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A emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da formação de professores no Brasil

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Academic year: 2017

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CARLA REGINA CALONI YAMASHIRO

A EMERGÊNCIA DA NECESSIDADE

FORMATIVA DOCENTE NO CAMPO

DISCURSIVO DA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES NO BRASIL

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A EMERGÊNCIA DA NECESSIDADE

FORMATIVA DOCENTE NO CAMPO

DISCURSIVO DA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES NO BRASIL

Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologias, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente – SP, para obtenção do título de Doutor em Educação.

Linha de pesquisa: Políticas Públicas e Formação de Professores

Orientadora: Profª. Drª. Yoshie U. Ferrari Leite Coorientador: Prof. Dr. Divino José da Silva

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FICHA CATALOGRÁFICA

Yamashiro, Carla Regina Caloni.

Y19e A emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da

formação de professores no Brasil / Carla Regina Caloni Yamashiro. - Presidente Prudente: [s.n], 2014

260 f.

Orientador: Yoshie Ussami Ferrari Leite

Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia

Inclui bibliografia

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NO CAMPO DISCURSIVO DA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES NO BRASIL

Tese aprovada como requisito parcial como obtenção do grau de Doutora em Educação, da Universidade Estadual Paulista, pela seguinte banca examinadora:

Presidente e Orientadora: Profª Drª Yoshie Ussami Ferrari Leite

Departamento de Educação, UNESP/Presidente Prudente

Coorientador: Prof. Dr. Divino José da Silva

Departamento de Educação, UNESP/Presidente Prudente

Prof.ª Drª Iria Brzezinski

Departamento de Educação, PUC/Goiás

Profª Drª Graziela Zambão Abdian

Departamento de Administração e Supervisão Escolar, UNESP/Marília

Prof. Dr. Pedro Ângelo Pagni

Departamento de Administração e Supervisão Escolar, UNESP/Marília

Prof. Dr. Alberto Albuquerque Gomes

Departamento de Educação, UNESP/Presidente Prudente

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A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta de muitas pessoas. Manifesto, pois, a minha gratidão a todas elas e de forma particular:

a todos os colegas, alunos e professores, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologias – UNESP/Presidente Prudente – SP, pelas ricas discussões proporcionadas nos momentos de aulas e tópicos especiais;

ao membros do Grupo de Pesquisa de Formação de Professores, Políticas Públicas e Espaço Escolar (GPFOPE) pelos enriquecidos momentos de estudo;

a todos os funcionários da biblioteca e da seção de pós-graduação que muito gentilmente sempre me atenderam prontamente;

à Profª Drª Yoshie Ussami Ferrari Leite e ao Prof. Dr. Divino José da Silva pela confiança depositada em mim ao me orientarem neste trabalho;

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YAMASHIRO, CARLA R. C. A emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da formação de professores no Brasil. 2014. 260f. Tese (Doutorado em Educação) – UNESP, Faculdade de Ciências e Tecnologia – campus de Presidente Prudente, 2014.

Este trabalho está vinculado à linha de pesquisa “Políticas Públicas, Organização Escolar e Formação de Professores” e tem como interesse o estudo da emergência do objeto necessidade formativa de professores no discurso da formação de professores no Brasil. Esse interesse surgiu a partir de leituras de textos de Michel Foucault sobre o nexo entre a produção de saber e o exercício do poder e os seus efeitos na subjetivação do indivíduo e na regulação da população e a partir de leituras sobre a produção do discurso como arena do exercício do poder e da estratégia de governamento. Neste estudo, problematizo o caráter de verdade absoluta do objeto necessidade formativa docente, perguntando-me a respeito da condições que proporcionaram a emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da formação de professores. O objetivo geral desta pesquisa é compreender as condições que proporcionaram a emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da formação de professores atualmente no Brasil e os objetivos específicos são identificar, descrever e analisar os regimes de verdade produzidos pelos discursos do âmbito da legislação educacional, mais especificamente, da política de formação continuada de professores, no Brasil, que colocam a análise de necessidades de formação de professores dentro da ordem do discurso da política de formação de professores; e compreender quais são os efeitos provocados pelo exercício do poder biopolítico no discurso da formação de professores na atual política de formação de professores no Brasil. A metodologia deste trabalho corresponde à análise discursiva de textos articuladores das políticas de formação de professores no Brasil, cujas ferramentas usadas para a análise foram a norma, a função autor e o comentário. A análise indicou que a emergência da necessidade de formação docente coexiste com a emergência de outros objetos como a inclusão de todos na educação escolar, a emergência da aprendizagem permanente como estratégia biopolítica de subjetivação do indivíduo professor e de sua população em um tipo de sujeito homo oeconomicus da educação.

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ABSTRACT

YAMASHIRO, CARLA R. C. The emergency of the teachers training needs in the discursive field of teachers training in Brazil. 2014. 260f. Tese (Doutorado em Educação) – UNESP, Faculdade de Ciências e Tecnologia – campus de Presidente Prudente, 2014.

This paper is related to the research area “Public Policies, School Organization and Teachers Training”. Its aim is to study the emergency of the subject teachers training needs in the teachers training discursive field in Brazil. This interest emerged from readings of Michel Foucault’s texts about the relation between the production of knowledge and the exercise of power and their effects on the subjectivation of the individual and the regulation of the population; and from readings about discourse production as an arena of the exercise of power and government strategies. This research has as problem the status of de thruth from the teachers training needs. This research has as its general aim to understand the conditions that provide the emergency of the teachers training needs in the discursive field of the teachers training in Brazil. The specific aims are to identify, describe and analyze the regimen of truth produced by the discourse of the educational policies, specifically the policies about teachers continuous training in Brazil, which put the analysis in the order of the discourse of teachers training policies; and to comprehend the effect of the biopolitics power over the discourse of the current teachers training policies in Brazil. This paper’s methodology corresponds to the discursive analysis of texts that articulate the teachers training policies in Brazil. The theoretical tools used for this analysis were norm, function-author and comment. With this analysis, it is possible to observe that the emergency of the teachers training needs coexists with the emergency of other subjects such as the inclusion of all individuals in the scholar education, the emergency of the long-life learning as biopolitical strategy to the teacher’s subjectivation and their population in a type of educational homo oeconomicus person.

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1 INTRODUÇÃO... 10

2 EXPERENCIANDO... 14

2.1 Do início... 15

2.2 O problema da pesquisa... 24

2.2.1 O percurso da elaboração do problema... 25

2.2.2 O problema que se fez... 39

2.3 (Re)Localizando a pesquisa... 40

2.4 Os objetivos... 42

2.5 A metodologia e o corpus de análise... 43

3 AS NOÇÕES DE PODER, SABER E DISCURSO... 48

3.1 O nexo saber/poder na constituição das individualidades e das coletividades... 49

3.2 A noção de poder para Michel Foucault... 52

3.3 Biopoder e biopolítica no exercício do poder na Modernidade... 54

3.4 O eixo disciplinar: o dispositivo disciplinar como tecnologia de poder... 59

3.5 O biopoder/a biopolítica como tecnologia de poder... 65

3.6 A governamentalidade como ferramenta teórica... 69

3.7 A lei e a norma, a disciplina e a biopolítica... 72

3.8 A articulação entre discurso, saber e poder... 78

3.9 Procedimentos que atuam na ordem do discurso... 83

4 BIOPOLÍTICA, GOVERNAMENTALIDADE E EDUCAÇÃO... 92

4.1 Foucault e a educação... 92

4.2 Biopolítica e governamentalidade: ferramentas para a pesquisa educacional... 95

4.3 A emergência das ciências da educação como tecnologia biopolítica das sociedades governamentalizadas e sua articulação com a racionalidade liberal e neoliberal... 99

4.4 A emergência de processos de pedagogização na racionalidade neoliberal... 106

4.5 A emergência da formação continuada de professores no Brasil... 110

5 A NECESSIDADE FORMATIVA DOCENTE NA ORDEM DO DISCURSO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES... 114

5.1 A emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da formação de professores... 116

5.2 O contexto do corpus analisado e o método de análise... 122

5.3 A norma como estratégia do exercício do poder biopolítico no discurso da formação de professores no Brasil... 131

5.4 A função autor e o comentário como princípios de rarefação dos enunciados coexistentes à necessidade formativa docente nos textos: a qualidade e a valorização usadas como estratégias de governamento docente... 151

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ANEXO A - Quadro 1: Quadro-síntese do levantamento bibliográfico das pesquisas sobre necessidades formativas de professores... 213

ANEXO B – Quadro 2: Quadro-síntese do levantamento bibliográfico de

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho está vinculado à linha de pesquisa “Políticas Públicas, Organização Escolar e Formação de Professores” e tem como interesse o estudo da emergência do objeto necessidade formativa de professores no discurso da formação de professores no Brasil. A Necessidade formativa docente surge nas discussões sobre o sistema nacional de formação de professores, como uma das etapas de planejamento das ações de formação inicial e continuada de professores.

