitimação e defender os seus interesses nas casas legislativas.

A análise e interpretação do uso do marketing pela IARC teve como referencial os estudos de Pierre Bourdieu, que reinterpretou Max Weber para tratar acerca da formação do campo religioso, os textos de Peter Berger, sobre concorrência religiosa e a situação de crescente processo de secularização, e as propostas de Philip Kotler, a respeito de marketing de um modo geral e também do marketing aplicado às organizações não-governamentais e igrejas. Faz eco também as propostas recentes surgidas nos Estados Unidos a respeito da “escolha racional”, por meio da sistematização de Lemuel Dourado, que analisa a transformação do campo religioso em mercado de bens simbólicos.

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Procuramos, além da pesquisa bibliográfica, sistematizar a descrição e interpretação do objeto de estudo por meio de observação e participação nos cultos da Igreja Renascer, na cidade de São Paulo. Para isso, visitamos com mais insistência três templos: “Renascer Sede”, situado no bairro do Cambuci, na avenida Lins de Vasconcelos, 1.108; “Regional Santana”, situado no bairro de Santana, na avenida General Ataliba Leonel, 1.117; e “Regional Santa Cruz”, situado no bairro de Vila Mariana, na avenida Jabaquara, 123. Participamos também, para observar, alguns eventos promovidos pela Igreja Renascer, tais como: Marcha para Jesus, S.O.S. da Vida, e o lançamento do coral Renascer Praise. Procuramos registrar por meio de gravações de áudio e de vídeo programas de rádio, TV e peças publicitárias feitas pela Igreja para os programas levados ao ar por meio de sua emissora de TV, a Rede Gospel (Canal 53 UHF; Canal 25 na TVA; canal 28 na NET) em São Paulo e na rádio (Rádio Manchete Gospel 90,1 FM).

Na redação deste texto procuramos dividi-lo em três capítulos. No primeiro deles, intitulado A Renascer em Cristo: contexto cultural, gênese e expansão analisaremos a origem e a expansão da Igreja Apostólica Renascer em Cristo no campo religioso brasileiro, dentro de um contexto cultural, histórico e social. No contexto cultural serão abordados as principais mudanças ocorridas no Cristianismo contemporâneo, marcados pelos processos de secularização, pluralismo religioso e globalização. No contexto histórico analisaremos o surgimento do Protestantismo e do Pentecostalismo e como esses movimentos vieram e se instalaram no Brasil, após passarem por várias mudanças em seus países de origem. No contexto social iremos tratar das origens históricas da Igreja Renascer em Cristo e mostrar as suas formas de legitimação perante os seus membros.

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Capítulo 1. A Renascer em Cristo: contexto cultural, gênese e expansão.

Este capítulo tem como objetivo analisar a origem e a expansão da Igreja Apostólica Renascer em Cristo no campo religioso brasileiro. No entanto, para entendermos as origens históricas da Igreja Renascer, necessitamos abordar as mudanças ocorridas no Cristianismo contemporâneo, dentro de um contexto cultural marcado pelos processos de secularização, pluralismo religioso e globalização. Além da questão cultural, analisaremos também o contexto histórico em que surgiu tanto o Protestantismo quanto o Pentecostalismo e como esses movimentos, depois de passarem por várias mudanças em seus países de origem, acabaram instalando no Brasil uma versão alterada do que eles foram na América do Norte e Europa. Analisaremos também as novas formas de Pentecostalismo, frutos de sua fragmentação durante a implantação no Brasil.

A partir desse panorama cultural e histórico é que examinaremos o surgimento da Igreja Renascer em Cristo no cenário religioso brasileiro, e que será o nosso objeto de estudo daí em diante. Para uma melhor compreensão deste texto, iremos dividi-lo em três partes distintas: 1) Cristianismo: secularização, pluralismo e globalização; 2) Protestantismo e Pentecostalismo: um panorama histórico; 3) Igreja Apostólica Renascer em Cristo: gênese e expansão. Com isso, nossa pretensão será mostrar ao leitor uma visão geral do campo religioso brasileiro e a interação entre os seus agentes.

1.1. Cristianismo: secularização, pluralismo e globalização.

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do mundo, bem como os conceitos de pluralismo religioso, globalização e pós-modernidade.

1.1.1. Secularização

O primeiro conceito a ser abordado em nosso trabalho refere-se ao processo de secularização. A tese da secularização surgiu no início da segunda metade do século XX, na Europa e Estados Unidos. Segundo Peter Berger entende-se como secularização “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”, ocasionando a separação da Igreja e do Estado, expropriação das terras pertencentes à Igreja e a emancipação da educação do controle eclesiástico.18 Para Berger, o termo “secularização” também tem sido utilizado como um conceito ideológico, possibilitando a libertação do homem moderno da tutela da Igreja e da religião. Para entendermos melhor o que significa este processo de libertação, temos que entender que o homem, durante vários séculos, esteve preso à ideologia regida pela Igreja. Esse indivíduo, que viveu durante a Idade Média, era obrigado a seguir às doutrinas e leis impostas pela Igreja para toda a sociedade, e, qualquer um que fosse contra estas leis era alvo de uma perseguição implacável por parte das autoridades religiosas. Neste período de dominação da Igreja, o homem não tinha liberdade nenhuma de expressão, seja nas artes, na educação, na literatura, e, principalmente na ciência. Aqueles que fossem contra os ensinamentos da Igreja eram levados à Inquisição, tribunal eclesiástico da época, para serem julgados.