O meu interesse em estudar a emergência desse objeto surgiu a partir de leituras de textos de Michel Foucault sobre o nexo entre a produção de saber e o exercício do poder e os seus efeitos na subjetivação do indivíduo e na regulação da população; e de leituras sobre a produção do discurso como arena do exercício do poder e da estratégia de governamento. Esse interesse levou-me a elaborar o objetivo geral desta pesquisa que é compreender as condições que proporcionaram a emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da política de formação de professores atualmente no Brasil. Esse objetivo geral desdobrou-se em outros dois objetivos específicos que são identificar, descrever e analisar os regimes de verdade produzidos pelos discursos no âmbito da política educacional, mais especificamente, da política de formação continuada de professores, no Brasil, que colocam a análise de necessidades de formação de professores dentro da ordem do discurso da política de formação de professores; e indicar quais são os efeitos provocados pelo exercício do poder biopolítico no discurso da formação de professores na atual política de formação de professores no Brasil.

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É importante salientar que considero a necessidade formativa docente como um objeto porque emerge na materialidade do discurso das políticas de formação de professores, devido às relações discursivas entre os enunciados que mantêm coexistência com esse objeto.

Este trabalho está organizado em seis partes, sendo que a primeira corresponde a esta introdução; na segunda, apresento a trajetória de construção desta pesquisa; na terceira e quarta partes exponho o referencial teórico-metodológico no qual me baseei e do qual usei algumas ferramentas para fazer a análise do discurso da formação de professores; a quinta parte foi dedicada à apresentação da análise dos textos; e, por fim, na sexta parte teço algumas considerações sobre esta pesquisa.

Na segunda parte exponho detalhadamente o percurso de construção do projeto desta pesquisa. Foi importante relatar como pude fazer as escolhas que fiz para realizar este trabalho. Tomo-o como uma experiência na qual eu testei a mim mesma e não apenas as ferramentas teóricas e metodológicas utilizadas na pesquisa. É nesta parte que apresento também a metodologia e os objetivos deste trabalho.

Na terceira parte apresento noções relacionadas ao nexo entre a produção de saberes e o exercício dos poderes disciplinar e biopolítico. Abordo assuntos como o deslocamento dos mecanismos de poder disciplinares para mecanismos de poder biopolíticos; a questão da governamentalidade; a emergência da norma e do modelo de exame como efeitos do exercício do poder biopolítico; as noções de discurso e sua articulação com a produção de saberes; a noção de discurso na perspectiva de Michel Foucault e suas diferenças com outras teorias; apresento, por fim, os procedimentos de análise na interioridade e na exterioridade discursiva.

Na quarta parte deste estudo, exponho alguns trabalhos realizados no campo da educação cujo referencial teórico ou metodológico foi o foucaultiano, a fim de demonstrar que esse referencial teórico pode ser usado para problematizar assuntos educacionais, mesmo embora o próprio Michel Foucault não tenha se dedicado ao estudo de assuntos educacionais em suas pesquisas.

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há explicações mais aprofundadas e detalhadas de noções associadas ao referencial teórico exposto nos itens três e quatro, que preferi apresentar juntamente às análises e não, como de praxe, no capítulo reservado à teoria. Preferi trabalhar dessa forma porque tomo as noções teóricas que embasam este trabalho não apenas como noções teóricas, mas também como ferramentas de pesquisa1. Então, achei mais esclarecedor e coerente apresentar algumas noções teóricas juntamente às análises discursivas, diminuindo, inclusive a distância entre elas no espaço textual.

A partir da análise foi possível observar que a emergência da necessidade formativa docente coexiste com a emergência de outros temas como a inclusão de todos na educação escolar, e como a ênfase na aprendizagem permanente do docente. A coexistência desses temas na materialidade discursiva das políticas educacionais pode ser considerada como parte da estratégia biopolítica de subjetivação do indivíduo professor e da população docente que tem contribuído para a formação de um tipo de sujeito homo oeconomicus da educação.

Ao estudar a dispersão discursiva que dá condições de existência ao objeto necessidade formativa docente a partir das noções de biopolítica e governamentalidade, percebi que ele emerge, na contemporaneidade, impulsionado pela maior ênfase em mecanismos reguladores e controladores próprios do exercício do poder biopolítico agindo na formação e na vida dos professores. A população de professores vem se adequando ao perfil de um profissional empresário de si mesmo, que procura acumular capital humano a fim de adequar-se e competir no mercado de trabalho. A elaboração, o diagnóstico e a análise de suas necessidades de formação funcionam como mecanismos de retroalimentação da formação continuada, justificando a existência e necessidade desse tipo de formação por meio da produção de saberes sobre os professores (sua atuação, suas dificuldades, suas inadequações, ou, talvez, suas ‘anomalias’). A emergência da preocupação em analisar ou levantar as necessidades formativas docentes das atuais políticas educacionais brasileiras é resultado dos efeitos da norma e do modelo do exame articulados entre si em consonância com o exercício do biopoder articulado, por sua vez, com a racionalidade neoliberal.

1 Para Foucault, o discurso é uma prática. Portanto, ao escolher lidar com as noções

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2 EXPERENCIANDO

Tenho encarado esse processo vivido por mim como uma experiência proporcionada pelo ato de pesquisar. Experiência entendida aqui não apenas como uma vivência prática de uma teoria, mas como um momento de desgaste de mim mesma, de apagamento de alguém que não quero mais ser. Por um lado, experenciar o apagamento de mim mesma é como desapegar-se daquilo que pensei que me sustentaria para sempre; por outro lado, está sendo forjar alguém cuja figura ainda se esboça.

Por isso, acredito que esta porção de páginas que agora apresento é uma materialização de um discurso que não surgiu isoladamente da minha cabeça, mas de uma experiência compartilhada com outros em um determinado tempo e espaço. Assim como todo discurso, este que construo aqui também é histórico e contingente; bem como acredito ser a elaboração de um saber que surge em meio às relações de poder que me transpassam, que me constituem, que me governam e aos quais, às vezes, também resisto. O que procuro fazer nesta primeira parte, então, é descrever o que foi esse experenciar.

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2.1 Do início...

[...] quem sou eu, que pertenço a esta humanidade, talvez a esta parte, a este momento, a esse instante de humanidade que está sujeitada ao poder da verdade em geral e das verdades em particular? (FOUCAULT, 2000c, p.180).

Entendo que esta pesquisa seja fruto de diferentes experiências que vivenciei no decorrer de minha formação profissional, proporcionadas por três momentos da minha vida: minha atuação como professora de Português da educação básica da rede pública, em escolas estaduais paulistas, desde o ano de 1995; minha atuação como Assistente Técnica Pedagógica (ATP) da Diretoria de Ensino de Presidente Prudente – SP, entre os anos de 2004 a 2008; e a minha participação como aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP/Presidente Prudente – SP, desde 2006, ano em que ingressei como aluna mestranda desse programa.

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incorporada à profissão, como uma prática que faz parte da natureza da docência, como se sua existência não pudesse ser questionável, dada a relevância que ela recebe nos discursos veiculados nesse meio profissional. Relevância essa que eu percebo vir aumentando paulatinamente, desde que comecei a dar aulas, em 1995.

Toda essa relevância atribuída à formação continuada de professores foi um dos fatores que insuflou em mim uma grande vontade em assumir o compromisso de formadora na função de Assistente Técnico Pedagógico (ATP), junto à Diretoria de Ensino de Presidente Prudente – SP, na, então, chamada Oficina Pedagógica, departamento que era responsável por implementar e planejar projetos de formação continuada de professores atuantes nas escolas estaduais de Presidente Prudente e região. Participei de inúmeras ações e projetos, presenciais e semipresenciais (parte presenciais e parte a distância) implementados pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, sendo o último deles o Programa de Formação Continuada de Professores “Teia do Saber”, ao qual ajudei a implementar, juntamente com uma equipe, entre os anos de 2006 a 2008. Com essa experiência como ATP, em um órgão estadual, em um departamento especificamente destinado ao planejamento e implementação de ações e projetos de formação continuada de professores, percebi que a formação continuada de professores pode ser um dos meios de controle dessa população. Um meio de controle porque dentre as atividades do ATP incluíam a aplicação de orientações técnicas, organização das ações de formação já prontas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e a visita nas escolas, para averiguar se os professores estavam aplicando os conhecimentos e práticas veiculas nesses espaços.

É claro que, naquela ocasião, eu não tinha a menor ideia do que acabei de escrever: a minha disposição para o trabalho era motivada pela crença de satisfazer as necessidades formativas dos docentes, de sanar suas dificuldades por meio dos espaços proporcionados à formação continuada, bem como adequar a sua atuação ao que era esperado. Mas essa crença inicial começou a ruir quando ingressei no mestrado, momento em que passei a perceber mais fortemente que havia questões de ordem política envolvidas na formação continuada de professores e depois, já no doutorado, que essas questões eram da ordem da biopolítica2.

2 Biopolítica é uma noção forjada por Michel Foucault para designar o modo como a prática

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Também entre 2006 e 2008, foi o período que cursei o mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP/Presidente Prudente – SP, na linha de pesquisa “Políticas Públicas, Organização Escolar e Formação de Professores”, áreas pelas quais sempre nutri interesse. A pesquisa que realizei teve como objeto de estudo as ‘necessidades formativas de professores’, e como objetivo diagnosticar necessidades de formação de professores do ciclo I do Ensino Fundamental de escolas estaduais do município de Presidente Prudente – SP, com a intenção de fornecer subsídios teóricos para o planejamento de ações e projetos de formação continuada para esses professores. Naquele momento, eu estava preocupada em diferenciar o modelo de formação continuada de caráter tecnicista e tradicional, de modelos mais próximos de teorizações que defendem uma formação mais centrada na escola, a partir das necessidades dos próprios professores. Para mim, naquele momento, a existência das necessidades formativas de professores era um elemento também inquestionável assim como as práticas de formação continuada de professores. O que eu enfoquei como discussão era a maneira mais adequada de se fazer a formação continuada e, consequentemente, adequar o modo de diagnosticar as necessidades formativas desses profissionais às características desse tipo de formação, que se esforça em se distinguir dos modelos tecnicistas e tradicionais.

Defendi o meu mestrado e saí dele com a certeza de que a formação continuada precisava mudar para que pudesse satisfazer as necessidades dos professores, e com a certeza de que o modo como as necessidades formativas estavam sendo concebidas e analisadas em seus diagnósticos também. Mudar de modo que trouxesse o professor para uma posição de participante ativo no planejamento de sua própria formação e, consequentemente, menos executor de planejamentos impostos por outrem. Enfim, mudar de modo que o próprio professor pudesse gerenciar sua própria formação, analisar as suas próprias necessidades formativas, organizar seus próprios espaços de formação. Esperava da formação continuada um espaço dentro da minha jornada de trabalho que me possibilitasse conhecer temas ainda desconhecidos, aprofundar questões que elaborava e discutir com meus parceiros rumos a serem tomados no ambiente escolar e nas políticas

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educacionais. Espera, enfim, que os espaços de formação continuada pudessem me proporcionar uma maior liberdade na minha profissão.

Desse modo, ingressei no doutorado, na mesma linha de pesquisa e na mesma instituição que cursei o mestrado, com um projeto que tinha ainda como objeto as ‘necessidades formativas de professores’ e que tinha o objetivo de elaborar um conceito de necessidades formativas que se adequasse melhor aos modelos de formação continuada menos tecnicistas e tradicionais e mais próximos à concepção de formar um professor autônomo e crítico frente aos seus afazeres profissionais.

A minha primeiríssima dificuldade no doutorado apareceu quando, com a ajuda dos colegas e também dos professores do programa de pós-graduação, por meio das reuniões do Grupo de Pesquisa de Formação de Professores, Políticas Públicas e Espaço Escolar (GPFOPE) e do seminário de pesquisa organizado pela instituição, pude perceber em meu projeto a falta de clareza quanto ao problema da pesquisa e quanto ao referencial teórico a ser baseada a pesquisa e, por consequência, a falta de coerência entre metodologia e o aporte teórico até então construído.

Durante o primeiro ano de doutorado, então, fiz disciplinas que me dessem condições de conhecer autores, teorias e metodologias de pesquisa que pudessem sustentar teoricamente o meu estudo. Foi durante esta busca que me deparei com alguns textos de Michel Foucault e Friedrich Nietzsche.

Visitei timidamente a obra nietzscheana para tentar entender Foucault, seguindo sugestão do professor José Luís Sanfelice (UNICAMP – SP), que durante uma palestra sobre metodologia de pesquisa, disse que para entender Foucault era preciso primeiro ler Nietzsche. Essa sugestão me foi providencial, pois, eu, na ocasião, cursava uma disciplina cuja programação incluía textos tanto de um quanto de outro autor e eu não conseguia entender nem um nem outro. (Julgo agora que talvez essa impossibilidade de entendimento desses autores era agravada não apenas pelo meu desconhecimento de suas ideias, mas também pela minha tamanha certeza absoluta nos princípios que me guiavam ao terminar o mestrado. Para entendê-los, comecei a aprender a relativizar).

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autor e que representa bem a transição de perspectiva que ocorreu comigo ao ler alguns textos de Nietzsche (2005):

No Sul

Eis-me suspenso a um galho torto E balançando aqui meu cansaço. Sou convidado de um passarinho E aqui repouso, onde está seu ninho. Mas onde estou? Ai, longe, no espaço.

O mar, tão branco, dormindo absorto, E ali, purpúrea, vai uma vela.

Penhasco, idílios, torres e cais, Balir de ovelhas e figueirais. Sul da inocência, me acolhe nela!

Só a passo e passo – é como estar morto, O pé ante pé faz o alemão pesar.

Mandei o vento levar-me ao alto, Aprendi com pássaros leveza e salto –

Ao sul voei, por sobre o mar.

Razão! Trabalho pesado e ingrato! Que vai ao alvo e chega tão cedo! No voo aprendo o mal que me eiva –

Já sinto ânimo, e sangue e seiva De nova vida e novo brinquedo...

Quem pensa a sós, de sábio eu trato, Cantar a sós – já é para os parvos! Estou cantando em vosso louvor: Fazei um círculo e, ao meu redor, Malvados pássaros, vinde sentar-vos!

Jovens, tão falsos, tão inconstantes, Pareceis feitos bem para amantes E em passatempos vos entreter... No norte amei – e confesso a custo –

Uma mulher, velha de dar susto:

“Verdade”, o nome dessa mulher.

(Idem, p.455-456)

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que debilita (investigar o domínio que há sobre nós, que nos constitui, que constitui o nosso ser, os nossos pensamentos). É claro que não sou especialista em Nietzsche, mas o pouco que li me provocou uma transformação na maneira de ver a ciência e a partir daí me posicionei de modo diferente frente à minha própria proposta de pesquisa. Para mim, a ciência era a dona da verdade, acima do bem e do mal, pela qual eu estava cega pela paixão; depois de me deparar com as ideias de Nietzsche, de Foucault e de seus comentaristas, passei a ver a ciência e a verdade como sendo deste mundo, como bem disse Foucault.