Como conseqüência da secularização, surgiu uma “crise de credibilidade” na religião, ocasionando uma “secularização subjetiva” ou sócio-estrutural.19 Na visão de Berger, a secularização pode assumir também um significado subjetivo para o ser humano. Além dos fatores sociais e econômicos, que desencadearam a separação da Igreja e do Estado, durante o período da Reforma protestante, ocorreu tamb ém uma secularização ao nível da consciência humana, permitindo a esse indivíduo encarar o

18 BERGER, Peter L. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião, São Paulo:

Paulus, 1985. p. 119.

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mundo em que ele vivia sem a interferência das interpretações religiosas. Como este processo é subjetivo, naturalmente não ocorreu da mesma forma e muito menos na mesma intensidade na sociedade, ou seja, cada grupo de pessoas reagiu de forma diferente a esse processo.

Giacomo Marramao aponta que a secularização possui um núcleo originário do direito canônico, cujo significado permanece em vigor até hoje. Segundo ele, a secularização “designava o ato jurídico dos ‘princes protestans’, politicamente fundado, que reduz ou expropria os domínios e as propriedades temporais da Igreja para destinar a outros escopos as rendas dali resultantes”.20 A secularização ocasionou uma expulsão gradual da autoridade eclesiástica do âmbito de domínio do Estado. Essa separação ocorreu muitos séculos após o Edito de Milão, no ano de 313, que propôs uma aliança entre o poder político e religioso, por meio do imperador romano Constantino, no quarto século da era cristã.

Stefano Martelli ressalva que há uma polissemia no conceito de secularização, evidente desde as origens do termo. Para ele, faz-se necessário distinguir a secularização de sua origem jurídico-política da secularização como categoria filosófico-histórica.21 Conforme Martelli, o termo “secularização” surgiu na língua francesa no fim do século XVI, indicando a redução de um clérigo regular ao estado laical. No âmbito do direito canônico, a expressão “saecularizatio” conservou seu significado até hoje. Posteriormente, esse conceito foi empregado para designar o processo de subtração de um determinado território ou instituição, da jurisdição e do controle eclesiástico. Dentro dessa acepção, o conceito apareceu pela primeira vez durante os acordos de paz de Westfalia, em 1648. O termo “secularização” passou então do campo jurídico-político para o filosófico- ideológico durante o século XIX, no processo de afirmação política e social da burguesia. A atividade de grupos de intelectuais e sociedades culturais, tais como na Grã-Bretanha, na Alemanha e na França, agiram intencionalmente em sentido secularizante, exercendo um programa de ação política a fim de reduzir a influência das igrejas em todos os setores da vida social, principalmente na s áreas da cultura e da

20 MARRAMAO, Giacomo. Céu e terra: genealogia da secularização, São Paulo: Unesp, 1997. p. 18. 21 MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre secularização e dessecularização.

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educação. Portanto, o termo “secularização” designa o processo de laicização, ou seja, autonomia em relação à esfera religiosa.

Dessa forma, tanto a secularização objetiva (por meio do processo histórico) quanto a subjetiva (dentro do inconsciente do indivíduo), desencadeou um outro processo, que os sociólogos rotularam como desencantamento do mundo. O desencantamento do mundo, como veremos a seguir, significa, em poucas palavras, a ausência de todos os meios mágicos e sobrenaturais na relação do homem com o Sagrado.

1.1.2. Desencantamento do mundo

Antônio Flávio Pierucci, baseado nos conceitos formulados por Max Weber, mostra que o termo desencantamento do mundo, em seu sentido estrito, se refere ao mundo da magia e quer dizer literalmente: tirar o feitiço, desfazer um sortilégio, escapar da praga rogada, derrubar um tabu, em suma, quebrar o encantamento.22 “Desencantamento”, traduzido do alemão entzauberung, significa literalmente “desmagificação”. A palavra alemã zauber quer dizer magia, sortilégio, feitiço, encantamento e zauberer, traduz-se por mágico, mago, feiticeiro, bruxo ou encantador. A expressão entzauberung der welt, por sua vez, significa desencantamento do mundo. Esse termo também pode ser entendido como uma forma específica de “desmistificação” religiosa. Vemos essa idéia expressa nas seguintes palavras de Weber:

As seitas batistas, junto com os predestinacionistas, especialmente os calvinistas estritos, desenvolveram a mais radical desvalorização de todos os sacramentos como meios de salvação e realizaram assim, até as suas últimas conseqüências, a “desmistificação” religiosa do mundo.23

Weber, ao analisar o Calvinismo no processo de racionalização da religião e sua contribuição no desenvolvimento do capitalismo moderno, observou que a “eliminação da magia do mundo” começara já com os antigos profetas hebreus, juntamente com o pensamento científico helenístico, que repudiaram todos os meios mágicos para a

22 PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max

Weber. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 7.

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salvação, como sendo superstição e pecado.24 Nos cultos protestantes, o puritano, por exemplo, chegava a rejeitar todos os sinais em uma cerimônia religiosa fúnebre, sepultando seus entes queridos sem cânticos e rituais, para que nenhuma superstição ou forças mágicas de salvação pudesse se manifestar. Para os fiéis não havia meios mágicos de se obter a graça de Deus para aqueles que não fossem predestinados. O mundo existia somente para servir à glorificação de Deus. Os cristãos eleitos estavam no mundo para obedecer aos mandamentos de Deus com o melhor de suas forças. Essa obediência era partilhada pelo trabalho dentro da vocação, propiciando a vida mundana da comunidade. Assim, o indivíduo deveria “fundamentalmente permanecer na profissão e na posição em que Deus originalmente o colocara, e a sua aspiração deve manter-se dentro dos limites dessa sua condição de vida”.25

A introdução das igrejas protestantes no cenário religioso promoveu uma racionalização dos rituais, abolindo vários elementos “mágicos” da religião. Entre as várias medidas adotadas por tais igrejas constatamos: a retirada de imagens de santos do interior de seus templos, a proibição do uso de água benta, a redução drástica dos sacramentos, permanecendo apenas o batismo e a ceia em memória de Jesus Cristo. Verificamos também a racionalização de seus cultos, adotando a Bíblia como única fonte de fé e revelação. Tudo o que era ligado à magia foi abolido nos cultos protestantes: as profecias, as visões, os sonhos proféticos, as revelações, o êxtase e a intermediação dos santos. O Protestantismo contribuiu para que ocorresse essa redução do âmbito do sagrado na realidade social, tornando a sociedade mais “desencantada”. Dessa forma, o Protestantismo “despiu-se tanto quanto possível dos três mais antigos e poderosos elementos concomitantes do sagrado: o mistério, o milagre e a magia”.26

Paulo Barrera Rivera argumenta nessa mesma linha weberiana ao afirmar que o Protestantismo calvinista foi considerado secularizante pela sua contribuição ao desenvolvimento da modernidade capitalista.27 Para ele, o Calvinismo se trata de uma religião de racionalidade instrumental, e que o agir religioso tem sempre fins práticos. A racionalidade prática do Calvinismo explorou o potencial cognitivo de um longo

24 Idem. Ibid. p. 72.

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processo de desencantamento religioso, alcançando seu clímax com a doutrina da predestinação. O puritano predestinado, ao invés de seguir o caminho do ascetismo e apartar-se da esfera mundana, engajou-se cada vez mais no mundo, sentindo-se vocacionado por Deus no cumprimento de seu trabalho. O Calvinismo seria então a última etapa do processo de eliminação da magia na religião. Segundo Barrera, “o Protestantismo, além de desencantar o culto, contribuiu para o desencantamento do mundo e da sociedade, já bastante desencantados”.28

1.1.3. Reencantamento do mundo

Os conceitos acerca da secularização e desencantamento do mundo não tem sido unânime entre os sociólogos da religião, principalmente em se tratando do campo religioso brasileiro. Há aqueles que defendem a secularização como um caminho sem volta, e outros que apregoam o retorno da magia e do sobrenatural, aqui entendido por reencantamento do mundo.

Antônio Flávio Pierucci afirma que não há crise no paradigma da secularização. O que ocorre é simplesmente o “declínio da religião”. Segundo ele, “por mais que novos grupos religiosos e novas igrejas se formem e agitem o campo com novas energias de combate e conquista, isto não significa de modo algum o fim do processo de secularização. Antes, pelo contrário, ajuda-o, acelera-o”.29

Lísias Negrão discorda dessa linha de argumentação ao afirmar que nós vivemos o período do chamado “retorno do sagrado” ou “revanche de Deus” e que o mundo, de uma certa forma, passa por um processo de “reencantamento”. Ele considera também que no Terceiro Mundo, em especial no Brasil, o sagrado persistiu e a religião se revitalizou, paralelamente ao “reencantamento” do Primeiro Mundo.30

Peter Berger aponta para uma “redescoberta do sobrenatural”, em sua obra Rumor de anjos, após vários encontros com o Terceiro Mundo e a constatação de um

27 RIVERA, Paulo Barrera. Tradição, transmissão e emoção religiosa: sociologia do protestantismo na

América Latina. São Paulo: Olho D’água, 2001. p. 125.

28 Idem. Ibid. p. 127.

29 PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização: a propósito do auto-engano em

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ressurgimento religioso na América do Norte.31 Berger não crê que a teoria da secularização fora simplesmente um erro, porém, tanto o grau quanto a inexorabilidade da secularização foram exagerados, mesmo na Europa e na América do Norte. Para ele, essa obra se coloca como uma revisão de uma tese sociológica, com base em evidências empíricas, coletadas em diversas localidades do Terceiro Mundo.

Gilles Kepel, por sua vez, mostra o ressurgimento dos fundamentalismos cristãos, islâmicos e judaicos na segunda metade do século XX como formas de retorno do sagrado.32 Kepel aponta os anos de 1977, 1978 e 1979 como referência para as mudanças ocorridas no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, respectivamente.33 Em maio de 1977, Menahem Begin torna-se primeiro ministro com o apoio dos movimentos sionistas religiosos. Com essa vitória, os partidos religiosos aumentam sua penetração no governo, incitando as implantações de colônias judaicas nos territórios ocupados, em nome do antigo pacto entre Deus e o “povo eleito”. Em setembro de 1978, o cardeal polonês, Karol Wojtyla é eleito como o novo pontífice da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, os grupos carismáticos, que se haviam desenvolvido no Catolicismo americano, espalham-se pela Europa, conquistando muitos adeptos entre os jovens e as pessoas instruídas. Esses grupos assumem um proselitismo às claras, e desempenham papel de destaque na defesa da orientação dada à Igreja Católica por João Paulo II. Em fevereiro de 1979, início do século XV da Hégira, o cenário político no Irã muda com a revolução dos Aiatolás, que derrubam o Xá e assumem o poder. Em novembro do mesmo ano, ocorre o ataque à Grande Mesquita de Meca por um grupo armado, que rejeita o controle da dinastia saudita sobre os lugares santos. Para Kepel, o discurso e a prática desses movimentos não são produtos de um desregramento da razão nem de uma manipulação por forças obscuras, mas o testemunho insubstituível de um mal social profundo. Todos esses movimentos têm projetos de reconstrução do mundo, que buscam nos textos sagrados as regras da sociedade.