Desde então, as leituras de Foucault não ficaram mais fáceis, mas ficaram mais instigantes, movimentavam meu olhar e minha percepção a outros caminhos para analisar tanto a formação continuada de professores quanto as necessidades de formação desses profissionais (objeto desta pesquisa). O projeto inicial de doutorado já não me traduzia mais como pesquisadora, já não era o que eu queria que me correspondesse como professora. Começou aí uma desconstrução do que eu havia aprendido e a construção de um novo projeto que não fosse tão incoerente com o que eu vivia e sentia como professora e ao que eu verificava, estudava, analisava e forjava como pesquisadora na área da Educação; para mim tornou-se impossível pensar ou escrever algo diferentemente do que eu vivia e sentia na pele. Os saberes por mim construídos até então não respondiam e não serviam ao entendimento do que me constituía nem ao que eu gostaria que me constituísse; acho que serviam a outros, mas não mais a mim. O que eu tinha era dor nos joelhos, porque sustentava no meu corpo, na minha mente, nos meus atos, no meu discurso, uma posição que percebia, ainda que nebulosamente naquele momento, ser insustentável ao que eu queria ser, ou melhor, ao que eu gostaria que me governasse.

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formular nesta pesquisa, primeiro, é uma atitude/reflexão de esclarecimento do que me tem governado e, depois, uma atitude/reflexão sobre este esclarecimento, na tentativa de subsidiar uma escolha de aceitação ou não de ser governado sob determinados princípios. A partir desse encontro, eu passei a buscar uma possibilidade de construir uma crítica ao que Foucault chama de ‘governamentalização’ e que naquele momento eu estava tentando compreender o que era.

Mesmo sem saber muito ao certo de nada, percebia que os objetivos, o referencial teórico, o método de pesquisa já não cabiam mais na minha vontade de pesquisar: abandonei a vontade de elaborar uma definição de necessidades formativas de professores, adequada aos profissionais da educação básica pública e estatal, e deixei fluir a vontade de saber o que faz a definição das necessidades de formação de professores uma possibilidade discursiva dentro dos contextos da formação continuada como parte da política educacional e como prática de pesquisa.

Então, achei importante aproximar esta pesquisa da abordagem histórico-filosófica, proposta por Foucault (2000c) como uma prática que não é de ordem fenomenológica, nem positivista, nem dialética, mas se trata de uma prática que fabrica a história daquilo que é atravessado pelas “relações entre as estruturas de racionalidade que articulam o discurso verdadeiro e os mecanismos de sujeição a elas ligados” (FOUCAULT, 2000c, p.180).

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saberes, verdades, conhecimentos relacionados às necessidades de formação docente o status de teste de acontecimentalização. Foucault (2000c) nos explica que tratar o conhecimento como um teste de acontecimentalização é atentar para as conexões existentes entre os saberes produzidos e os poderes exercidos sobre os indivíduos e a população. Para Foucault (2000c, p.182-183), usar a ferramenta teórica da acontecimentalização em uma pesquisa é indicar,

de modo inteiramente empírico e provisório, as conexões entre os mecanismos de coerção e os conteúdos de conhecimento. Mecanismos de coerção diversos, que podem ser os conjuntos legais, os regulamentos, os dispositivos materiais, os fenômenos de autoridade etc.; conteúdos de conhecimento que serão tomados igualmente na sua diversidade e na sua heterogeneidade, e que serão conservados na função dos efeitos de poder de que são portadores, enquanto são validados como fazendo parte de um sistema de conhecimento.

O uso da noção de acontecimentalização como ferramenta teórica possibilita perceber as conexões entre os saberes produzidos sobre a população de professores (suas necessidades formativas) e os poderes atuantes na constituição desses profissionais. Operar com essa ferramenta, nesta pesquisa, é tentar perceber como os enunciados sobre a formação de professores são transpassados pelo exercício do poder biopolítico e vão se apoiando uns nos outros para legitimarem as práticas de investigação sobre esses profissionais cujas necessidades, dificuldades, desejos, expectativas profissionais são tanto perscrutadas quanto fabricadas.

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para e por determinados saberes são da ordem do poder. Desse modo, fui entendendo que o saber e o poder não são independentes um do outro, afinal, um conhecimento nunca seria um saber aceitável se não estivesse vinculado a um conjunto de regras do discurso que lhe conferisse poder para ser saber; da mesma forma que nada é mecanismo do poder se não estivesse vinculado a saberes construídos por meio das explicações e modelos discursivos.

Tentar, portanto, aproximar esta investigação de um caráter crítico, à moda foucaultiana, e histórico-filosófico, me permitiu compreender o nexo entre saber-poder, não apenas a descrição de um saber ou de um poder. Proporcionou-me a escolha de admitir como relevante a compreensão do que constitui a aceitabilidade de um sistema como verdade, a partir do nexo poder-saber, tomando esse nexo como um quadro de análise, cujo procedimento não se preocupa com a legitimação do fato, mas com a análise, a partir do jogo saber-poder da aceitação do fato (esse procedimento de análise é o que Foucault nomeou como arqueologia). Admitindo a importância de compreender esse nexo saber-poder, também pude partilhar da ideia de Foucault em não considerar os saberes analisados como universais, mas tomá-los como efeitos de uma rede que explica determinada singularidade (procedimento conhecido como genealogia). Não posso dizer que estou suficientemente preparada para me colocar aqui como uma conhecedora da arqueogenealogia foucaultiana nem da abordagem histórico-filosófica, pelo contrário, tenho mais segurança, por enquanto, em me apresentar como uma aprendiz desses procedimentos de análise e dessa abordagem.

No entanto, e justamente por me sentir ainda uma aprendiz, prefiro afirmar que busco aproximar o caráter desta pesquisa à abordagem histórico-filosófica, porque entendo que as necessidades de formação de professores surgem como um efeito de uma multiplicidade de determinantes, como, por exemplo, a ênfase na formação continuada de professores, a ênfase na fabricação do indivíduo-empresa (empresário de si mesmo, responsável pelo seu investimento profissional, intelectual e cultural), o deslocamento dos direitos adquiridos para um tipo de relação econômica na qual o cidadão detentor de estados de direito se desloca para a posição de consumidor de serviços públicos e privados como ocorre com a saúde, a educação, o transporte, a segurança etc. na atualidade.

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escolhas penetrassem neste trabalho, foi preciso me desfazer do problema anterior e pensar sobre qual era o problema do meu problema, ou melhor, pensar sobre o que me incomodava naquele problema e sobre o que, de fato, estava me impulsionando a continuar a tocar um projeto sem sequer saber onde iria dar.

2.2 O problema da pesquisa

Sempre compreendo o que faço depois que já fiz. O que sempre faço nem seja uma aplicação de estudos. É sempre uma descoberta. Não é nada procurado. É achado mesmo. Como se andasse num brejo e desse no sapo. (Manoel de Barros, Pintura, 2008, p. 77).

Antes de andar no brejo e dar no sapo, naquele início, parcialmente descrito no tópico anterior, eu estava em busca de uma forma plausível ou de um terreno firme que desse na verdade; eu buscava delinear ou elaborar (naquela época não ousava dizer “inventar”) uma definição de necessidades de formação de professores e uma técnica de coleta e de diagnóstico dessas necessidades que melhor se arranjassem à fabricação de um tipo de professor necessário à educação básica pública: um professor crítico, reflexivo, autônomo, pesquisador, características que, para mim, se resumiam à palavra “emancipador”. Entendo agora que o problema da minha pesquisa era forjar uma técnica (biopolítica?) de investigação que auxiliasse no diagnóstico do que precisaria ser feito para que se produzisse esse tipo de professor afeito a um tipo de criticidade, reflexão, autonomia e pesquisa, produto de práticas destinadas à aquisição dessas habilidades, nos espaços de formação desse profissional. Esse foi o problema que se desfez ao longo do voo sobre o mar, usando a figura de Nietzsche, do poema aqui mencionado anteriormente.

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questão, o que importava, para mim, não poderia ser, depois do passeio pelo brejo e o encontro com o sapo, um problema acadêmico. O que estava em jogo era uma questão ética, não uma ética do tipo moral, mas uma ética como produção de mim mesma. Produzir um saber, nesse momento da minha vida, era intencionar produzir a mim mesma como professora; como, então, fabricar-me presa ao que eu queria me soltar? O brejo me é ainda incompreensível, mas, decidi me fabricar nele, mesmo sem a certeza se estaria solta ao final deste trabalho. Abandonei, então, aquele problema, e outro se constituiu conforme fui seguindo a jornada.