30 NEGRÃO, Lísias Nogueira. Mercadolicismo – mercado na religião e religião do mercado in Estudos de

Religião, ano XIV, n. 18, p. 55-67, São Bernardo do Campo, UMESP, junho de 2000.

31 BERGER, Peter. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Petrópolis:

Vozes, 1996. p. 177.

32 KEPEL, Gilles. A revanche de Deus: cristãos, judeus e muçulmanos na reconquista do mundo. São

Paulo: Siciliano, 1991.

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Sabino Acquaviva registra que houve apenas uma “eclipse” da religião, expressão muito conhecida nos meios acadêmicos, para mostrar as mudanças que estavam ocorrendo na religião, diante do processo de urbanização e industrialização em meio à sociedade italiana.34

Paulo Barrera Rivera faz uma comparação entre os cultos promovidos pelos protestantes e pentecostais na América Latina, para explicar a sua visão acerca do “reencantamento” do culto. A diferença entre os dois grupos reside na forma como cada um deles trata da experiência religiosa em seus sistemas litúrgicos. O Protestantismo gerou uma racionalização da experiência religiosa, e se caracterizou pelo estudo da Bíblia. O Pentecostalismo, ao contrário, manteve viva a emoção religiosa em seus cultos, por meio da glossolalia e do exorcismo. Assim sendo, “os cultos pentecostais são verdadeiros processos de re-encantamento da experiência religiosa, mas isso não significa o retorno a uma visão encantada do mundo”.35

1.1.4. Pluralismo religioso

O avanço da secularização na Europa e em outras partes do mundo criou uma situação de pluralismo gerando a necessidade de um novo conceito: pluralismo religioso. Berger afirma que essa situação proporcionou uma liberdade de escolha do indivíduo quanto à adesão religiosa. Para ele, essa pluralidade desembocou em uma situação de mercado, obrigando as instituições religiosas a agirem como agências de mercado, e as suas tradições, como comodidades de consumo. Como as instituições religiosas não podiam mais impor suas antigas verdades como absolutas e nem contar mais com a submissão cega da população às suas doutrinas, elas foram obrigadas a entrar em uma disputa entre si pela fidelidade desse novo “consumidor”. Esse conceito está bem explícito nas palavras de Berger:

A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas tornam-se agências de mercado e as tradições

34 ACQUAVIVA, Sabino S. El eclipse de lo sagrado em la civilización industrial. Bilbao-Espanha:

Editorial Elexpuro, 1972.

35 RIVERA, Dario Paulo Barrera. Desencantamento e reencantamento: sociologia da pregação protestante

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religiosas tornam-se comodidades de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado.36

Em relação à expressão comodidades de consumo, na citação acima, Leonildo Silveira Campos faz uma observação quanto à tradução do texto original. Para ele, ao ser traduzido do inglês para o português, o tradutor usou uma expressão que não lhe pareceu adequada. Por isso, Campos dá preferência à tradução espanhola que registrou: “La situacion pluralista es, sobre todo, una situacion de mercado. En ella, las instituciones religiosas se convierten en agencias comerciales y las tradiciones religiosas en mercanderias para el consumidor”.37 Portanto, a tradução mais adequada seria “mercadorias para o consumidor” ao invés de “comodidades de consumo”.

Mas, voltando ao argumento de Berger, os antigos monopólios religiosos acabaram se tornando em competitivas agências de mercado. Esses grupos agora são obrigados a se organizar para conquistar um contingente de consumidores, competindo com outros grupos que possuem o mesmo propósito. Diante desta situação pluralista, a religião não pode ser mais imposta, mas agora tem que ser posta no mercado. Para Berger, é impossível colocar no mercado um bem de consumo sem levar em conta os desejos dos consumidores em relação ao bem de consumo. Nesta situação fica cada vez mais difícil manter as tradições religiosas como verdades imutáveis. É necessário agora buscar a preferência do consumidor na esfera religiosa.

A situação pluralista dificultou cada vez mais a permanência das estruturas de plausibilidade para a religião. Essas estruturas perderam a solidez e a durabilidade diante da dinâmica da cultura de consumo. Assim, os conteúdos religiosos tornaram-se suscetíveis à “moda”, tornando-se cada vez mais difícil sustentá- los como verdades imutáveis. Assim, o fim dos monopólios religiosos tornou-se um processo socio-estrutural, subtraindo da religião o poder de legitimar o “mundo”. Cada grupo religioso, agora, procura manter seu próprio cosmos diante de uma diversidade de “mundos” diferentes. Diante desse fato, restam às instituições religiosas duas opções distintas: Ou elas se acomodam, modificando seu “produto” de acordo com a demanda do

36 BERGER, Peter L. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião, São Paulo:

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consumidor, tal como uma empresa em uma lógica de mercado, ou simplesmente se recusam a tal situação, continuando a professar suas próp rias verdades, como se nada tivesse acontecido.

Reginaldo Prandi cita o Brasil como um país de diversidade religiosa. Segundo ele, um quarto da população adulta já experimentou o sentido da adesão a uma religião contrária daquela em que tinha ao nascer.38 Nesse contexto, a religião vai se ajustando cada vez mais à idéia da escolha que se faz frente a variadas necessidades e possibilidades de ser atendida. Segundo tais constatações, existe uma facilidade no trânsito de um indivíduo de uma denominação para outra sem qualquer sentimento de culpa. A própria noção de conversão religiosa tornou-se um conceito vago, pois não significava mais uma ruptura dramática com o seu antigo modo de vida. Para Prandi, o indivíduo não está mais interessado em defender nenhuma bandeira religiosa. A religião foi passando, pouco a pouco, para o território do indivíduo, e deste para o de consumo, e agora é obrigada a seguir as regras de mercado. Conseqüentemente, a religião se transformou em consumo e o fiel em consumidor, dentro de uma relação de mercado.

Com o avanço do pluralismo religioso, as instituições passaram a trabalhar sob pressão para buscar melhores resultados e conquistar maior número de fiéis. Como esse indivíduo possui agora várias opções, ele pode escolher aquela que melhor lhe agrada. Nesta disputa, o marketing surge como uma ferramenta apropriada para atender às necessidades específicas desse consumidor, intervindo no processo de escolha. Com isso, ao identificarem as necessidades de um grupo de pessoas, as instituições padronizam os seus produtos para atender a clientela.

Em nosso estudo de caso, encontramos na Igreja Apostólica Renascer em Cristo, por exemplo, reuniões para empresários, profissionais liberais e pessoas que desejam ter o seu próprio negócio. De um lado temos um grupo de pessoas (empresários, profissionais liberais) que possuem uma necessidade específica (realização profissional, sucesso nas vendas), e de outro uma instituição religiosa que oferece a satisfação dessas

37 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um

empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 213.

38 PRANDI, Reginaldo. Religião paga, conversão e serviço in Novos Estudos Cebrap, n. 45, p. 65-77, São

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necessidades (cultos para invocar a benção de Deus em seus negócios), padronizando o produto (prosperidade financeira) de acordo com o perfil de sua clientela.

1.1.5. Globalização e pós-modernidade

Outro conceito importante, aqui destacado, diz respeito ao avanço da globalização e da pós- modernidade. Entendemos por globalização o processo de interligação econômica e cultural, em nível mundial, que ganhou intensidade a partir da década de 80, devido ao crescimento vertiginoso dos mercados financeiros e das redes de informação. O fenômeno decorre basicamente da expansão dos sistemas de comunicação por satélites, da revolução da telefonia e da presença da informática na maior parte dos setores de produção e de serviços, inclusive por meio do uso da Internet, conhecida como a rede mundial de computadores. Anthony Giddens define globalização como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”.39 Dessa forma, um fato ocorrido no outro lado do planeta, como por exemplo, uma guerra localizada no Oriente Médio, pode interferir de forma direta na economia do país, por meio de uma alta no preço do barril de petróleo, e em todos os produtos derivados dessa matéria-prima.

A globalização pode ser entendida por meio de várias metáforas, bem como expressões descritivas e interpretativas, tais como: “economia- mundo”, “sistema-mundo”, “shopping center global”, “Disneylândia global”, “moeda global”, “aldeia global”, “cidade global”, “capitalismo global”, “desterritorialização”, “hegemonia global” e outras mais.40 À medida que o sistema social mundial se moderniza, o mundo começa a se parecer uma espécie de aldeia global, termo utilizado por Marshall Mcluhan em sua obra A aldeia global. No âmbito da aldeia global, a mídia eletrônica se torna um poderoso instrumento de comunicação, informação, explicação e imaginação

39 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991. p. 69.

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sobre o que ocorre pelo mundo. Nesse sentido, “a noção de aldeia global é bem uma expressão da globalidade das idéias, padrões e valores sócio -culturais, imaginários”.41 Essa noção pode ser entendida como cultura de massa, mercado de bens culturais, universo de signos e símbolos, linguagens e significados que povoam o modo pelo qual as pessoas se situam no mundo. Com os avanços da tecnologia, os meios de comunicação adquirem maiores recursos e alcances mais distantes. Assim, os meios de comunicação de massa rompem ou ultrapassam fronteiras, culturas, idiomas, religiões, regimes políticos e desigualdades sócio -econômica.

A globalização já se fazia presente na esfera religiosa desde a época do Império Romano. Neste período, a Igreja Católica expandiu-se por meio de seus inúmeros templos espalhados por toda a Europa. Posteriormente, com o surgimento do Protestantismo e do Pentecostalismo, nos séculos XVI e XX respectivamente, o mesmo processo ocorreu com esses novos movimentos. Apesar do Catolicismo ter surgido na Itália, o Protestantismo na Alemanha e o Pentecostalismo nos Estados Unidos, nenhum deles ficou restrito aos seus países de origem. Todos eles cresceram e se expandiram, ultrapassando fronteiras e conquistando fiéis em diversos países do mundo.