No entanto, o percurso de estudos que culminou na decisão em manejar com as ferramentas foucaultianas não foi sempre uma certeza, pois, durante esse trajeto, percebi a variedade de caminhos que poderia seguir para investigar as necessidades de formação dos professores. Para me decidir por esse referencial, fiquei atenta às minhas angústias de pesquisadora-professora. Procuro descrever como foi essa experiência logo a seguir.

2.2.1 O percurso da elaboração do problema

Logo que ingressei no doutorado, a partir do segundo semestre de 2010, enquanto cursava as disciplinas, motivada pelo objetivo de ler mais trabalhos que versassem sobre a necessidade formativa docente e elaborar melhor o problema da minha pesquisa, fiz uma busca de pesquisas sobre esse tema, realizadas no Brasil e em Portugal.

Iniciei esse levantamento a partir de três programas de pós-graduação em Educação e um em Educação Escolar todos da Universidade Estadual Paulista (UNESP), oferecidos nos campi de Marília, Rio Claro, Presidente Prudente e Araraquara. O meio de busca das pesquisas foi a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações C@tedra, ferramenta que oferece acesso às teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação dessa universidade.

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até mesmo, à introdução do texto. Após essa primeira seleção, encontrei um total de três pesquisas sobre o objeto ou o tema em questão, sendo duas dissertações de mestrado, defendidas pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP de Araraquara, no ano de 2007, e o meu próprio mestrado, defendido em 2008.

Munida ainda de poucos trabalhos sobre o tema estudado por mim, e também porque sabia que alguns estudos, abordando esse tema, já tinham sido feitos em Portugal, realizei um levantamento nas bibliotecas digitais de teses e dissertações de programas de pós-graduação na área de Educação de universidades desse país. Foi aplicado o mesmo procedimento de busca nos sites dos programas de pós-graduação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e do Instituto de Educação, ambos pertencentes à Universidade de Lisboa; do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho; e da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Dos setecentos e noventa e três títulos, cinco trabalhos versavam sobre o mesmo tema estudado por mim, todos, dissertações de mestrado.

Quando ainda estava nesse momento de busca de novos trabalhos, fui convidada pela orientadora desta pesquisa a assistir, em março de 2011, a defesa de doutorado de Camila José Galindo, cujo trabalho também abordava as necessidades de formação de professores. Na sua tese, a pesquisadora apresenta os resultados que obteve ao fazer um levantamento no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que faz parte do Portal de Periódicos da CAPES/MEC e tem o objetivo de facilitar o acesso a teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação brasileiros. A pesquisadora levantou dezesseis pesquisas a respeito do tema, dentre eles aqueles três trabalhos, defendidos pelos programas de pós-graduação da UNESP, já mencionados por mim.

Em sua tese, Galindo (2011) apresenta um quadro no qual sintetiza todos os dezesseis estudos por ela encontrados, entre os anos de 2000 e 2010. A contribuição deste levantamento, realizado pela pesquisadora, proporcionou-me condições de consultar essas teses e dissertações como referências.

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pós-graduação de Portugal, já mencionados. O Quadro 1, em anexo, é o resultado da leitura dos resumos e das introduções dos cinco trabalhos portugueses, e de mais dois trabalhos brasileiros defendidos em 2011, sendo um deles a tese de Galindo e um mestrado defendido pelo programa de pós-graduação da UNESP de Presidente Prudente – SP.

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autoras como estudo extensivo (REIS, 2008), estudo de caso (CASIMIRO, 2010), estudo exploratório (LEITÃO, 2009) e outro como um estudo etnográfico (GALINDO, 2011). Os procedimentos de coleta são variados como a aplicação de entrevista e do questionário e a análise documental; muitas vezes esses procedimentos são combinados na coleta de dados, que passam pelo processo de análise de conteúdo. A observação de caráter etnográfico é usada por Galindo (2011), além da entrevista. Os trabalhos baseiam-se em aportes teóricos como autores que tratam da avaliação (REIS, 2009; LOURENÇO, 2008), das necessidades de formação docente (REIS, 2009; CASIMIRO, 2010; LOURENÇO, 2008; LEITÃO, 2009; GALINDO, 2011), da formação de professores (REIS, 2009; LEITÃO, 2009; GALINDO, 2011; LEONE, 2011), dos processos de aprendizagem dos adultos (CASIMIRO, 2010); da educação de jovens e adultos (DUARTE, 2009), do trabalho docente (GALINDO, 2011); do desenvolvimento profissional docente e do ciclo da carreira docente (LEONE, 2011). Os resultados dessas pesquisas mostram a inadequação da formação docente quanto às suas necessidades (REIS, 2009; CASIMIRO, 2010; LEITÃO, 2009; DUARTE, 2009; LEONE, 2011); as pesquisas elaboram indicadores de formação e sugestões para a elaboração de ações de formação para os sujeitos pesquisados (CASIMIRO, 2010; LOURENÇO, 2008; DUARTE, 2009; GALINDO, 2011; LEONE, 2011); o estudo de Galindo (2011) demonstra a proveniência da necessidade de formação dos professores e propõe mudanças nos modelos de análise dessas necessidades quando utilizados para a elaboração de ações de formação continuada de docentes.

O procedimento de busca e a elaboração da síntese dos trabalhos encontrados sobre a necessidade formativa docente me forneceram um panorama geral dos estudos que foram realizados sobre o tema. Esse panorama me proporcionou subsídios para a reelaboração do problema da minha pesquisa. Essa reelaboração, porém, não se deu apenas devido ao exercício dessa tarefa de busca e síntese, mas também devido às disciplinas que fui cursando ao longo do doutorado e das discussões que o grupo de pesquisa GPFOPE foi realizando a respeito de textos sobre as políticas públicas no Brasil e a formação continuada de professores.

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pelo Prof. Dr. Antônio Bosco de Lima e Profa. Dra. Yoshie Ussami Ferrari Leite, proporcionaram-me condições para refletir sobre como as políticas públicas educacionais têm o caráter de políticas sociais e não de políticas que levam ao estado de direito (VIEIRA, 1992) e sobre como o diagnóstico de necessidades formativas dos professores da Educação Básica, foi proposto e normatizado pelo Decreto nº 6755, de 2009, que Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências, documento esse que segue pressupostos presentes no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), de 2007, também estudado nessa disciplina e no GPFOPE.

As leituras do documento referência e do documento final sobre as questões discutidas na Conferência Nacional de Educação (CONAE), realizada em 2010, também me possibilitaram refletir sobre o modo como tem sido discutida a análise de necessidades formativas de professores pela categoria docente.

Além desses estudos realizados tanto no GPFOPE como na disciplina Políticas Públicas e Educação, também me foram importantes para a desconstrução do problema da minha pesquisa as leituras realizadas na disciplina Teoria Histórico-Cultural, Educação Escolar e Formação Humana, oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da FCT/UNESP/Presidente Prudente – SP, ministrada, no segundo semestre de 2010, pelo Prof. Dr. Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho. As leituras sobre o método formal e o método histórico-dialético me possibilitaram descobrir que a lógica formal não era o único caminho metodológico de se fazer pesquisa. A partir de leituras que diferenciavam a lógica formal da lógica dialética pude perceber que a análise de necessidades formativas de professores poderia ser realizada por outro prisma, o histórico-dialético.

No entanto, ainda havia algo que não me convencia e nem me encorajava a reelaborar o problema de minha pesquisa. Como já mencionei, eu ainda sentia que faltava alguma coisa para eu entender o que eu de fato buscava com o passar pela experiência de cursar um doutorado. Faltava eu me questionar a respeito da defesa que eu mesma estava fazendo da necessidade e da importância da realização dessa etapa na minha vida como professora da escola básica há quinze anos.

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Programa de Pós-Graduação em Educação, da FCT/UNESP/Presidente Prudente – SP, no primeiro semestre de 2011, em uma das discussões em sala sobre formação continuada de professores, que eu tive a ‘sensação’ de que eu nunca seria uma professora suficientemente bem formada devido ao tamanho da importância e da valorização e da insistência atribuída a esse tipo de formação ininterrupta, permanente, constante, infindável, eterna. A formação continuada sempre me foi apresentada de modo tão natural na minha vida de professora que a sua existência eu não ousava questionar.