Em meio à globalização, Reginaldo Prandi afirma que as igrejas de grande sucesso – principalmente as neopentecostais - descobriram fórmulas racionalizadas e bem eficazes para sua propagação. Para ele, a igreja é um empreendimento que conta com um arsenal de soluções já testadas e aprovadas, e que em matéria estritamente religiosa repete fórmulas simples e pasteurizadas, podendo ser ouvidas em qualquer lugar do mundo aonde suas filiais vão sendo instaladas.42 Além disso, no mundo atual, nem é mais preciso ir ao templo. Basta ligar a televisão e sintonizar um dos inúmeros

canais acessíveis pelas antena s parabólicas ou via cabo para assistir a um culto religioso. A indústria cultural também adquiriu alcance global. Segundo Ianni, essa indústria atravessa todo o tipo de fronteiras, sejam elas geográficas, políticas, culturais, religiosas, lingüísticas e outras.43 Como resultado disso, podemos entender como o termo gospel, tão popularizada nos Estados Unidos, foi transplantada para o Brasil, no

41 Idem. Ibid. p. 119.

42 PRANDI, Reginaldo. A religião do planeta global in Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, 1997.

p. 69.

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início dos anos 90, por iniciativa da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, transformando-o em marca de sua propriedade e utilizando-o em diversos produtos comercializados pela igreja. Também podemos entender como o evento Marcha para Jesus, que teve início em Londres, na Inglaterra, no ano de 1987, pode ser realizado no Brasil e em mais de 170 países.

Além da globalização, resta esclarecer o significado dos conceitos de modernidade e pós- modernidade. Giddens afirma que “modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”.44 A modernidade, nesse caso, torna-se um estilo de vida, que começou a se originar no período da Reforma do século XVI, ganhando impulso a partir da revolução industrial inglesa e da revolução francesa. Giddens argumenta que ainda não vivemos em um mundo pós- moderno, mas um período por ele denominado de “alta modernidade”. No entanto, para outros estudiosos, o conceito de “pós-modernidade” tem a ver com uma reação ao projeto cultural da “modernidade”, um período de esvaziamento, decomposição e superação de tudo o que a “modernidade” pretendia instaurar. Esse momento cultural se manifesta na aquisição de novas formas de raciocinar, sentir e conceber a vida. No contexto de “pós-modernidade” o ser humano torna -se mais individualista, voltando-se para si mesmo, pois para ele não interessa o passado e nem o futuro, apenas o presente.

Diante desses conceitos, o Protestantismo tem sido vinculado ao processo de modernização no Ocidente, devido à sua ruptura com as antigas tradições religiosas e inserção ao sistema capitalista moderno. Por sua vez, as novas formas de

Pentecostalismo, principalmente as que surgem no Brasil, a partir da década de 70, estão associadas ao advento da “pós- modernidade”, quando rompem com as fronteiras delimitas pelo Pentecostalismo clássico, com uma nova visão de mercado.

1.2. Protestantismo e Pentecostalismo: um panorama histórico.

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Vimos até agora como os processos de secularização, desencantamento e reencantamento do mundo, pluralismo religioso e globalização afetaram a cultura e, em especial, a religião. Nesta segunda parte analisaremos o impacto desses fenômenos culturais sobre o Protestantismo, e em particular o Pentecostalismo. Pressupomos serem as novas formas de Pentecostalismo acomodações da religião nesse novo contexto cultural. Entre elas escolhemos para análise a Igreja Apostólica Renascer em Cristo. 1.2.1. O campo religioso e seus agentes

Para uma melhor compreensão da gênese e desenvolvimento da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, adotaremos como referencial teórico a visão de Pierre Bourdieu (1930-2002) sobre o campo religioso e seus agentes.45 Para Bourdieu, o surgimento das grandes religiões universais está atrelado à origem e ao desenvolvimento da cidade. A urbanização, segundo Bourdieu, contribuiu para a racionalização da religião na medida em que esta favoreceu o desenvolvimento de um corpo de especialistas, que mediante o reconhecimento social foi incumbido da gestão dos bens de salvação. Essa monopolização pelos especialistas religiosos permitiu a detenção exclusiva quanto à produção, reprodução e difusão dos bens religiosos. Assim, a constituição do campo religioso surgiu com a separação deste grupo de especialistas (clero) do grupo de leigos (laicatos), estes últimos destituídos do capital religioso e de legitimidade. Com esta separação, ficou nítida a formação de um campo religioso, em que temos de um lado a monopolização completa da produção religiosa por especialistas, e por outro lado o consumo religioso dos leigos.

Para Bo urdieu o campo religioso é dinâmico, pois nele ocorrem as relações de transação e de conflito entre os especialistas e leigos, e também entre os diferentes especialistas no interior do campo religioso.46 Nesta dinâmica é possível encontrarmos vários grupos de especialistas que concorrem entre si para estabelecer relações com o grupo de leigos. Essas relações constituem um papel fundamental na dinâmica do campo religioso, em que se verifica uma relação harmônica entre as práticas e crenças religiosas e os interesses materiais da sociedade, constituindo o que ele denomina de habitus.

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Segundo Bourdieu, habitus religioso é o “princípio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo as normas de uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural, ou seja, objetivamente ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social”.47 O funcionamento do campo religioso ocorre porque indivíduos e instituições utilizam seus respectivos “capitais religiosos” para concorrer pelo monopólio da gestão dos bens de salvação, e modificar ou inculcar um habitus religioso nos leigos sob suas influências.

Na tipologia weberiana, o monopólio da gestão dos bens de salvação é disputado pelos seguintes agentes no campo religioso: sacerdotes, profetas e magos.48 Dessa disputa surge a Igreja, que tem o reconhecimento da sociedade como detentora oficial dos bens de salvação em um determinado território, delegando a seus sacerdotes o monopólio da distribuição dos sacramentos e uma autoridade para o exercício de tal função. O profeta, por ser um empresário independente, conta somente com o seu capital religioso para arregimentar pessoas ao redor da mensagem que ele proclama. Nesse aspecto ele é considerado um revolucionário, porque tenta dessacralizar a ordem sacerdota l vigente, produzindo uma alternativa de doutrina sistemática paralela. Já o mago atua no mercado informal atendendo à sua clientela por intermédio do uso da magia. Os magos, em alguns casos, podem estar unidos em uma corporação fechada ou em uma casta hereditária, podendo adquirir, em determinadas comunidades, o monopólio da magia.

Todavia, por causa da complexidade dos agentes que atuam no campo religioso brasileiro, sentimos a necessidade de delimitar o nosso objeto de estudo, fazendo uma breve análise dos movimentos religiosos cristãos que surgiram a partir da Reforma protestante, tais como: Protestantismo, Pentecostalismo e as novas formas de Pentecostalismo.

1.2.2. Protestantismo

47 BOURDIEU, Pierre. Ibid. p. 57.

48 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. 1. 3ª Ed.

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A Reforma protestante iniciada no século XVI, na Alemanha, por meio de Martinho Lutero, contém os primeiros elementos para a mudança de paradigma no campo religioso cristão após o período do Renascimento. Isto porque, a Igreja cristã, oficializada como Igreja do Império pelo governo de Roma no século IV, assumiu a forma Católica Romana e dominou o cenário religioso no Ocidente por aproximadamente doze séculos. Essa Igreja tentou dessa maneira monopolizar em torno de si todas as atividades religiosas e políticas, por meio de ações que interferiam no funcionamento do Estado. Isso lhe possibilitou o controle total sobre todas as esferas da sociedade. Consequentemente, todas as outras opções religiosas surgidas naquela época eram perseguidas ou destruídas pela ação da Igreja e do Estado que, nesse período, agiam como um governo teocrático. A partir da Reforma protestante, o Ocidente passou, desde então, a contar com duas principais opções religiosas: Catolicismo e Protestantismo. O indivíduo, anteriormente obrigado por lei e tradição, desde o seu nascimento, a pertencer à religião oficial do Estado, ou seja, ao Catolicismo, passou a contar agora com mais uma opção de adesão religiosa. Desde então, o Protestantismo possibilitou o surgimento de várias outras denominações religiosas, tanto na Europa quanto nas colônias inglesas da América do Norte, disputando espaços que antes pertenciam à Igreja Católica.

O Protestantismo que surgiu da Reforma do século XVI, ao contrário do Catolicismo, não foi capaz de conservar-se unido, gerando uma variedade de tendências e instituições. Antonio Gouvêa Mendonça usa o termo “Protestantismos” (luterano, calvinista, metodista e outros) por causa da diversidade de correntes teológicas.49 Os Protestantismos europeus, ao emigrarem da América do Norte, passaram por uma série de transformações institucionais, teológicas e culturais que fizeram deles um fenômeno religioso distinto de suas origens históricas mais próximas. Todavia, segundo Mendonça, quando o Protestantismo chega ao Brasil, na metade do século XIX, encontra aqui uma religião já confortavelmente instalada.50 O Catolicismo, antes de ser a religião do Estado, era a religião do povo brasileiro. O Catolicismo levava vantagem de ter vindo

49 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Introdução ao Protestantismo no

Brasil. São Paulo: Loyola, 1990. p. 11.

50 MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do Protestantismo no Brasil. São Paulo:

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com os colonizadores e de ser implantado desde o primeiro momento da colonização no Brasil.

O Protestantismo inseriu-se no Brasil no final da primeira metade do século XIX, após duas tentativas fracassadas anteriormente.51 Na primeira delas, quando os franceses se estabeleceram no Rio de Janeiro, entre os anos de 1555 e 1560; e na segunda, quando os holandeses invadiram o Nordeste brasileiro, no período de 1630 e 1654. O primeiro impulso para a inserção definitiva dos protestantes no Brasil se deu basicamente por causa do processo imigratório, logo após a abertura dos portos brasileiros ao comércio inglês, em 1810. Segundo Boanerges Ribeiro, o Tratado de Aliança e Amizade e o de Comércio e Navegação, firmados entre o Brasil e a Inglaterra, abriu a primeira brecha na estrutura montada pela Igreja Católica na hegemonia do sistema religioso brasileiro.52 Desde então os ingleses poderiam celebrar o culto protestante a bordo de seus navios que ancoravam o porto do Rio de Janeiro ou em residências particulares. Além dos ingleses favorecidos pelo Tratado, chegaram ao país cidadãos de outros países protestantes, entre eles: norte-americanos, suecos, dinamarqueses e escoceses. A maioria desses cidadãos ficaram na Corte e os demais foram para outras regiões à procura de trabalho.