Nesse mesmo período de tempo, no primeiro semestre de 2011, também cursava a disciplina Filosofia da Educação: Temas Contemporâneos, ministrada pelo Prof. Dr. Divino José da Silva, e igualmente oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da FCT/UNESP/Presidente Prudente – SP. Foi nesse espaço que tive o primeiro contato com textos de Michel Foucault. A disciplina abordou de forma não muito aprofundada as teorizações desse autor, pois o objetivo dela era oferecer um panorama de alguns assuntos, temas, autores, problemáticas, questões que estão sendo ou que podem vir a ser discutidas no campo da Educação a partir de um referencial filosófico contemporâneo. Michel Foucault estava entre esses autores e dois de seus escritos foram discutidos em sala - O que é a crítica? (Crítica e Aufklärung) e A escrita de si -, uma minúscula amostra de sua obra, mas que, apesar disso, proporcionou uma boa discussão a respeito da perspectiva desse autor sobre a posição da ciência e da pesquisa nos jogos de saber-poder, o que, consequentemente, influenciou meu modo de pensar a minha própria pesquisa.

Naquele momento, desde a leitura e discussão desses textos, três pensamentos me inquietaram e intrigaram, motivando-me a mudar a direção do meu olhar sobre o meu objeto de estudo. O primeiro pensamento dizia respeito ao modo como as relações de poder poderiam estar permeando a produção dos saberes sobre as necessidades formativas docentes; eu refletia também sobre a possibilidade da análise de necessidades ser ou não um recurso de resistência aos mecanismos disciplinadores e controladores forjados pela formação continuada de professores; e pensava sobre a possibilidade ou não de operacionalizar os procedimentos de análise de necessidades formativas como uma tecnologia de resistência ao controle.

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sentimento de responsabilidade em tornar os sujeitos emancipados (acho que construído no decorrer de toda uma vida de estudante e professora), acabei por expô-las em um texto apresentado no seminário de pesquisa organizado pelo VI Seminário de Pesquisa em Educação, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP de Presidente Prudente – SP, em novembro de 2011. O texto era uma reelaboração do projeto inicial desta pesquisa e foi submetido a uma banca composta por dois professores que avaliaram os rumos da pesquisa. Os dois professores da banca perceberam a transição quanto ao referencial teórico pelo qual passava a pesquisa e sugeriram uma coorientação que fosse da área da Filosofia da Educação, já que o projeto se posicionava na linha de Políticas Públicas para a Formação de Professores, mas possuía uma forte intenção de construir uma análise baseada nas teorizações filosóficas de Michel Foucault.

Dentre os docentes do programa de pós-graduação, o Prof. Dr. Divino José da Silva era o mais indicado para me auxiliar nessa tarefa e, de comum acordo com a Profa. Dra. Yoshie Ussami Ferrari Leite, fiz contato com o professor que indicou alguns autores e disponibilizou algumas obras de referência para a superação das dificuldades encontradas até então quanto à elaboração do problema e à escolha teórico-metodológica da pesquisa. Decidiu-se que o professor Divino assumisse a coorientação deste trabalho.

No final do segundo semestre de 2011, ainda interessada em elaborar melhor o problema da minha pesquisa, realizei outra busca de pesquisas realizadas no Brasil. Nesse momento, a minha atenção se voltava para as pesquisas que tivessem o mesmo perfil da minha, ou seja, que incidissem na linha de pesquisa ‘políticas públicas’ e que abordassem temas associados à ‘formação de professores’ a partir da perspectiva dos estudos foucaultianos e/ou versassem sobre a análise de necessidades formativas docentes a partir da perspectiva dos estudos foucaultianos.

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de professores (um trabalho encontrado); depois, biopolítica, biopoder, formação continuada de professores (nenhum trabalho encontrado); em um terceiro momento, busquei os trabalhos a partir das palavras formação continuada, Michel Foucault (treze resultados encontrados); foram utilizadas também as palavras biopolítica, biopoder, Michel Foucault, formação continuada, necessidades de formação (nenhum resultado encontrado); em uma quinta busca usei as palavras Michel Foucault, necessidades de formação (trinta e nove trabalhos); e, por fim, na última busca, usei as expressões Michel Foucault, Educação (trezentos e oitenta e seis resultados).

Assim como na busca anterior, realizei a leitura de todos os quatrocentos e trinta e nove títulos encontrados pela ferramenta de busca do Banco de Teses da CAPES. A partir da leitura dos títulos, selecionei aqueles trabalhos cujo tema era ‘formação de professores’; quando o título não possibilitava saber ao certo qual o tema da pesquisa, efetuei a leitura dos resumos dos trabalhos e, algumas vezes, da introdução. Após essa primeira seleção, listei um total de quarenta e uma pesquisas que tratam de temas relacionados à formação de professores a partir da perspectiva dos estudos foucaultianos (em anexo, Quadro 2). Desse número total de pesquisas, onze são teses de doutorado e trinta são dissertações de mestrados; ainda desse total, trinta e dois pertencem a mestrados e doutorados em Educação; dois em Ensino de Ciências; um em Linguística Aplicada; um em Linguística; um em Educação Matemática; um em Psicologia Social e Institucional; um em Educação Física; um em Educação nas Ciências e um em Educação nas Ciências Químicas da Vida e da Saúde.

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Portuguesa (SANTOS, 2009); formação continuada de professores (SANTOS, 2006; BORGES, 2006); formação inicial de professores (GUERRA, 1996; PASCHOAL, 2006); formação de professores de jovens e adultos (GELATTI, 2005; MESSER, 2007; SOARES, 2010); os discursos de diversidade cultural e da cidadania na formação de professores (ANDRADE, 2003); o discurso da inclusão escolar na formação de professores (DECKER, 2006); formação de professores de Química (CALDEIRA, 2007; FERREIRA, 2010); a Matemática na formação de professores das séries iniciais do ensino fundamental (SOUZA, 2004); a Educação Física na formação dos professores das séries iniciais do ensino fundamental (PASSOS, 2010); educação sexual e formação de professores (SILVA, 2005; TUCKMANTEL, 2009; CHAVES, 2010); formação de professores a distância (DALPIAZ, 2009; CHIACHIRI, 2008; BARBOSA, 2010); práticas escolares na formação dos professores (HECKERT, 2004); a política de formação de professores no Brasil (VELOSO, 2005); formação cultural docente (OLIVEIRA, 2007). A metodologia descrita nos resumos desses trabalhos é bastante variada3: análise do discurso, segundo pressupostos da arqueologia, da genealogia e da noção de discurso foucaultiana (VASCONCELOS, 2003; OLIVEIRA, 2004; GELATTI, 2005; BORGES, 2006; DECKER, 2006; SANTOS, 2006; COSTA, 2007; ARAGON, 2009; BARBOSA, 2010; ROCHA, 2010; SOARES, 2010; FERREIRA, 2010); observação (HOLZMEISTER, 2007); análise documental (SOUZA, 2004; PONTE, 2005; VELOSO, 2005; MESSER, 2007; OLIVEIRA, 2007; PEREIRA, 2008; SANTOS, 2009); análise de entrevistas e questionários abertos (ANDRADE, 2003; SILVA, 2005); pesquisa bibliográfica (CARDOSO, 1999; CALDEIRA, 2006; CARVALHO, 2008); história oral (MARTINS, 2007; PASSOS, 2010; PINHEIRO, 2007; SILVEIRA, 2008); estudo de caso (DALPIAZ, 2009); cartografia narrativa (HECKERT, 2004); análise interpretativa (PASCHOAL, 2006); observação participante (TUCKMANTEL, 2009); análise de discurso, segundo a linha francesa, fundada por Michel Pêcheux (CHIACHIRI, 2008). A síntese da leitura dos resumos das quarenta e uma pesquisas encontradas no Banco de Teses da CAPES é apresentada no Quadro 2, que está anexo. O objeto necessidade formativa docente não foi contemplado por nenhum desses quarenta e um estudos encontrados no banco de teses e dissertações da CAPES.

3 Permanece a classificação dada pelos autores dos trabalhos. Alguns trabalhos não foram

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O levantamento de dissertações e teses, primeiro sobre a necessidade formativa docente e, depois, sobre pesquisas que tratam da formação de professores com base no referencial teórico foucaultiano, revelou a ausência de pesquisa sobre o objeto necessidade formativa docente com base no referencial teórico foucaultiano, pelo qual passava a me interessar. Diante dessa ausência de pesquisas nesse perfil, motivada pelo meu interesse pelas ideias de Michel Foucault sobre o poder, o saber e o discurso e a partir da minha experiência como professora de escola pública estadual, que recebeu e organizou ações de formação em determinados períodos de minha carreira profissional e a partir da minha vivência de pesquisa, adquirida no mestrado, passei a delinear o problema deste trabalho.

O exercício de construção dos dois quadros-síntese e as experiências vivenciadas pelas disciplinas, leituras e discussões, realizadas no decorrer de tempo em que estou matriculada no doutorado, proporcionaram-me subsídios para que eu pudesse me questionar a respeito de quais condições políticas tornaram favorável a aplicação e o uso das expressões ‘necessidades de formação’ e/ou ‘necessidades formativas de professores’ e/ou ‘necessidade formativa docente’ no campo discursivo da formação continuada de professores; e em quais contextos sociopolíticos, a análise e o diagnóstico dessas necessidades emergiram como uma das etapas ou como um instrumento de pesquisa das políticas de formação continuada de professores.

Entretanto, o brejo era muito mais amplo e detalhado do que essas minhas incipientes percepções sobre o referencial teórico-metodológico que escolhera: essa estrada estava apenas começando. Com a bússola ajustada, fui em busca dos recursos que me faltavam: as ferramentas teórico-metodológicas foucaultianas. Direcionei, então, o meu interesse, para o propósito de desbravar o brejo com a finalidade de conseguir me movimentar nele.

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momento, me via enfiada nele, por vontade própria, mas sem saber ainda como me mover.

Então, durante o segundo semestre de 2012, frequentei dois espaços, nos quais se reuniam alunos e professores, que há mais tempo do que eu, impregnavam-se no lodo que crescia no brejo foucaultiano. As aulas assistidas como aluna ouvinte na disciplina “Leituras transversais de Michel Foucault: A coragem da verdade”, ministrada pelo Prof. Dr. Sílvio Gallo e oferecida pelo Programa de Pós -graduação em Educação, da Universidade de Campinas (UNICAMP) e a participação nos encontros do “Seminário Temático Michel Foucault”, coordenado pelo Prof. Dr. Marcos Alvarez, em uma das salas da Universidade de São Paulo (USP) pude vivenciar algumas discussões que faziam parte desse novo universo teórico-metodológico ao qual eu estava disposta a desvendar. A partir desses dois espaços, passei a compreender melhor o caráter transversal das ideias de Michel Foucault, pois o primeiro focava-se na Filosofia e o segundo na Sociologia. No primeiro, discutiu-se o curso A coragem da verdade e o objetivo era entender a noção de parresia4; já no segundo, estudou-se parte do curso Nascimento da biopolítica e o objetivo daquelas discussões era compreender a tecnologia biopolítica de poder. Durante aquelas viagens, ida e volta, ora de Presidente Prudente a Campinas, ora de Presidente Prudente a São Paulo, ora, algumas vezes, de Presidente Prudente a Campinas e logo em seguida a São Paulo, pensava se estava valendo a pena aquele esforço todo, porque, confesso, eu pouco podia contribuir com as discussões daqueles espaços dada a estranheza que tudo aquilo me provocava. Foram momentos decepcionantes, angustiantes, reveladores, instigantes... Nem sempre compreendi o que estava fazendo, só depois, só agora, percebo o quanto essa trajetória de sair em busca de algo, sem saber bem ao certo o que era, me foi importante para pensar de outra forma o que eu queria estudar.

Li muito e nem tudo que li entendi de imediato. Li textos de Foucault e de seus comentaristas, sobre assuntos relacionados à educação, principalmente. Encontros de pesquisadores como o 5º Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação que ocorreu junto ao 2º Seminário Internacional de Estudos Culturais e Educação “Nas Contingências do Espaço-Tempo”, em maio de 2013, em Canoas –

4Parresia é uma das técnicas fundamentais das práticas de si mesmo na Antiguidade. Foi estudada por

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RS, e o VIII Colóquio Internacional Michel Foucault e os Saberes do Homem, em outubro de 2013, no Rio de Janeiro – RJ, foram me sinalizando como as ferramentas forjadas por Foucault poderiam ser apropriadas nas pesquisas em Educação.

Muito se passou até aqui. E com o que pude recolher no decorrer desse percurso apresento, a seguir, os objetivos e a metodologia desta pesquisa.

No entanto, antes disso, gostaria de deixar registrado, mesmo que seja em poucos parágrafos, uma parte de vida que vivi, e que está sendo silenciada até agora desde o início deste tópico, mas que, entretanto, foi determinante nas escolhas que fiz sobre esta pesquisa. A minha vida de professora não parou durante este percurso. Junto a ele, ao meio dele, talvez entrelaçado a ele, seria melhor dizer, compondo-o, vivenciei saberes-poderes circulantes na convivência entre professor-aluno-diretor-funcionários-comunidade-Estado, em uma escola pública estadual, em Presidente Prudente de uma forma quase imperceptível, como o ar respirável de todos os dias. Vivenciei na escola alguns acontecimentos que provocaram em mim um estranhamento quanto aos outros e quanto a mim mesma; passei a prestar mais atenção àquilo que me governa e que governa os outros. Assim entendi que para que a minha expectativa em participar de uma formação continuada na qual eu pudesse praticar a liberdade se realizasse, é preciso compreender a fundo as crenças, as verdades, os preconceitos, os ideais etc., que têm conduzido o professor, a fim de encontrar possibilidades de escolha a outra forma de se exercer o poder junto aos alunos e aos meus pares na escola.

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fora meu aluno na quinta série e, naquele momento, diziam que ele era o responsável pela ‘disciplina’5 no bairro. O que me fez procurar a Diretoria de Ensino da Região de Presidente Prudente não foi a ameaça, mas aquela estranha proteção, porque L. eu nunca mais vi; já A. vivia por ali. Saí da Diretoria de Ensino com uma frase talvez mal dita ou mal colocada, mas que não me sai da cabeça, e uma promessa. A promessa não se fez e a frase foi a seguinte “ainda bem que você está protegida”.

O caso da escada: A2 era aluno da sexta série (atual sétimo ano), parecia não gostar de estudar e eu queria que ele gostasse, então disse algo a ele e ele revidou e no meu olhar de professora não revidava a mim, mas à minha autoridade. Mas como eu disse, eu era a professora... levei-o, então, à diretoria com advertência em punho. Não cheguei até a sala da diretora, pois ela estava na escada no decorrer do caminho. Lá o caso se resolveu da seguinte forma: diziam que a diretora não queria mais receber casos de indisciplina, pois o professor que deveria resolvê-los na sala de aula, e foi exatamente o que ela me sinalizou. Depois, ainda na escada, esbravejou com A2, ameaçando expulsá-lo da escola. Por fim, logo em seguida, esbravejei eu com A2, ainda na escada com a diretora ainda lá. Conclusão: ficamos disciplinados eu e A2.

O caso dos livros didáticos: a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) possui um currículo próprio, que inclui material didático, fornecido aos alunos, composto por cadernos de conteúdos e atividades. Há uma obrigatoriedade no uso desses materiais, mas, segundo dizem, nada impede o professor ou professora de utilizar outros materiais, inclusive, o próprio caderno do aluno fornecido pela Secretaria de Educação incentiva o uso de outros materiais como, por exemplo, o livro didático. Os livros didáticos são escolhidos pelas professoras e professores e fazem parte da política educacional no âmbito federal. Em 2012, fui informada, de um modo não oficial, que se eu quisesse continuar usando os livros didáticos que havia escolhido, eu deveria buscá-los, discretamente, em determinada sala a qual eles haviam sido encaminhados, pois seriam picotados e encaminhados para a reciclagem, pois eles não contemplavam os pressupostos do

5Ser responsável pela ‘disciplina’ nesse contexto significa, na linguagem do tráfico lá do bairro, ser responsável pelo comportamento dos menores envolvidos no tráfico, melhor

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currículo proposto pela SEE-SP. No século XXI, em contexto democrático, achei estranho esconder livros no meu armário...