Outro fator que contribuiu para a inserção protestante no Brasil foi o incentivo governamental à imigração européia, principalmente a alemã, alguns anos mais tarde. Como a Constituição brasileira de 1824 permitia uma certa tolerância a cultos de outras religiões que não fossem católicas, instalaram-se no país anglicanos, episcopais e luteranos. Ribeiro aponta que havia divergência quanto à concessão de liberdade de culto a brasileiros natos, pois somente estrangeiros protegidos pelo tratado de 1810 com a Inglaterra podiam realizar culto não-católico.53 Contudo o artigo 5º da Constituição brasileira de 1824 estabeleceu o seguinte: “A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma

51 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ibid. p. 12.

52 RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil monárquico, 1822-1888: aspectos culturais de

aceitação do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973. p. 16-17.

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exterior de templo”.54 Apesar da limitação imposta por pressão da Igreja Católica Romana, os protestantes asseguraram seus direitos de expressão religiosa no Brasil.

A partir de 1850, começaram a chegar no Brasil os primeiros missionários protestantes com a finalidade de propagar sua fé. Segundo Mendonça, esse impulso corresponde ao que ele denomina de “Protestantismo missionário”.55 Por meio dele instalaram-se no Brasil a Igreja Congregacional, a Presbiteriana, a Metodista, a Batista e a Episcopal. Para uma melhor compreensão do Protestantismo, faremos um breve histórico a respeito de cada uma delas.

O missionário escocês chamado Robert Reid Kalley, juntamente com sua esposa, Sarah Poulon Kalley, deu início à Igreja Congregacional do Brasil. Robert Kalley trouxe para o Brasil o congregacionalismo, ramo calvinista das Igrejas livres da Inglaterra, praticando a democracia direta ao afirmar a autonomia das igrejas locais. O estabelecimento no Brasil se deu em 1855, no Rio de Janeiro. Robert Kalley introduziu a teologia conversionista simples, semelhante à dos avivamentos, e Sarah Kalley produziu um livro de hinos – Salmos e hinos – composto de uma miscelânea teológica em que prepondera a teologia do pietismo.56 Os hinários, posteriores e atuais, em uso em diversas denominações, têm como inspiração o hinário dos Kalley.

Segundo Douglas Nassif Cardoso, em 5 de outubro de 1856, Kalley já começava a utilizar a propaganda em jornais, publicando a tradução da obra de John Bunyan O Peregrino no jornal Correio Mercantil.57 Essa obra foi publicada em 35 capítulos, causando boa impressão junto aos leitores. Esta iniciativa foi um importante agente para propagar, durante esse período, suas idéias religiosas e liberais na sociedade e na corte. Kalley tinha por objetivo aproximar-se de vários segmentos da sociedade, por meio de sua atuação médica, artigos em jornais, contatos políticos e sociais, e, principalmente, o serviço de colportagem junto à população mais simples. De acordo com Émile G. Leonard, no período de 1855 a 1860 foram distribuídos 20 mil exemplares de Bíblias e

54 RIBEIRO, Boanerges. Ibid. p. 32.

55 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ibid. p. 31.

56 CARDOSO, Douglas Nassif. Sarah Kalley: missionária pioneira na evangelização do Brasil. São

Bernardo do Campo: Editora do Autor, 2005.

57 CARDOSO, Douglas Nassif. Robert Reid Kalley: médico, missionário e profeta. Universidade

(37)

Novos Testamentos no Brasil, realizado por meio de um intenso trabalho de colportagem, com a ajuda direta de seus colaboradores mais próximos.58

No dia 11 de junho de 1858, Kalley realizou o primeiro batismo de um brasileiro, em um culto doméstico no Rio de Janeiro.59 Kalley considerou este fato como um marco, a tal ponto de estabelecer nesta mesma data a fundação da primeira igreja, que recebeu o nome de Igreja Evangélica Fluminense, considerada a primeira comunidade protestante do Brasil. Com o estabelecimento da Igreja Evangélica, Kalley continuou com seus projetos evangelísticos por meio da utilização da mídia em jornais e revistas, da colportagem, dos cultos domésticos e da escola dominical. Porém, a denominação não se expandiu muito. Atualmente, as Igrejas congregacionais representam-se nacionalmente pela União de Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECB). A UIECB possui um seminário teológico no Rio de Janeiro e outros isolados ou ligados ao trabalho denominacional em vários estados. Segundo o último censo demográfico realizado pelo IBGE em 2000, a denominação tinha naquela época em torno de 148.836 membros.

Em 1859, a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América do Norte, conhecida como Igreja Presbiteriana do norte, enviou seu primeiro missionário ao Brasil, Ashbel Green Simonton, que chegou ao Rio de Janeiro em 12 de agosto do mesmo ano.60 Durante os oito anos de seu trabalho no Brasil, Simonton e seus auxiliares realizaram os seguintes feitos: a fundação de uma igreja no Rio de Janeiro, em 12 de janeiro de 1862; a fundação do primeiro jornal evangélico no Brasil, a Imprensa Evangélica em 05 de novembro de 1864; a organização do primeiro presbitério, do Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1865; e a fundação do primeiro seminário teológico, no Rio de Janeiro em 14 de maio de 1867.

Os presbiterianos do sul, representados pela Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, também enviaram um grupo de missionários ao Brasil, entre eles George Nash Morton e Edward Lane. Esses missionários estabeleceram colônias em diversas regiões do Brasil. Dentre elas, a colônia de Santa Bárbara do Oeste, na província de São Paulo,

58 LEONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 3ª Ed. São

Paulo: ASTE, 2002. p. 55.

Referências

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