O caso da formação de professores: na sala dos professores, em um momento de pausa, ouvi duas amigas conversando sobre um curso a distância que ambas faziam. A professora S. queixava-se de que as atividades dela eram sempre devolvidas pelo tutor do curso, pois ele sempre questionava as suas respostas. Respostas essas que envolviam o cotidiano dos problemas, desafios, dificuldades e também prazeres vivenciados na escola. A professora S. estava decepcionada, pois nunca o que escrevia estava suficientemente bom para o tutor. A professora V. ouviu a queixa e deu um conselho, dizendo que S. estava fazendo errado. S. não tinha que ficar falando da escola, do que acontecia de fato na escola, o que o tutor queria ouvir era outra coisa; então, o melhor a fazer era copiar dos textos que eram lidos as respostas e colá-las na atividade a ser enviada. Assim, ele não devolvia a atividade para refazer, afinal V. fazia dessa forma e suas atividades nunca foram devolvidas para serem refeitas.

Às vezes as extrapolações do exercício dos poderes são aterradoras e duras; outras vezes são tão silenciosas e leves quanto o bater das asas de uma borboleta. Foi aterrador para mim, entender que a instituição para a qual trabalho há dezesseis anos não está nem um pouco preocupada com o que possa acontecer comigo na escola ou com quem está assumindo a autoridade na escola desde que tudo esteja aparentemente bem, a ponto de aceitar como sendo um ‘benefício’ que um de seus funcionários seja protegido por traficantes. Igualmente aterrador foi descobrir que eu, muitas vezes, disciplino os outros, governo, controlo, usando os mesmos mecanismos e palavras usados por aqueles cujos métodos não admiro, não concordo. Esconder livros foi acachapante, nunca pensei que eu poderia me sujeitar a isso e eu me sujeitei, por medo da perseguição daquela direção e por comodismo, porque não valia a pena me expor numa arena que disputa o discurso do melhor material didático: se o Currículo do Estado de São Paulo ou se o Programa Nacional de Livros Didáticos, duas políticas representando partidos políticos opostos, mesmo que os princípios talvez não sejam tão opostos assim.

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avalia-se mais uma vez, e outra vez, e outra, e outra, avalia-se continuamente, até que o dizer torne-se pensar...

Passei a perceber o espaço escolar com outro olhar. Aqueles discursos sempre escutados (práticas discursivas) e as práticas escolares cotidianas (práticas não discursivas) desenrolam-se nas malhas do exercício dos poderes. Foi também nesse espaço que me constituí e que me constituo como profissional e como pessoa e percebi de algum modo que apesquisadora estava separada da professora. O que eu quero agora é aproximá-las, e essa aproximação esgarça tanto uma quanto outra; porque é um exercício de abandono de si por outro si, por isso fere como se fosse na minha alma. É uma dor que me faz pensar no tipo de gente que eu ajudo a forjar e no que me forjou a ser a pessoa que eu sou.

2.2.2 O problema que se fez

O atual problema desta pesquisa construiu-se, então, dessas vivências narradas e do referencial teórico-metodológico foucaultiano relacionado às noções de saber, poder e discurso, desenvolvidas por Michel Foucault. Neste estudo, problematizo, então, o caráter de verdade absoluta do objeto necessidade formativa docente, na tentativa de ‘desnaturalizá-lo’ e se sustenta no questionamento seguinte: quais condições proporcionaram a emergência da necessidade formativa docente no campo discursivo da formação de professores?

O objetivo geral desta pesquisa está relacionado a essa pergunta da qual se desdobraram outras, a partir das quais gerei os objetivos específicos deste trabalho. Os questionamentos vinculados ao problema são:

x que condições favorecem a produção dos discursos em torno do objeto necessidade formativa docente?

x qual o espaço destinado à análise de necessidades formativas docentes nos textos que compõem a legislação das políticas de formação de professores do Brasil e como esse espaço se constituiu?

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2.3 (Re)Localizando a pesquisa

Depois do vivido, passei a localizar esta pesquisa em torno de dois domínios foucaultianos, denominados por Veiga-Neto (2011a) como os domínios do ser-saber e do ser-poder e me utilizarei da noção de discurso formulada por Foucault para fazer as análises dos textos que selecionei.

Segundo Veiga-Neto (2011a, p. 46), o domínio do ser-saber compreende a arqueologia como uma estratégia reflexiva cujo procedimento é

de escavar verticalmente as camadas descontínuas de discursos já pronunciados, muitas vezes de discursos do passado, a fim de trazer à luz fragmentos de ideias, conceitos, discursos, talvez já esquecidos. A partir desses fragmentos – muitas vezes aparentemente desprezíveis – pode-se compreender as epistemes antigas ou mesmo a nossa própria epistemologia (VEIGA –NETO, 2011a, p.46).

O discurso é visto, na perspectiva foucaultiana, como constitutivo da prática porque o discurso é a materialidade de regras às quais o indivíduo é submetido ou se submete no momento que pratica o discurso. Segundo Veiga–Neto (2011a), portanto, o objetivo da arqueologia não é explicar ou interpretar um discurso, pois não os trata como documentos; é, pois, compreender os discursos como práticas que seguem regras de um determinado sistema. Por isso, os discursos, na análise arqueológica, são tratados como monumentos.

No entanto, esse tipo de análise não se restringe ao próprio discurso, pois busca articulações com as “práticas não discursivas, tais como as condições econômicas, sociais, políticas, culturais etc.” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 48), mas, sem, no entanto, buscar causalidades entre as duas. A análise arqueológica, então, não se pergunta sobre o que originou uma enunciação discursiva nem tampouco sobre o que significa essa enunciação; pois

o que interessa para a história arqueológica é buscar as homogeneidades básicas que estão no fundo de determinada episteme. Essas homogeneidades são regularidades muito específicas, muito particulares, que formam uma rede única de necessidades na, pela, e sobre a qual se engendram as percepções e os conhecimentos; os saberes, enfim.

Nesse sentido, a arqueologia – ao investigar as condições que possibilitaram o surgimento e a transformação de um saber –

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empreendida pela própria ciência (VEIGA-NETO, 2011a, p.48-49, destaque do autor).

Já, no domínio do ser-poder, Veiga–Neto explica que as análises sobre os discursos continuam a ser feitas, assim como são feitas na arqueologia. Mas, agora, na perspectiva genealógica, “isso é feito de modo a mantê-los [os discursos] em constante tensão com práticas de poder” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 59). Ainda segundo esse autor, nas análises do funcionamento do poder, feitas por Foucault, o poder não é visto como um objeto a ser estudado, mas sim como “um operador capaz de explicar como nos subjetivamos imersos em suas redes” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 62). Por isso que Veiga–Neto afirma que o caráter positivo da analítica foucaultiana não é “lastimar ou acusar um objeto analisado [...] é compreendê-lo naquilo que ele é capaz de produzir, em termos de efeitos” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 65), efeitos esses que são produzidos pela ação de forças que “estão distribuídas difusamente por todo tecido social” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 61). O poder é entendido, então, como “uma ação sobre ações” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 62), porque nas análises genealógicas o poder é compreendido como um “elemento capaz de explicar como se produzem os saberes e como nos constituímos na articulação entre ambos [os poderes e os saberes]” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 56).

A genealogia, portanto, não se preocupa em fazer interpretações sobre os saberes ou descrever a sua origem do ponto de vista do seu marco histórico original, mas se ocupa em descrever e em

estudar a emergência de um objeto – conceito, prática, ideia ou valor

– [que] é proceder a análise histórica das condições políticas de

possibilidade dos discursos que instituíram e ‘alojam’ tal objeto. Não

se trata de onde ele veio, mas como/de que maneira e em que ponto

ele surge” (VEIGA – NETO, 2011a, p. 61, destaque do autor).

Referências

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